segunda-feira, 31 de agosto de 2015

O rapaz que amava Gal Costa


Meu compadre Walter Florêncio trabalhava como locutor da Rádio Difusora Nazaré em Itabaiana, nos anos 70, onde eu brincava de ser programador dessa emissora aventurosa do meu compadre Ivo Severo. Com seus 17 anos de idade, Walter era um rapaz romântico, arrebatado e imaginativo. Primeiro se enamorou de uma prostituta, aquela que o desflorou na Rua do Carretel. Depois, caiu de amores pela cantora Gal Costa, ao ouvir a moça cantar “Baby” e “Divino maravilhoso”.

Digam o que disserem, mas a vida é boa, basta você pinta-la com as cores da imaginação e ir em frente, ou pra trás, depende do embalo dos seus sonhos ou pesadelos. Para Walter, Gal Costa era mais do que uma cantora de sucesso. O sujeito era um apaixonado por convicção. Esse devaneador comovente e raro, porque não é todo mundo que cai de amores por um ídolo, me pediu para escrever uma carta galante para o seu fetiche, a esbelta estrela baiana Gal Costa, de voz bela e emocionante interpretação.

Pois acreditem: escrevi e mandei para a gravadora de Gal o bilhete:

“Querida Gal Costa: meu nome é Walter Florêncio, sou locutor de uma pequena estação de rádio numa cidadezinha da Paraíba e eu quero um xodó com você. Verdade seja dita, já vivo tomado de amores pela sua pessoa, sabendo que isso de amar uma capa de disco é um mal desnecessário porque ninguém merece atormentar-se por uma paixão meio assim patológica. O mais provável é que eu me torne alcoólatra, porque todos os dias me embriago no baixo meretrício, pensando em você refletida na figura da pobre, desajeitada, trivial e vulgar rapariga que me afaga os cabelos sem carinho.

Utopia? Em absoluto. Sei que minha estrela está há mais de mil milhas náuticas e quatrocentos anos luz, mas, e sempre tem um porém, sua imagem sensual e provocativa, exalando pimenta e libertinagem, me deu coragem para dormir com uma puta de boca vermelha, maquiada e maliciosa profana, igual a você. Com esse ato, deixei de ser virgem e passo a me considerar seu amante. Meus amigos zombam de mim, mas nenhum deles é namorado virtual de uma vaca profana.

Estou prestes a ser demitido de minha função de disc jockey da rádio onde trabalho, porque o dono não aguenta mais ouvir Gal Costa tocando toda hora. Eu disse a ele que se trata de encarar invertido o problema: não é o som de Gal que atrapalha a programação, mas os outros artistas que impedem o livre trânsito dessa voz largada, afinada, despreocupada, lírica e ouso até dizer, revolucionária que veio da Bahia. Para mim só existe o disco de Gal, o resto é poluição sonora.

Eu acho que você é uma estrela que se conhece e se basta. Sua beleza inquietante vai atingir pessoas de todas as idades daqui para mais cinquenta anos ou mais. Seu canto será para sempre o BG, a cortina sonora de minha vida simples, potencialmente alterada pela adoração a essa musa.

Com um beijo insano desse fã desatinado,

Walter Florêncio”


domingo, 30 de agosto de 2015

A GRANDE ALAGAMAR

Por Joacir Avelino 



                   A luta camponesa sempre teve grande repercussão no Estado da Paraíba, de forma pacífica ou violenta. Basta recordar as Ligas Camponesas, cujo ponto alto se deu no município de Sapé, onde ocorreram os maiores conflitos.
                   Em Salgado de São Félix e Itabaiana não foi diferente, só que de forma pacífica. Refiro-me aos incidentes envolvendo a fazenda Alagamar, encravada entre os dois municípios,  entre os anos de  1975 e 1983. Ali viviam famílias campesinas convivendo pacificamente em regime de agricultura familiar. Os trabalhadores mantinham a posse e uso da terra, outros eram foreiros ou rendeiros, mas em troca, numa relação entre capital e trabalho, ficavam obrigados a prestar jornadas de trabalho, gratuitamente ou a preços módicos ao proprietário legal.
                   Ocorre que no ano de 1975, o dono das terras, o solteirão Arnaldo Maroja vem a falecer. Aberto o processo de sucessão, os conflitos começaram a aparecer e se acirrar. De um lado os colonos e no outro polo os futuros herdeiros e pretensos senhorios, tendo a terra como pano de fundo.
                   Os novos donos, não satisfeitos com a presença dos antigos agricultores, resolveram expulsá-los. Como forma de intimidação, passaram a soltar gado ao longo da fazenda, para que destruísse as plantações. Outra tática empregada era a construção de cercas para separar as famílias ali residentes. Também usaram a polícia, travestida de capangas, como de forma de intimidar a todos, promovendo espancamentos e impondo a lei do silêncio, proibindo reuniões.
                   Os agricultores não cederam. Resolveram reagir de forma pacífica. Procuravam se reunir em pequenos grupos, derrubar cercas e expulsar o gado. Essa luta silenciosa chamou a atenção de membros da igreja católica, sindicalistas e simpatizantes, diante daquela falta de respeito aos direitos humanos daqueles trabalhadores, que buscavam o sagrado direito a um pedaço de terra, onde viviam, trabalhavam e produziam.
                   Quando a situação já estava insustentável, prestes a haver um derramamento de sangue, muitas autoridades ali se fizeram presentes, inclusive o general e presidente do Brasil João Figueiredo. Naquele mesmo dia, no ano de 1980, também lá se encontrava o nosso Luiz Gonzaga. Convidado a subir ao palanque presidencial, o rei do baião não fez desfeita, atendeu ao pedido, mas não permaneceu no meio das autoridades. Presenteou o ditador com um chapéu de couro, desceu do palanque e saiu cantando Asa Branca nos braços do povo.
                   Entretanto, a visita mais ilustre ao palco dos acontecimentos, foi a de D. Hélder Câmara. Em companhia dos bispos D. José Maria Pires  e D. Marcelo Pinto Carvalheira, ali se fez presente, antes do  Brasil Oficial,  não só como religioso, mas como um dos maiores defensores dos direitos humanos no Brasil naqueles anos de ditadura. Sob a batuta do arcebispo de  Olinda e Recife, os ministros religiosos enfrentaram a polícia, derrubaram cercas e expulsaram o gado. Em uma de suas falas chegou a clamar ao Criador: “O Senhor é o meu pastor e nada faltará, mas em Alagamar falta tudo”.
                   Para concluir, vale destacar a presença de Sivuca, não fisicamente, mas com sua música. É dele a melodia “Alagamar”, composta na década de 1980, hoje à disposição dos admiradores do bom forró, podendo ser acessada no “you tube”, mas carecendo de uma letra, cuja imaginação deixo a cargo dos poetas da minha terra.
                   

POEMA DO DOMINGO

PRELÚDIO

Se eu irei perder a guerra
Que seja morto em combate
Nesta emboscada servil
Que é prelúdio desse embate.

O filho teu não foge à luta
Nem por uma causa perdida
Mesmo que seja utopia
O termo “beco sem saída”.

Se eu pudesse prever
O meu algoz de antemão
O nobre pânico revelado...
Num pérfido sopro do dragão.

Se eu fui teu alvo escolhido
Aperta logo o gatilho
Na boca o gosto da pólvora
 
Se porventura eu resistir
A esse infame atentado
Conquistarei minha alforria
No teu fracasso selado.

Hastearei a bandeira branca
Do infortúnio, da desgraça
De um falso acordo forjado
Por sobre a tua carcaça.


                                                 Evanio Teixeira

sábado, 29 de agosto de 2015

Cantador de Ibiara no Alô Comunidade


Giovani Basílio é um cabra de Ibiara, no sertão da PB, compositor e cantor que quase ninguém conhece porque no rádio só toca música de bundinha e de corninho e de puta e essas baixarias todas que é a cultura da fuleragem ocupando os espaços da mídia comercial. Pois como o ALÔ COMUNIDADE é um programa feito pra justamente se contrapor a essa sujeira toda da cultura de massa, vamos buscar esse Giovani Basílio pra mostrar sua arte.Vamos tocar a música de Giovani Basílio na edição de hoje do programa. 


Vamos lançar também o CD Vitalidade, do Vital Alves, e levar um ligeiro papo com o escritor Efigênio Moura, do Cariri da Paraíba do Norte.

Bora?

Pra ouvir em tempo real pelo portal da Rádio Tabajara da Paraíba AM, a partir das 14 horas deste sábado (29):




sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Repórter aguarda entrevista com prefeito há mais de dois anos

O velho repórter Fábio Mozart, que sou eu mesmo às suas ordens, é responsável por um blog na internet e um programa radiofônico na Rádio Tabajara da Paraíba, além de jornal impresso. Não sou jornalista profissional. O lance é mais um passatempo e apego por essa luta, sonho e vibração que marcam o mister. Posso dizer que sou vocacionado para essa atividade, onde comecei com quinze anos, em 1970, ano em que circulou meu Jornal Alvorada.

Diz a cartilha que, para ser bom jornalista, só ser bem informado não basta. É preciso ter queda. E suportar quedas. E ter ética, sobretudo.

Feito o preâmbulo, passo a relatar as veredas que percorri para tentar uma entrevista com o prefeito Antonio Carlos Melo Júnior, de Itabaiana, Paraíba do Norte. No dia 22 de fevereiro de 2013, entrei em contato com Alyf, assessor de comunicação do alcaide. Primeiro pedi entrevista com uma secretária.

--- Nobre amigo, não recebi as respostas por escrito que enviei através de você, para a Secretária Flávia.

--- Olá, boa noite! Estive hoje com a secretária, ela está concluindo as respostas. Amanhã vou ao encontro dela para saber se está pronto, e te repasso.

No dia 26 de fevereiro, voltamos ao assunto:

--- Nobre amigo Alyf, ainda aguardo aquela entrevista com a Secretária.

--- Como te falei, está com ela.

--- É uma pena que não consegui as informações.

--- Uma pena mesmo, as perguntas estão excelentes, não sei porque ela não retornou com as respostas.

--- A prefeitura deveria manter uma página na internet.

--- Estamos construindo uma página, logo vai ser liberada. Quanto ao jornal impresso, estamos vendo isso.

Em 1º de março de 2013, falei novamente com o Alyf:

--- Senhor Alif, poderia agendar uma entrevista com o prefeito para o jornal Tribuna do Vale?

--- Posso sim. Mande o seu telefone.

No dia 28 de abril, mais um alô com Alyf:

--- O nobre amigo esqueceu de marcar a entrevista com o prefeito.

--- Não! O prefeito estava em um congresso em São Paulo, chegará hoje na Paraíba, e assim que ele chegar em Itabaiana eu marcarei a entrevista e te ligo.

--- Certo, agradeço ao amigo.

No dia 1º de março, entrei novamente em contato com o assessor.

--- Prezado amigo, enviei por e-mail mensagem pedindo algumas informações de interesse público. Poderia fazer a gentileza de responder para fundamentar matéria para nossas mídias?

ALIF – Pois não, pode deixar.

Claro que o tal Alyf não respondeu nada. Em 17 de abril, voltei a solicitar a entrevista com o prefeito através do assessor. Nessas alturas, meu objetivo era mesmo aporrinhar essas assessorias desconceituadas, uma espécie de desagravo pela desconsideração. Ele pediu de novo meu telefone e mandou que aguardasse.

No dia 28 de abril, voltei a insistir:

--- O nobre amigo esqueceu de marcar a entrevista com o prefeito.

Dessa vez ele não deu resposta. Voltou a falar em 3 de maio:

--- Meu querido, peço desculpas, pois estou com uma forte alergia e afastado do serviço por licença médica.

Em 22 de maio, retornei à carga:

--- Senhor Alyf, quando teremos a entrevista com o senhor Prefeito? Agradeço pelo retorno.

--- Vou agendar com ele nessa sexta-feira, depois confirmo hora e local.

Em 25 de maio, lembrei ao cara:

--- O nobre amigo já agendou a bendita entrevista?

--- Bom dia meu querido. Olhe, acredito que hoje terei uma resposta. Por segurança, não vou adiantar, mas certamente terei uma confirmação do prefeito.

Nessas alturas, eu já tinha esgotado minha reserva de paciência, mas decidi seguir com o joguinho, só para historiar. Sim, nesse papo o assessor queria saber o assunto da entrevista para ser repassado ao prefeito. Informei que a pauta seria na área de cultura. Lembrei de um candidato a vereador em Mari, convidado por mim para dar entrevista na rádio comunitária. Ele chegou com um caderno onde anotou as perguntas e respectivas respostas, “pra facilitar as coisas”. Não sei se é o caso do prefeito de Itabaiana, mas a maioria desses políticos só aceita entrevista combinada, daquelas em que o entrevistador levanta a bola e ele chuta.

Continuando jornada em busca da entrevista com o prefeito, em 17 de julho eu me senti no direito de dar uma estocada pública, depois de tanto arrodeio. Escrevi no Facebook:

“Há quatro meses o jornal TRIBUNA DO VALE pede uma entrevista ao prefeito de itabaiana, Antonio Carlos. Seu assessor de imprensa, Alyf Santos, durante todo esse tempo assegurando que vai agendar a entrevista. Pediu o tema da conversa, eu adiantei. Disse a ele que pode ser por escrito, já que a agenda do prefeito deve ser apertada. O prefeito tem direito de conceder entrevista a quem quiser. Mas seria elegante da parte dele e de sua assessoria comunicar a impossibilidade da entrevista, por uma questão mesmo de educação doméstica.”

Depois disso, o tal Alyf entrou em recesso. Não falou mais nada. Quando chegou dezembro, voltei a pedir a entrevista. Dessa vez não tive retorno algum. Em 27 de agosto de 2015, atualizei meu pedido de audiência. Não houve manifestação do assessor.
Sim, lembrei agora que encontrei com o prefeito em Itabaiana no dia 13 de dezembro de 2013. Assim que me viu foi logo garantindo:

--- Meu querido, aquela entrevista vamos marcar em breve, será uma grande satisfação.

Portanto, quero aqui resguardar a pessoa do assessor Alyf Santos. Ele comunicou a solicitação da entrevista ao chefe.

Ta lá na cartilha de jornalismo: “O Foca, como é chamado no Brasil o aprendiz de repórter, geralmente se transforma num bom profissional de imprensa unicamente pela sua persistência, constância e dedicação.” Não fico muito chateado com esse tratamento arbitrário do tal prefeito e sua desconsideração com a imprensa que não está na sua folha de pagamento de propina. Um dia eu ainda vou entrevistar esse prefeito, com o maior respeito e profissionalismo.   


quinta-feira, 27 de agosto de 2015

BILHETE DE JESSIER QUIRINO EM PAPEL DE BODEGA



Amigo Fábio Mozart:

Tenho um orgulho danado de ser amigo do grande cineasta e documentarista Vladimir Carvalho, filho de Itabaiana.

Outro dia, ele esteve aqui em casa, e, na sala do primeiro andar, contou-me, emocionado, que ali fazia recitais de poesia ao lado de um piano, com colegas e uma professora de música. Isto, com pernas de infância.

Meu cumpade Vladimir Carvalho

Mando uma ruma de agradecimentos por abalizar meu nome como candidato a prefeito de Itabaiana, mas não tenho destreza pra essas coisas não. Explico: eu não sei dar o famoso “H”. Melhor dizendo, não sei mentir.

Minto:

Um dia, eu vinha chegando de viagem aqui em Itabaiana (no silêncio da madrugada), quando, bem ali na Rua do Carrité, surgiu um doido (desses sujos que só chaminé de navio) com um facão na mão e batendo nos bancos de feira que ficam na rua. Pois o cujo, em formato de jagunço, veio pra junto da porta do carro e deu-se o seguinte diálogo – ele de facão em punho:

- O senhor é o tal de Jessier Quirino??

- NÃO! Não senhor!!

- Eu vou perguntar só essa vez: o senhor é o tal de Jessier Quirino, que conta umas histórias de matuto?

E eu suando feito cueca de carteiro:

- NÃO! Não senhor! Eu NÃO sou Jessier Quirino.

- MAS, JÁ FOI?

- JÁ! Já sim senhor.

- Ah! Então pode passar.

Resumo: Escapei por sinceridade.


Jessier Quirino


quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Receitas de poesia



“O escritor que escreve às cegas pode ser um iluminado”, acredita o poeta itabaianense André Ricardo Aguiar. E quem lê às cegas, corre o risco de penetrar aleatoriamente no mistério das coisas até, quem sabe, chegar a um grau de maravilhamento a ponto de viajar no pavão misterioso sem maiores perplexidades.
O cordel é uma arte que tem receitas. Sem o domínio de certas regras, não funciona. Como em toda forma artística, tem muita empulhação e produto ordinário por aí, mas, na forma, precisa seguir os preceitos da métrica e rima. É isso que o poeta Sander Lee vai ensinar hoje no Sesc, em João Pessoa, na oficina de cordel. Eu estarei entre os aprendizes, sendo que minha meta é aguçar a capacidade de ver mais o singelo e trivial com algum encantamento. Cuido mais do conteúdo. Com alegria, vou desenvolver oficina sobre literatura de cordel em novembro, no mesmo Sesc, convidado que fui pela direção. Falarei sobre a caça ao tesouro no mundo da poesia popular, como bom leitor cego que acho que sou.
Compadre meu revelou seu grande desejo de fazer parte da Academia de Cordel do Vale do Paraíba. Mas ele não sabe escrever cordel. Eis uma oportunidade de aprender e curtir essa belezinha que é a poesia popular, aparentemente bem organizada e fechada em suas fórmulas, mas com amplas possibilidades espreitando em seus recantos de graça, beleza e inspiração. Não sei se o candidato a poeta vai aparecer na oficina de Sander Lee, mas deveria. Rodeado de bons poetas e melhores leitores, quem sabe não se manifeste na sua cabeça a compreensão das linhas imprecisas da trova e do verso a serviço da originalidade e do belo.



  

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Banco de Tempo


“Já ouviu a expressão ‘tempo é dinheiro’? Em um banco de Santa Maria da Feira, em Portugal, ela é bem real. Porque ali, os voluntários não lidam com dinheiro, mas com tempo. Ao invés de lucros, o Banco do Tempo persegue outro objetivo: a felicidade das pessoas.
Funciona assim: um eletricista se inscreve no Banco do Tempo, se oferecendo para trocar as lâmpadas de uma casa. Após uma hora de trabalho, ele tem direito a uma hora de um serviço qualquer que ele precise. Por exemplo, aula de informática. O professor de informática, por sua vez, tem direito a uma hora de massagem e por aí vai. 
Há um pouco de tudo nesse projeto: troca de lâmpadas, limpeza, cursos de idiomas, massagens, pessoas dispostas a passar roupa e até a ensinar a andar de bicicleta.
Os bancos de tempo existem em Portugal há 13 anos, e na pacata Santa Maria da Feira, chegou há um ano e meio. Quem levou para lá foi a economista aposentada Margarida Portela, que destaca: — É o projeto da minha vida! — resume.” (Texto de Clara Cla)
Gostei muito da ideia. Esse banco dá o que pensar.
Imaginemos o cidadão que não tem nenhum pendor, mas é bom brasileiro e pai de dois filhos pequenos. Daí que chega no Banco do Tempo e oferece seus préstimos para passar uma tarde/noite com alguma solteirona, viúva ou desquitada carente, ocupando-se, entre outras tarefas correlatas, em ouvir as queixas da desacompanhada senhora. Conversa vai, conversa vem, a suplicante faz o que toda senhora saudável faria: resolve fechar as persianas para alterar a luz ambiente e deixar de fora os olhares curiosos dos vizinhos.
Mas, a contrapartida? O cidadão quer apenas que a madame fique com seus dois filhos por uma manhã enquanto ele procura emprego, pai solteiro e desempregado que é.
Tempos ruins também podem ser depositados para escambo nesse banco de tempo. O tonto Sonsinho quer duas horas de aula para que se introduzam dois gramas de sabedoria no seu vácuo mental, o que seria inútil perda de tempo, espécie de ficção. Em troca, ele promete explicar como funciona seu CD para surdos e pessoas que não suportam barulho.
Para purgar seus pecados (que não são pequenos), Madame Preciosa solicita dez minutos de revelações no confessionário. Em troca, a grande dama do cabaré admitiria o necessitado vigário como contribuinte ativo da caixa de auxílio mútuo que ela chama de xoxota, órgão reconhecido como de utilidade pública pelo vereador Ameba.
Diligente e positivamente trabalhador, o ladrão comum dá sua colaboração comunitária, prometendo não roubar ninguém durante seis meses se aparecer um advogado distinto que o tire do xilindró.
O outro larápio, aquele que se sujeita à sua avaliação pelo voto, troca mil sufrágios do mercado paralelo de candidato a vereador por uma vaga no santinho do dito cujo e algumas palavrinhas nas reuniões paroquiais. Essa gente honrada costuma cumprir o prometido, apesar do malévolo espírito crítico dos seus eleitores. Ele só compra voto pelo real valor do votante, de modo que não se pode botar toda culpa no empresário da democracia, nem dizer que ele é o único ratoneiro nesse país de velhacos.
De minha parte, o que depositaria no Banco de Tempo? Vou me oferecer para ensinar a viver na ociosidade, nova forma de vida pós-industrial. Adestrar as pessoas para conduzir-se na sociedade de ideias, de criatividade, sem pegar no pesado. Não sou vagabundo. Vadio é o senhor seu pai. Sou um educador para o ócio. Em contrapartida, só quero que me deixem na rede velha, vivendo quase anônimo e enforcado feito Judas sem culpa. 

domingo, 23 de agosto de 2015

Com vocês, o palhaço Papada!



O palhaço Papada garante que só usa luvas de couro de buceta criada em cativeiro. Por causa disso, responde a processo no Tribunal das Mulheres Livres e Independentes e Vadias. Ele fala, obviamente, por metáfora, que é aquele bichinho que mete dentro e mete fora, mete dentro e mete fora... No fim, mete fora. Por isso, metáfora. Já dizia a crônica histriônica: circo que preste tem que ter palhaço safado.

O título de palhaço mais safado do circo mambembe não é pra qualquer um. Pois bem. Palhaço Papada é um palhaço bolsa-família. Ele garante que a maldição de qualquer palhaço é ficar rico. Palhaço rico perde a graça e fica meio canalha, vide Renato Aragão, aliás, Doutor Renato Aragão, conforme exige ser chamado.

Um parêntese para esclarecimento: esse palhaço Papada é irmão daquele palhaço Estrelinha que fica ali no contorno do Conjunto Residencial Com Licença da Palavra General Ditador Ernesto Geisel. Estrelinha passa o dia falando sozinho e levantando a gravata para os motoristas que param no sinal, recolhendo suadas e tristes moedinhas.  Palhaço tem noivado eterno com a miséria.

Meu compadre velho Jacinto Moreno é o ator que interpreta o Palhaço Papada. Viver a vida na graça e na gaitada é seu dever moral e cívico. Do alto da sua prosopopeia, Jacinto/Papada alerta aos desavisados: não chame político reacionário ou gente imprestável de qualquer coloração de palhaço. Respeite as caras pintadas. Palhaçada tem limite e tem dignidade. Um palhaço é fácil de ser reconhecido: é aquele que veste roupas grandes e coloridas, parecidas com as bandeiras do movimento LGBT, sapatos enormes do bico fino, cabeleira sarapintada e voz gasguita. Os que vestem terno, gravata e andam com malas cheias de dólares, os que pintam a cara de amarelo diarreia da hipocrisia, devotos de Santo Estelionatário, não são palhaços. Podem ser chamados de prefeitos corruptos, deputados idem, pastores “pegue pague” ou outros germes dessa categoria.  

A lenda diz que o primeiro palhaço apareceu a cinco mil anos A.C. (Antes do Carnaval) em uma aldeia com alto nível de Q. I. (quanta ignorância), onde o rei andava nu, sendo ovacionado (sem ovos!) pelo povo que aceitava a versão oficial de que o monarca nudista vestia linda roupagem encantada, portanto invisível. Um gaiato apontou o cu de vossa majestade e todo mundo caiu na risada. Pronto, surge no picadeiro o palhaço inaugural na pele daquele súdito zombeteiro. 


POEMA DO DOMINGO




Não fotografei você na minha Rolleiflex

Não perdi um só segundo
Mapeando minha dor
Um terno e poético mundo
Que a natureza criou.

Revi toda Itabaiana
De norte a sul, leste, oeste,
Solvendo o que mais me ufana:
A beleza que a reveste.

Todinha fotografei
Do seu centro aos seus recantos
E as fotos que tirei
Eu as revelei em prantos.

Só uma não revelei
A sonhada e derradeira
A única que não tirei:
Minha velha gameleira.

E daí vem o conflito
Maior daquela omissão,
Onde o poeta, contrito,
Pede a sua remissão.

É que a sonhada figueira
Não quis posar para mim,
Ela que fora altaneira
Bela, frondosa, um jardim!

Desgastada pelo tempo,
Assim como os sonhos meus,
Inda teve o sentimento
De me sugerir: “adeus”.

De tal maneira orgulhosa
Como toda majestade,
A quaxinduva mimosa
Negou-me a intimidade.

Não quis o “flash” luzente,
Ser assim fotografada,
Pra não soar decadente
Quem já fora decantada.

Mostrava-se ali chorosa
Na reflexão dos idos.
Alta, incólume, grandiosa,
De bons tempos bem vividos.

De forma que quando eu
Minha máquina acionava,
O mundo ficava em breu
E a figueira se afastava.

Com insistência eu tentei
Poeticamente um valor,
Mas, por fim, eu me cansei
E a máquina se quebrou.

Então tive a consciência
Que a forma é um acidente,
Que, ocultando a essência,
É poética eternamente.

Eliel José Francisco