sexta-feira, 1 de maio de 2015

Réquiem para um hospital filantrópico

Hospital São Vicente de Paulo. Foto do término da restauração, em junho/1983, pela Prefeitura Municipal de Itabaiana, gestão do prefeito, meu compadre Edilson Andrade - (Foto: Memória Viva) 

Amigo velho de Itabaiana pede para que eu rascunhe umas palavrinhas a respeito do Hospital e Maternidade São Vicente de Paulo, que está para fechar suas portas por falta de recursos. Esse drama, aliás, vem se arrastando há bastante tempo, misturando politicagem, má gestão, indiferença da comunidade e pura e simplesmente retrato da falência do nosso sistema público de saúde.

Na cidade de Mari, fecharam o Hospital Santa Cecília, também filantrópico. Esse hospital sangrou durante muitos anos, até morrer. Em 1989, meu filho mais novo teve que nascer em Sapé, cidade próxima, porque o Santa Cecília já não atendia parturientes. Desde então, nenhum mariense nasceu em sua terra.

Se você quer boa colheita, seja bom plantador. Há algo acontecendo com esses hospitais ditos filantrópicos, que vai além da crônica falta de recursos, da ineficiência dos poderes públicos para atender à população, da falta de leitos e da carência de profissionais da área. Arquidy Picado Filho garante que o Brasil não é um país sério, por isso tem se transformado num caso sério. Em Itabaiana, a população vê com descrença o quadro do São Vicente de Paulo, gerido por um mesmo grupo há muitos anos. Desconfiam que o ponto X do problema é a falta de renovação do quadro administrativo. Pode até ser, mas o que pega mesmo é a questão financeira, porque não tem gestor nenhum no mundo que seja capaz de equilibrar finanças sofrendo déficit anual constante, principalmente na relação contratual estabelecida com o SUS. Defasagem na tabela dos preços supera, em muitos casos, os 100%. A diferença entre o custo e a receita tem sido absorvida pelos hospitais. Alguns recorrem a empréstimos bancários e caem mortos pelos juros piratas. Grande parte desses hospitais não conseguem pagar os encargos sociais dos seus empregados, acumulam dívidas e acabam por falir. Sem bons salários, a classe médica também fica desestimulada e não aceita trabalhar nesses hospitais. Só permanecem aqueles que trabalham por amor mesmo, como meu compadre Dr. Dedé Lucena que aprendeu o ofício de salvar vidas nesse Hospital São Vicente de Paula e nele permanece, mesmo sem compensação financeira.

A verdade é que pelo menos 83% dos 2.100 hospitais filantrópicos brasileiros operam no vermelho, segundo estimativas da CMB (Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas). E a conta é simples: cada hospital desses ganha por produção, mas têm um número limite de procedimentos pelos quais são remunerados. Se realizam mais procedimentos do que o previsto, podem ficar sem pagamento porque os valores ultrapassam o teto de verbas do gestor público. E então, um Hospital pode deixar de atender ao paciente porque passou do limite de pagamento do SUS? Esse é o grande drama dos hospitais filantrópicos.

Para escapar, o Hospital São Vicente de Paulo teria que se reinventar. Esse redesenho teria que ter a participação efetiva da comunidade, como foi na sua fundação, quando cada morador levava seu tijolinho para construir o prédio, do mais abastado ao mais humilde itabaianense. Infelizmente, esmaecem nossos sentimentos comunitários. Cada um só pensa em si e em criticar as ações alheias. Nesse cenário, acho que só resta aos historiadores juntar os documentos, utensílios e demais patrimônios materiais e imateriais do velho São Vicente e providenciar seu sepultamento. Causa mortis: subfinanciamento e indiferença.  


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