terça-feira, 30 de dezembro de 2014

A Reunião de tristeza de Sivuca era uma dor solitária…


Meu ex-vizinho Nivaldo é filho de Itabaiana. Há muitos anos, porém, como ocorre com muitos  que moram no brejo ou sertão pegou a viola, meteu dentro do saco e veio em busca de “civilização”. Ah,  triste Ledo Ivo engano!

E assim sem saco (eco ou aliteração ?)  para aguentar a sede de beber na cidade grande,  Nivaldo veio para a Província  das Acácias, casou, plantou uma árvore bem em frente da minha casa e só não escreveu um livro contando essa aventura porque nunca se considerou um aventureiro.

Para este escriba  Nivaldo sempre foi associado  a sua cidade. Por quê ? Ora, porque naquela cidade nasceu um artista que se para Nivaldo ela – a cidade – sempre vai ficar para trás, esquecida, pois como me dissera outro  dia nada existe nela que  sinta lhe pertencer, para esse artista sempre foi a sua referência, sua Rimini, seu ponto de partida. Pois é, Itabaiana era para Sivuca tatuagem no peito que para onde ia levava consigo!

A primeira vez que ouvi falar de Sivuca, Severino Dias de Oliveira,  nome próprio que o apelido famoso engoliria logo nos primeiros anos de vida artística, foi nas vozes desencontradas – propositadamente – e sonoras dos Mutantes sustentadas por fortes acordes dissonantes. Era a famosa  “Adeus, Maria Fulô”, uma parceria  sua – dele – com o Humberto Teixeira, abrindo as portas do Tropicalismo.

Mas assim como acontece com todos aqueles artistas quase geniais – gênio para mim só o Aladim –  que trocam de roupa, pagam a conta no bar, pega o chapéu e vão morar noutra cidade,  Sivuca será canonizado um dia. Assim da mesma forma que um dia o Pixinguinha canonizado em vida fora pelo Vinícius de Moraes: Santo Pixinguinha.

O filho de Itabaiana, porém, sua – da cidade – maior referência, somente receberá o Santo antes do apelido depois de morto. Entretanto, apesar de todas as homenagens merecidas, discordo do Santo aí.  Prefiro ficar com esse extraordinário músico que passeava por todos os gêneros – frevo, forró, baião, choro etc. – com a dignidade de um mestre-sala.

Mas sem esquecer que até agora ninguém me  perguntou, se tivesse que escolher uma composição letrada (são poucas, sim) do Mestre Sivuca, embora respeitando a sua famosa “Adeus, Maria Fulô”, escolheria a sua nostálgica e sofrida até mesmo no titulo “Reunião de Tristeza”. Aqui merece um registro: a primeira gravação de Reunião de Tristeza foi feita nos Estados Unidos pela cantora sul-africana Letta Mbulu, que, sincero como sempre fui, confesso não conhecer nem nunca haver escutado essa obra-prima em sua voz.

Segundo o Sivuca – no caso deveria ser “primeiro Sivuca” – que a interpreta com o seu fiozinho de voz característico, bem interpretada, ressalte-se para que depois não me venham dizer que ele cantava muito bem, numa nostalgia de doer na alma, isto se a alma dor sentir, ele estava cantando mesmo era a dor pela perda da irmã. Vale transcrever o  seu  depoimento:

“Ela faleceu em 1935, aos nove anos de idade. Aquele momento de tristeza ficou no meu coração por anos a fio, até que um dia, em Ottawa, no Canadá, mais de trinta anos depois, a dor se transmutou em música”.

Aos meus dois leitores, depois de toda homenagem que esse itabaianense há de sempre merecer, deixo a letra de Reunião de Tristeza, a minha preferida entre as preferidas do Sivuca:

E a lua estava presente à reunião de tristeza
era noite, mãe velha cantava canção de embalar
tinha um rio mas água por ele esqueceu de passar
e mãe triste esperava seu filho voltar
E a lua estava presente à reunião de tristeza
em um galho sem folhas um pássaro cantava sozinho
e um homem cansado da terra o horizonte olhava
de uma casa pequena saiam crianças cantando
alegrando a tristeza que a vida nos dá
E a lua continua presente
à reunião de tristeza…

Humberto de Almeida

Ouça aqui a canção de Sivuca, acompanhando-se ao violão:




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