quinta-feira, 10 de julho de 2014

A poesia orgânica de Fábio Mozart

Dalmo Oliveira ensinando as manhas do rádio ao filho Davi, que ainda não sabe falar, mas já está em treinamento

*Dalmo Oliveira
Fábio Mozart se lança numa nova aventura literária, desta vez revelando sua veia poética. Em “Laranja-romã e outros poemas” o leitor poderá encontrar de um tudo: desde os famosos poemas experimentais de domingo, passando pelas rimas casuais em busca da forma perfeita, ou pelas letras musicais que jamais receberam suas notas. Mozart é uma espécie de poeta marginal hibridado com o repentista popular pós-urbano. Uma clonagem estética de Manoel Xudú e Charles Bukowsk.
Não se perturbe se achar a poética mozariana um tanto quanto politizada e ideologicamente definida. Afinal, a escolha das palavras e a montagem das ideias são, essencialmente, um ato político. Mozart não gasta tinta com frivolidades ou besteiróis. Sua pena tem um alvo: o conformismo social, a acomodação da alma humana, a falta de tesão pelas coisas, o bê-a-bá insosso do cotidiano.
Jornalista por paixão, poeta por precisão, Mozart é daquele tipo de intelectual que Antonio Gramsci batizou de “orgânico”. Traduzindo: o cara que constrói sua obra vivendo cada uma das suas reflexões. É o poeta participativo, comunitário, engajado. Ao contrário dos pomelos transgênicos que metaforiza no começo desse livro, Fábio é um fruto silvestre, melhorado geneticamente pelos séculos e séculos da cultura brasileira.
Eu sou daqueles que acha poesia um passatempo desnecessário, provavelmente por conta da minha completa inaptidão para essa arte. Os linguistas franceses me fizeram ainda mais céticos em relação à discursividade das coisas, e a poesia não fica fora disso. Mas fico feliz e cheio de inveja ao ver um amigo produzindo literatura. Registrando fatos e sentimentos, percepções e sacadas, seja em crônicas ou em haicais. E Mozart nasceu para escrever. É um observador astuto da vida cotidiana, um voyeur das manias alheias. Um grande repórter!
Mozart desafia a poesia. Duvida de sua existência, mas também a endeusa. Saca sua fluidez, seus ritmos e ritos. Toca sua casca, chupa sua essência, vomita o bagaço. A poesia de Fábio Mozart lembra uma laranja-cravo, cheia de gomos e aromas. Com bagos unidos, mas diferentes. Mas, afinal, o que é mesmo “poesia”, senão a arte de embrulhar palavras e vendê-las no mercado público da sensibilidade humana?  


*Dalmo Oliveira é jornalista e aprendiz de poeta nas horas vagas.

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