segunda-feira, 21 de abril de 2014

Girafa, bicicleta e guarda-roupa

O canalha Ameba escreveu no seu Twitter: “Por um mundo sem parente te visitando aos domingos”. Ele acha um pé no saco receber parentes no dia em que você se programou para ficar em casa com aquele calção folgado, tomando sua cervejinha e vendo futebol na TV. Isto porque o intolerante protozoário pensa que jamais vai envelhecer, ficar sozinho em casa esperando a visita dos filhos. E não venha com discurso de “melhor idade” que isso é exceção. Geralmente a gente envelhece mal. Raro quem envelhece ativamente, enfrentando a terceira idade com dinamismo.
Minha mãezinha vai completar 80 anos em dezembro. Fui visitar meus pais ontem. Nossas visitas são acontecimentos sociais e culturais na vidinha dos meus genitores. O pai está sedentário, o cérebro reduziu as atividades, mas a memória tinindo. Não perde a capacidade de memorização e raciocínio, apesar de acometido de acidente vascular cerebral.  Enquanto seu Arnaud abusa de estimular os neurônios com sua memória prodigiosa, dona Iraci, sua esposa, anda esquecendo as chaves, deixando o arroz queimar no fogo ou se esforçando para lembrar o nome do neto mais velho. São os efeitos do tempo. Eu mesmo já ando confuso. Meus 82 bilhões de neurônios não se entendem entre si. Perco as datas, fico com aquela impressão de que está faltando alguma coisa nos bolsos quando saio de casa, tenho pequenos colapsos cardíacos pensando que esqueci os documentos, paro na estrada para conferir se está tudo no meu saquinho de carregar as tralhas. Com o pensamento voltado para outras coisas, outro dia esqueci de vestir as calças. Constrangedor. Isso tem cara de ser aquela doença que as pessoas começam a esquecer tudo... como é mesmo o nome?
--- É a tal PVC (porra da velhice chegando) – esclarece Ameba.  
Ontem, fiquei sabendo que minha mãezinha foi ao médico se queixar dos esquecimentos. Ela não me disse diretamente, mas o pai entregou o jogo. Foi na hora dele tomar os remédios. Chamou sua madame:
--- Iraci, lembra das três palavrinhas?
E ela, na bucha:
--- Girafa, bicicleta e guarda-roupa.
Não entendi! Ele explicou: o médico recomendou um treino para combater a amnésia. Decorar essas três palavrinhas que não têm nenhuma relação entre si e pronunciar de vez em quando.
Meu velho pai, malandro estudado, também trata de perder a memória providencialmente, para evitar antigas discussões do casal. Levei um CD de Alaíde Costa, cantora de bossa nova. Ela aproveitou para provocar o marido:
--- Arnaud, lembras de uma namorada tua com o nome dessa cantora?
 Ele encerrou a conversa inconveniente:
--- Lembro não.
Uma dose de esquecimento na hora certa sempre é bom.
Eu, avanço na meia idade, com anseios de terceira. Idade. Desconfio que preciso de ginástica cerebral. Cheguei em casa, tentei lembrar das palavras, não consegui. Liguei para minha mãe, ela repetiu imediatamente:
--- Girafa, bicicleta e guarda-roupa.
Os cérebros de papelão dirão que isso prova minha definitiva senilidade.
Sim, antes que me esqueça: a comercialização da Páscoa chegou ao cúmulo. O filho de Ameba perguntou:
--- Pai, Jesus era um coelho?

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