segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Trabalhar em uma mesa bagunçada faz você raciocinar melhor





Essa constatação saiu na revista Super Interessante. Na verdade, trabalho em uma bagunça total. Se essa confusão for arrumada, perco o rumo. De vez em quando sou enxotado pela dona da casa, para arrumação do escritório. A limpeza alegra o coração das mulheres, mas carrega consigo a tristeza do desordenamento de nossas coisas que só nós sabemos onde estão, espalhadas em pastas de papel, gavetas, armários e baús insuspeitos. A arrumação invasora de nossos domínios descentraliza nossas fontes, espalha as referências, desmembra coisas tão díspares no mundo real, mas que formam uma série lógica no nosso universo pessoal.

Nesta noite insone, ando mexendo nas velhas pastas e caixas de documentos antigos. No ângulo do quarto que me serve de escritório, o belo e antigo rádio a válvula “Trans Montreal” ao lado de pequenas caixas misteriosas onde guardei um dia fotos, documentos, receitas, cartas, recibos, recortes de jornais. Acho que a gente guarda essas coisas com o mesmo sentimento: a tentativa de segurar o tempo e construir com esses anacrônicos papéis a trajetória de uma vida, perpetuar-se pelo menos nos nossos inesgotáveis arquivos. Todo mundo quer ser imortal. Quem pode e tem cacife, faz como Sarney: constrói seus memoriais no afã de ser lembrado até a consumação dos séculos. Eu guardo meus papéis com medo que a fugacidade da vida e o sentido de higiene da dona da casa volatilizem esses documentos tão desimportantes, mas essenciais no meu estilo de vida tão desorganizado no meio dessa matalotagem de velharias.

Meus sucessivos “eus” estão todos aqui, nos meus arquivos. É só abrir uma pasta coberta de pó, de onde saem bichinhos sociais e devoradores de papel. Em meio às traças e cupins, estão lá as fotos de minhas peças teatrais, meus times de futebol, crachás do meu tempo de operário, certidão de óbito do meu tio Luiz Mello, carteira de trabalho, contratos, convite para a formatura da dona da casa em 1978 no Colégio Nossa Senhora da Conceição, justificação eleitoral nas inúmeras eleições às quais faltei, ato de punição disciplinar por contestar os chefetes na estrada de ferro, certidões de nascimento de alguns rapazes da dinastia Mozart, contas atrasadas e jamais quitadas e correspondências diversificadas. Um documento chama a atenção pela coincidência: no dia 22 de outubro de 1987, a Rede Ferroviária Federal me removia da estação de Itabaiana para Mari. Portanto, hoje completam 25 anos que fui exilado em Mari, assumindo sua estação ferroviária onde me aposentei.


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