quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Amor cego



Ela faz parte de um movimento da Igreja Católica que oferece todos os dias café da manhã para os mendigos de uma comunidade. O grupo de senhoras idosas sai todas as manhãs para essa missão de caridade.
Dora é cega. Adorada pelos pingentes, esmolambados, aleijados, famintos, drogados, malucos e pequenos ladrões de rua que ficam por trás das grades. Sim, porque o espaço onde servem o café da manhã é separado por grades, através das quais as madames de boa família apaziguam suas consciências alimentando aquele bando de marginais, sem, no entanto, entrar em contato direto com a turba.
As bondosas senhoras católicas vão embora depois do café, ela fica conversando com a rapaziada, ouvindo suas queixas, compartilhando suas vidas sujas, incertas, dolorosas e tristes. Dora é frágil e tímida. Por trás da suavidade de suas maneiras, está sua força de caráter. A família é rica, poderosa. Ela, uma deficiente sozinha no seu mundo de penumbras. Não sabe nada dessas coisas de luta de classe, desconhece os fatos da política. Só sabe que ama aquelas pessoas sem futuro, homens e mulheres perdidos nas sarjetas. Compartilha com elas as mesmas incertezas: não sabe se vai amanhecer viva, se é melhor morrer do que viver na escuridão.
E, no entanto, quem poderá negar que ela vive? Sobrevive de amor pelo seu semelhante. Alimenta-se infatigável dos pequenos gestos de reconhecimento, das palavras de consolo, dos conselhos. Aquele povo só quer atenção, mais nada. Perderam tudo e querem de maneira desenfreada se sentir pertencentes ao mundo “normal”. A madame cega oferece a essência de um amor raro e antigo, aquele  gratuito, sem pretensão. Ela não quer ressociabilizar aquelas pessoas em situação de risco, como se diz hoje em dia. Nem sabe se são vítimas ou culpados de crimes, de abusos, de violências das mais variadas espécies. Não critica o governo por não fazer quase nada para dar dignidade às pessoas de baixa renda, os que nasceram e cresceram no esgoto. Ela fecha os olhos para essas questões sociais e políticas. Só ouve os miseráveis, por trás das grades concretas do nosso apartheid social de todos os dias. Contribui com pequenos favores, faz a sua caridade, mas é personagem partícipe de dramas e lágrimas de uma humanidade sem destino. No dia do seu aniversário, enfrentou o preconceito e a repugnância da família e deu um jantar para setenta mendigos.

Dora não estava aplacando suas dores de consciência. Para ser amada, ela apenas ouve as queixas do submundo. Com sinceridade, lê na sua Bíblia o que disse seu Deus: “Em verdade vos afirmo que, sempre que fizestes o bem a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes.” Mt 25:40. Isso cura suas feridas da alma.

Um comentário:

  1. São seres humano como D. Dora que me faz acreditar em Deus, vivem para praticar o bem, sem interessar a quem.
    Gente como D Dora, Irmã Dulce, Don Helder, Gandhi, Madre Tereza de Calcutá, Chico Xavier e tantos outros anônimos, mostram o que é sentimento verdadeiro de amor ao próximo.
    Muitas religiões pregam isso, mas na verdade praticam outra coisa, cobram mensalidades para amar a Deus, vendem sacramentos, ostentam luxo nos templos, vendem milagres, se apropriam de bens alheios, e quando praticam caridade é porque está sobrando dinheiro no caixa. .
    O Deus que vejo nessas religiões é muito rico, presenteiam seus fieis com carros de luxo, mansões, festas e banquetes, peças de ouro e muito mais.
    Eu prefiro acreditar naquele Deus que através do seu Filho distribuía Pão e Peixe a quem precisava assim com faz D. Dora.
    Deus a abençoe.

    Orlando Araujo.


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