sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Confesso com vergonha: já fui da Mangueira

O juiz de futebol e ferroviário conhecido pela alcunha de Bodeiro apitava os jogos fumando um imenso cachimbo e rasgando o cartão amarelo no início das partidas. “Só trabalho com o cartão vermelho”, dizia ao capitão do time visitante, ostentando uma foice rabo de galo. “Futebol é onze contra onze e no final ganha a Mangueira”, costumava dizer.

Mangueira era o time do Entroncamento Ferroviário, sítio onde trabalhei por cinco anos entre as cidades de Pilar e Cruz do Espírito Santo. Sem honra e sem glória, fui lateral direito desse time de pernas de pau, invicto por muitos anos graças ao juiz Bodeiro.

Os times visitantes eram frequentemente roubados pelos “bons serviços” do árbitro da casa, o popular Bodeiro. Sua estratégia era levar o jogo até a Mangueira conseguir vencer. Em uma partida envolvendo um time de Sapé e a Mangueira, perdíamos por quatro a zero aos 45 minutos do segundo tempo de jogo. Bodeiro prolongou o prélio por mais sessenta minutos. Escureceu, ninguém enxergava mais a bola. O capitão do time de Sapé implorou: “Seu juiz, acabe o jogo que a gente quer ir pra casa, tá todo mundo morto de cansado!”.  Bodeiro, inflexível: “A ordem que eu tenho é prá encerrar apenas quando a Mangueira pelo menos empatar”.  Os visitantes facilitaram e nós fizemos os quatro tentos, encerrando a partida. O último gol foi um pênalti que o próprio Bodeiro bateu. A armação foi tão escandalosa que ninguém da Mangueira quis executar a penalidade. “Tá na regra: quando os jogadores não querem bater o pênalti, o juiz deve tomar para si a responsabilidade”, doutrinava ele.

Bodeiro levava a peito seu “nacionalismo”. Em boa verdade, esse árbitro era digno representante de sua classe, apenas com muito mais boçalidade e casca grossa, ingenuidade e cafajestagem caipira explícita. Para ele, o time da Mangueira não tinha capitão. “É tudo de coronel pra cima”.


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