quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nem sei...

Um camarada em dúvida permanente, é o que sou. Toda dubiedade é problemática. Cai a chuva pesada no meu quintal, vejo o cachorro Miruca ensopado, tiritando de frio, não sei se boto o bichinho pra dentro de casa. A chuva conseguiu dividir-me. Não sei se ligo o computador, se deito na rede pra ler a última edição do “Le Monde – Brasil Diplomatique”. É preciso atualizar os blogs, mas tenho medo dos relâmpagos pra não queimar o equipamento. Gostaria de ler, mas a rede fica em espaço aberto, preferencial para os respingos da chuva forte. A tarde anoitece na escuridão de uma tempestade que divide a cidade entre quase sobreviventes nas áreas de risco, motoristas em pânico nas ruas inundadas e desocupados indecisos.

Em momentos assim, fico triste e alegre. Gosto da chuva igual cururu no começo do inverno. Também bate uma espécie de humanismo molhado, vendo passar um pobrezinho da vida todo encharcado, pingos caindo do chapéu roto, empurrando seu carrinho de reciclagem. Vai passando na rua despovoada, cabeça baixa recebendo a chuva de frente, um transeunte da história. O insignificante homenzinho assume posturas colossais, emoldurado pelas gotas de água. A figura empenada parece ter sua pouca vitalidade roubada pelo furor da natureza. Não sei se essa nota melancólica nasce do meu estado depressivo. Não sei se no meio da chuva aquele homem planeja alguma maldade contra um ser mais indefeso do que ele. Não sei se a chuva apagou o que restava de expressão da minha parte. Não me fazer entender é angustiante como ficar hesitante na frente de coisas tão simples.

Sujeito não decidido, não sei se ligo o rádio. Acionando o aparelho, não sei se continuo ouvindo um conjunto musical chamado “Camisa de Vênus” cantando uma musiquinha chatinha que diz: “A chuva sempre me entristece, minha garota me faz sofrer “. Nem sei se devo continuar citando poema tão reduzido mentalmente, onde o letrista confessa que a chuva o faz dormir e a garota lhe tira da cama. Deve ser um boiola, porque as garotas geralmente mantêm os caras nas camas. Pelo menos era a ordem natural das coisas no tempo em que eu praticava este esporte salutar. “Vê se param de encher, eu já não tenho mais idade e não sou raio pra conviver com a tempestade”, encerra a letra do “Camisa de Vênus”. Já eu não tenho mais idade para curtir rock imbecil.


Não sei se continuo esta crônica besta, agora que a chuva vai passando, o céu cinzento. Colapso de ideias cansativas. Não sei se continuo metendo palavras na linha, contas de rosário de um indeciso melancólico. Cai uma chuva fininha, própria para ler, escrever, pensar. As agitações violentas da atmosfera lembram que é perigoso viver, como afirmava Guimarães Rosa. A chuvinha mansa nos acomoda no ambiente doméstico igual a gato de bodega. Não sei se faço um chocolate quente, ou um leite com granola. Quem sabe, almoçar ervilhas com peixe assado. E chá quente de limão com mel. Ah, ideia insensata: sair na chuva para os bosques de minha infância, caçar preá, chupar caju no pé, tomar banho no rio, tremer de frio nas biqueiras das casas, cavar cacimbas com as mãos no leito do Paraíba, beber água salobra com esquistossomo.

Não sabia o que fazer da vida depois da chuva. Acabei por escolher a alienação sadia do esporte. Simplesmente liguei a TV, e foi muito bom ver o melhor time do mundo, Barcelona, esmagar mais um adversário. Chovia muito na Espanha. E nevava.




Um comentário:

  1. Muita boa esta crõnica, me parece parte de um bom livro que poderia estar lendo , também em um dia chuvoso.
    Parabéns, esta deverá ser mais uma, de um póximo a ser publicado, eu acredito.
    C.M.G.

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