sábado, 26 de fevereiro de 2011

O papagaio que detonou a ponte


A madame mudou de casa para um apartamento. Sozinha, precisava ter mais segurança. Mandou papagaio de estimação para a casa da mãe (dela). Lá, o bichinho encontrou novas amizades, compreendeu que o mundo não se resumia à salinha onde vivia isolado, com medo dos fiscais do Ibama. A madame ficou numa tristeza de dar pena. As penas do papagaio rejuvenesceram com os novos ares, esqueceu logo da madame e seus carinhos habituais. Arrumou um amigo que o leva a passear pelas ruas do bairro tranquilo. Já adiciona novas palavras ao seu curto vocabulário. Olvidou o velho estilo de vida.

Foi duro, mas a antiga dona aprendeu a arte do amor possível. O papagaio compreendeu que é necessário, na vida, detonar pontes. A escola do sofrimento e da maturidade ensinou isso aos antigos amigos inseparáveis.

Chega um certo momento em que você deve atravessar a ponte pela última vez. Determinado o ponto preciso onde instalar os explosivos, fazer explodir a ponte e seguir em frente, por mais cruel que seja o ato. É necessário não deixar nenhuma possibilidade de regresso. Apenas uma ligeira lembrança, como os clarões rápidos da memória dos esclerosados.

O papagaio detonou a ponte e seguiu sua vidinha de papagaio. A madame, vez por outra ainda chora a saudade do bichinho. Da antiga afeição, não restou nem um espaço para uma visita de vez em quando. Não existe mais ponte. Com a explosão, os pontos cardeais da bússola dos afetos ficaram confusos. Jamais apontarão para nenhum norte do outro lado do rio, agora sem ponte.

Ao romper com o antigo modo de viver, a gente está escolhendo um caminho sem volta. Não se faz revolução sem queimar as pontes. E também não se contesta e invalida uma vida toda por qualquer motivo. Eu não ando satisfeito com minha vidinha besta, mas tem o tempo de plantar e o tempo de colher. Infelizmente, não dá para inverter a ordem natural da vida. Meu roçado já produziu e hoje está no remanso da entressafra. Certo que tudo é por um triz, por isso, não se deve esperar o amanhã para fazer o que se gosta. Se queres mudar tudo, tens que queimar as pontes. É hora de calcular o custo-benefício da bem-aventurança de mudar de vida e o sofrimento, a amargura da transformação radical de uma existência.

Um comentário:

  1. Oi Fábio Mozart: A historia do seu papagaio animou-me a narrar um caso veridico com um imitador da voz humana de propriedade do José Américo.Ele ganhou um bichinho recém nascido no ôco de um umbuzeiro que diziam ser mais falante que qualquer outro de sua espécie. Dito e feito. O dono deseja fazer dele um rezador como um seu homônimo pertencente ao vigario Odilon Benvindo, tio e tutor do ministro.
    Esse papagaio percorria a casa com uma corrente amarrada na canela e a todo instante e às proprias invocações acrescentava: orá pró nobis. Iamos para o Rio de Janeiro e resolvemos deixa-lo em casa de minha irmã para que não se sentisse só. Em frente da residência havia um terreno baldio, do meu cunhado, que o transformou num campo de pelada. Quando começava o jogo a ave gritava até ser levada para um galho de uma árvore na boca do gol. No entusiasmo ou na revolta os meninos (na faixa dos 13 anos) se agrediam com nomes "cabeludos que ele aprendera e soltava quando menos se esperava. Aguardavamos uma visita e esqueci de levá-lo para uns dias aonde esteve e o "safado" ao avistar o casal foi gritando cara-de- puta...viado...corno e por ai afora. Zeamérico nao teve um infarto porque eu me apressei em explicar a origem dos palavrões. Incontinente o "doidinho" como o qualificava Zeamérico começou a rezar e a cantar como se retratando: ave-a-vé Maria...a-vé-a-vé-Maria...
    Mas quando o "doidinho" morreu de um ataque cardiáco foi uma tristeza muito grande. O sepultamento aconteceu no pomar da residência com a presença dos professores que lhe ensinaram a lição que favorece a lingua solta...

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