terça-feira, 29 de junho de 2010

Pacatuba foi vencido, mas não corrompido


Dona Maria Helena Malheiros, filha de Biu Pacatuba

“A história não é uma ciência e não tem muito a esperar das ciências; ela não explica e não tem método, melhor ainda, a História, da qual muito se tem falado nesses dois últimos séculos, não existe.”
O autor desta afirmação, Paul Veyne, é professor do Collège de France, doutor em Letras e especialista em história da antiguidade Greco-romana, nascido em 1930, na cidade de Aix-en-Provence, na França.

Com todo respeito aos nossos historiadores, quem já ouviu falar de um homem chamado Biu Pacatuba, uma das maiores referências nas lutas camponesas do começo da década de sessenta na Paraíba?

De que forma e com quais métodos, e ainda com que ideologia se pensa e se pesquisa a história das pessoas num país tão injusto socialmente como o Brasil? Que fatos históricos vão ser registrados e como se desenhará a personalidade e as motivações dos indivíduos?

Machado de Assis: “O improviso é uma espécie de deus avulso”. O acaso me fez conhecer Maria Helena Malheiros, bancária aposentada, irmã da esposa do meu compadre Jurandi Pereira. Filha de Pacatuba, ela quem me contou a saga de sua família na várzea do Paraíba, durante e depois do vendaval político que varreu as cidades de Mari, Sapé, Itabaiana, Pilar e São Miguel de Taipu. A guerra do latifúndio contra os camponeses, a bela história da organização e resistência dos rurícolas e a repressão que se abateu sobre o movimento das Ligas Camponesas têm no Biu Pacatuba uma personagem principal. Figura tímida e sem carisma de agitador de massas, seu trabalho era no boca-a-boca, na doutrinação dos companheiros, na luta do cotidiano, com coragem e fé na união dos campesinos.

A história não foi generosa com o reconhecimento desse vulto fundamental das Ligas Camponesas. Foi o primeiro presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sapé, pelo simples fato de que era o único alfabetizado. Não queria a função de comando, não era de sua índole dirigir as massas, mas aceitou o cargo para o bem da organização. Lutou, foi preso juntamente com Pedro Fuba e outras lideranças, torturado e perseguido até morrer.

Ao tomar conhecimento dos fatos ligados à vida de Biu Pacatuba, pedi autorização à família para narrar o caso em um folheto de cordel, que sai agora pela A União Editora. Acho que é uma dívida que se paga à memória de um herói do povo, um lutador ilustre e destemido que sacrificou a família e sua própria vida pela justiça social. O papel que desempenhou nas Ligas Camponesas ainda será reconhecido. O semi-feudalismo da Paraíba de então via em homens como Biu Pacatuba apenas subversivos a serviço do comunismo internacional. As relações vergonhosas de submissão de homens paupérrimos aos senhores das usinas foram o estopim das revoltas e da necessidade de associação dos pequenos produtores rurais e trabalhadores do eito, em busca da superação desse estado de miséria e humilhação seculares.
Biu Pacatuba é um símbolo maior desses heróis do povo, que se projetam para além do seu tempo. São exemplos de dignidade que merecem o justo reconhecimento dos brasileiros. Banido dos estudos do nosso passado recente, Biu Pacatuba restabelece seu protagonismo nesta humilde obra em linguagem popular, simples como os irmãos camponeses.

É minha contribuição ao resgate da memória de um homem, co-autor de uma das mais empolgantes e trágicas páginas da História da Paraíba. Preso político, perseguido e anistiado depois de morto, dedicou toda sua exemplar existência ao combate às injustiças sociais perpetradas pelos donos do poder em nosso Estado e à luta incansável a favor da justiça social. Que sua vida revolucionária sirva de exemplo para a atual e futuras gerações.

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