sexta-feira, 30 de abril de 2010

Dia do ferroviário


Esse formoso, galante, elegante, simpático e bem feito de corpo rapaz barbudo sou eu aos 33 anos na estação ferroviária de Itabaiana, quando exercia o ofício de radiotelegrafista da estrada de ferro, profissão por sinal hoje extinta. A foto vai por ocasião do dia do ferroviário, que é hoje, 30 de abril.

Naquele tempo, nós ferroviários tínhamos satisfação em trabalhar com o sistema de trens. De lá para cá, a ferrovia brasileira foi sendo sucateada. Até que em 2007, o Ministério do Planejamento extinguiu a carreira de ferroviário e quer acabar com todos os direitos já conquistados pela categoria. Como bem disse o Deputado Federal Carlos Santana (PT-RJ): “já sucatearam as ferrovias e agora querem acabar com as famílias dos ferroviários”.

Portanto, não temos o que comemorar. Só lembrar os tempos de ouro da ferrovia brasileira e dos verdadeiros heróis que são os ferroviários. Hoje sobrevivemos com uma aposentadoria miserável. Para o Agente de Trem aposentado, senhor Paulo Aranha de 85 anos, a revolta é ainda maior: “Por que não mandar fuzilar os ferroviários, em vez de ficar nos matando de fome com uma aposentadoria de R$700,00? Mas não se esqueçam de que fomos nós que levamos o progresso para este país”.

Hoje, dia do Ferroviário, é bom lembrar que a ruína da ferrovia é parte do grande plano dos saqueadores da nação. Fui fundador do sindicato de minha categoria na Paraíba, vivi momentos de luta pela classe ferroviária. Atualmente vejo que tudo isso perdeu o sentido, na medida em que apodreceram as estruturas da estrada de ferro e com elas o ímpeto libertário do povo trabalhador. O capitalismo globalizado engoliu a ferrovia e nossos sonhos igualitários.

Vladimir Carvalho, o monstro sagrado do documentarismo brasileiro, vive hoje em Brasília. “Eu deixei a Paraíba, mas a Paraíba não me deixou”, costuma dizer o mestre. Pois ele fez um filme sobre o trem que passava nos engenhos e usinas de açúcar do Nordeste, e esse filme chama-se Incelença para Um Trem de Ferro. A representação do trem está sempre presente no imaginário popular. Hoje economicamente inviável, o trem só circula nos nossos sonhos e nos filmes. Aos ferroviários sobreviventes, restou a nostalgia de uma profissão extinta.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O fiofó da discórdia


Uma leitora do blog Toca do Leão escreveu dizendo-se chocada, surpresa, assombrada com a minha confidência de que estava sofrendo um problema de saúde na região anal. Ela desconfia que sou fresco enrustido, um maricas que não saiu do armário. Já meu compadre blogueiro Tião Lucena, com sua verve, com graça e vivacidade em tudo que produz, reproduziu no seu canto da net minha croniqueta falando da crise no boga. Todo mundo e a mulher do seu Raimundo, como diz Tião, preocupou-se com a ruela do velho Leão.

Agora eu fico daqui analisando esse caso, um nítido preconceito contra essa parte do corpo humano, de tanta utilidade na hora de descomer, e que se usa também para os prazeres da carne, sendo como é uma zona erógena altamente qualificada, conforme atestam muitas mulheres e a turma da bandeira multicor. Para combater esse sentimento desfavorável ao anel de couro, o cientista social e artista visual Pedro Vieira da Costa Filho ficou nu e retirou um rosário do ânus na frente dos presentes à abertura do XIII Salão de Artes Visuais da cidade de Natal. Ainda recebeu cachê de R$ 1.500 pela performance. O artista explicou que o ato foi contra a “descolonização” do corpo e para expurgar a interdição católica sobre o prazer anal. O crucifixo poderia entrar pela boca ou pelo ouvido. O fato de ter gerado polêmica porque entrou pelo ânus é mais um preconceito. A madona também fez isso com o crucifixo.

Não tenho nada com os oitis de ninguém, não entro nessa polêmica nem que a vaca tussa, mas taí um exemplo de que as pessoas veem o fiofó de forma preconceituosa e controversa. Outro artista, esse baiano, de nome Tom Zé, em plena ditadura militar passou um pitu na censura federal, lançando um LP cuja capa estampava seu próprio ânus com uma bola de gude no olho do furacão. Quem olha vê o órgão da visão, azul e calmo. Também era protesto, mas contra o rigor da censura.

Não, minha comadre leitora, não sou gay e nem preciso provar nada para ninguém. Também não tenho qualquer atitude de ódio ou repulsa a quem seja homossexual. Defendo o direito de todos disporem de seus corpos da forma que desejarem, como bom anarquista que busco ser, apesar das limitações de nosso momento-acidente. Mas fico com o pé atrás com relação a pessoas que ficam escandalizadas à simples menção do nome ânus. Visitando a blogosfera, vi/ouvi um vídeo de pastor médico ensinando aos fiéis de sua igreja como “limpar o cu”. Muita gente ficou escandalizada com a expressão usada pelo pastor, mas ele estava falando para pessoas analfabetas, a maioria não sabe o que significa “ânus”. Vai no popular mesmo!

O assunto tratado com certo humor é de extrema importância do ponto de vista da higiene pessoal. No antigo Egito, existiam profissionais para cuidar especialmente dessa anatomia humana nos faraós. O pastor faz o papel de palestrante motivacional, motivando os fiéis a lavar o cu e não só limpar. É como escovar os dentes, tem que aprender a técnica. Por que ficar indignado e ofendido por ouvir palavras do vocabulário popular que significam partes do corpo humano? Seria o ânus mais sujo ou mais indigno do que a boca, por exemplo? Em uma ilha do Caribe, é costume as pessoas se beijarem no ânus, como sinal de respeito e consideração. Apesar da palavra chula, o pastor foi educativo. Se bem que na minha opinião, chula é a própria palavra chula. Palavrinha feia da gôta, seu menino!

Portanto, vamos encerrando aqui esse papo de proctologista, registrando essa realidade: existe uma fobia do ânus, uma enorme repulsa a esta parte do corpo humano. O preconceito vai até ao ponto de prejudicar a saúde do camarada que se recusa a fazer o exame de próstata. Eu já fiz meu exame e ainda não virei fresco. Apesar da desconfiança de minha leitora.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

O Major que desafiou a ditadura


Eu já disse neste recanto que Itabaiana resistiu ao golpe dos militares em 64, da forma mais altaneira. O prefeito Hugo Saraiva suportou muita pressão até ser levado à renúncia. Mas antes mandou meu pai, seu secretário, redigir um manifesto de repúdio à quartelada. Essa forma corajosa de encarar os milicos não foi comum entre os políticos da época. Foram muitos os pusilânimes, os fracos e covardes que se puseram de quatro diante do poder armado e despótico. Em Itabaiana, o Exército teve que enfrentar homens do quilate de Hugo Saraiva, Arnaud Costa e tantos outros que não se curvaram no primeiro momento da ditadura. Depois tiveram que fugir, outros renunciaram aos seus cargos à força, como foi o caso de Hugo Saraiva. Na História ficou a atitude corajosa de dizer não à violência com que os fardados golpearam a democracia.

Um dos que reagiram contra a ação opressora do Exército foi o Major Nonato, rompendo com sua forma particular de ver o mundo. Esse Major da Polícia Militar da Paraíba era conhecido pela falta de finura e pela coragem pessoal. Em um homem tão afeito às coisas dos quartéis, era de se esperar apoio à ocupação de nossa cidade pela força das armas, desrespeitando cidadãos benquistos na sociedade. Mas o que estava em jogo era a dignidade do homem. Ninguém invade a casa de um cidadão bravo e destemido impunemente.

Major Nonato exercia o cargo de vereador e presidente da Câmara Municipal quando um capitão do Exército, acompanhado de seis ou sete meganhas, invadiu o recinto, armados com fuzis e metralhadoras. Os vereadores estavam reunidos, ainda ressabiados pelos acontecimentos do dia. Prisões, perseguições, invasões de domicílio de pessoas conhecidas, até a Prefeitura teve suas atividades normais prejudicadas pela presença ostensiva dos militares, em franco abuso de poder. O capitão mandou que o Major Nonato colocasse em votação a cassação do prefeito Hugo Saraiva. Resposta do oficial da Polícia:

─ Você é Capitão e eu sou Major, além disso, sou presidente da Casa e aqui quem manda sou eu. Faça o favor de se retirar da Câmara.
O capitão achou por bem sair para evitar um confronto. O Major Nonato ficou remoendo sua emoção e coçando o cabo da pistola, enquanto os demais vereadores permaneciam trêmulos em seus assentos, em estado de ansiedade pela consciência do perigo que passaram. O prefeito Hugo Saraiva ainda resistiu durante quase um ano. Depois, capitulou.

Era assim o Major Nonato, morador do casarão construído no topo da serra que hoje leva seu nome. Foi um policial caçador de criminosos, um super-homem fardado, destemido e “justiceiro”. A despeito disso, tinha seu lado humano. Gostava de Itabaiana, emprestava dinheiro a juros módicos para pequenos empresários ou trabalhadores que queriam começar um negócio próprio. Meu pai conta que na Itabaiana de então vivia um rapaz por nome Jaime de Mané Porcino, sujeito indolente e mandrião. Pois esse rapaz pintou a cara de tisna e foi falar com o Major Nonato para arrumar 500 mil réis emprestados a fim de comprar material para sua sapataria.

Reconhecendo o dissimulado e disfarçado malandro, o Major assim negou o empréstimo:

─ Meu amigo, eu deixei de emprestar dinheiro a esse povo de Itabaiana, que é tudo um magote de velhaco. E tem um tal de Jaime de Mané Porcino, que além de ordinário, leva um chifre que dá dó.

Como delegado da cidade, Major Nonato prendia o sujeito e o mandava ir sozinho se apresentar na cadeia, para ser trancafiado.

─ Se não se apresentar ao carcereiro, depois eu mando lhe dar uma surra – ameaçava o Major.

www.fabiomozart.blogspot.com

terça-feira, 27 de abril de 2010

Notícias dos velhos coronéis (2)


Meu pai tem 80 anos, e sente uma alegria de menino quando começa a contar as histórias de sua meninice na velha Itabaiana. Estamos fazendo uma série de entrevistas com ele para um documentário a ser montado brevemente. Muita gente não tem a sorte de amadurecer tendo seus pais vivos, testemunhas lúcidas de um tempo mágico, que é o período de nossa infância e juventude.
O cidadão Pinto Ribeiro, comerciante e político, foi prefeito de Itabaiana de 1942 a 1945. Meu pai Arnaud Costa conheceu de perto essa figura, dono da “Casa do Povo”, loja que ficava parede meia com “A Barateira”, de Inácio Ramos Cavalcante, pai do poeta Damião Ramos Cavalcante. Pinto Ribeiro era um sujeito metódico, cheio de manias. Um munícipe, encontrando-o na rua, procurava trocar uma palavra com o prefeito, e ele:

− Quer falar com o Chefe do Executivo, com o comerciante ou com o cidadão Pinto Ribeiro?

A ralé era tratada com desdém pelo esnobe prefeito. Na Prefeitura trabalhavam três irmãos, conhecidos por Cajá. Acho que foram esses caras que inspiraram o dramaturgo Dias Gomes na criação das personagens irmãs Cajazeiras, do seriado “O bem amado”. Os Cajá eram uns tipos fofoqueiros. Dos “Cajá” posso dizer que pelo menos um deles não morreu. Esteve ontem no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar com sua língua afiada e seus ditos maldosos. Se não é a reencarnação de um dos Cajá, certamente é um desses fofoqueiros de plantão, comuns nas cidades pequenas.

Pois um dos irmãos Cajá foi flagrado falando mal do prefeito Pinto Ribeiro, que o demitiu na mesma hora. Para sobreviver, o Cajá desempregado foi vender doce americano pela rua, cantando o refrão:

− Olha o doce americano, sem precisar do prefeito eu vou levando...

Diante da petulância do doceiro, Pinto Ribeiro ordenou sua imediata prisão por desacato à autoridade.

Quase que me esqueço de mencionar outra ocorrência na mesma linha do ridículo provinciano. Era o Doutor Antonio Santiago outra figura muito grave e metida a importante. Prefeito do lugar, teve que se ausentar da cidade para tratar de um problema de saúde. Ao voltar, foi cumprimentado pelo poeta Agenor Otávio:

− Nobre prefeito, como vai de saúde?

−Estou melhor, obrigado – respondeu de má vontade o Prefeito.

Na qualidade de fiscal de feira e bom conversador, Agenor saiu dizendo a todo mundo que o seu prefeito estava bem de saúde. Sabendo dos comentários, Dr. Santiago ditou portaria ao seu secretário nos seguintes termos:

“No uso da atribuição que lhe confere a Lei, o Prefeito Municipal de Itabaiana resolve demitir o servidor Agenor Otávio, por motivo de especular sobre a saúde do Chefe do Executivo”. Depois, reconhecendo que o documento era destituído de bom senso, mandou cancelar a demissão do fiscal. Os juristas atuais situariam o caso no tal “princípio da insignificância”. Como são insignificantes os que se mostram tão arrogantes!

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Notícias dos velhos coronéis (1)


Itabaiana teve chefes políticos, como todas as cidades provincianas, mas nossos coronéis eram sujeitos até decentes, sem a truculência e a tirania que marcaram esses mandões. Controlando o poder político, social e econômico, o chefe era arbitrário e absoluto. Prendia e soltava, mandava no juiz, no delegado e no promotor, controlava a mesa de rendas e o prefeito, casava e batizava, e quem não gostasse levava uma surra ou um tiro de bacamarte nas fuças. Ficou famoso o coronel José Pereira, de Princesa Isabel, aquele que se revoltou contra João Pessoa e desencadeou o maior conflito interno da Paraíba.

Mas fiquemos nos nossos coronéis. Coronel Manoel Germano de Araújo governou Itabaiana de 1901 a 1904. Foi um homem de bem, manso, cordato e amante de sua terra. Era o Neco Germano, proprietário de terras que viu seu patrimônio desaparecer, entrando em decadência. Conta Sabiniano Maia que o Coronel Neco Germano devia muito dinheiro à prefeitura, de impostos prediais, já que era proprietário de imóveis na cidade. Seus amigos ofereceram-se para contribuir no pagamento da dívida, mas ele recusou. Vendeu algumas casas que restavam e pagou a dívida. Foi seu último sacrifício por Itabaiana, cidade que amava e a quem dedicou toda sua vida. Morreu pobre, mas honrado. Hoje, os prefeitos só faltam vender os prédios das prefeituras.

Em 1924, formou-se a coligação para apoiar Fernando Pessoa como dirigente político da cidade. Essa coligação era composta pelos coronéis Firmino Rodrigues, João Baptista Lins de Albuquerque, Manoel Germano de Araújo, Manoel Joaquim de Araújo, Antonio Bezerra de Menezes, Francisco Cavalcante de Sá, João Martins da Silva Filho e Antonio Coutinho de Lyra. Muitos coronéis para poucos soldados.

Fernando Pessoa foi o último chefe político absolutista de Itabaiana. De lá para cá, muitos prefeitos ainda ameaçaram vestir a casaca do chefão arrogante e atrabiliário, mas sem a força dos antigos coronéis chefes políticos. Amanhã conto a história de um desses prefeitos, o comerciante José Augusto Pinto Ribeiro, administrador da Prefeitura no período de 1942 a 1945.

domingo, 25 de abril de 2010

Guia astrológico de madame Preciosa


Pedi um guia astrológico à minha vidente, madame Preciosa, uma senhora de seus 70 anos, ex-cigana do Egito, ex-cartomante e ex-fornecedora de horóscopo para magazines de meio de feira, os famosos almanaques. Agora, na flor da melhor idade, ainda fornece horóscopo.

Madame Preciosa é estudiosa dos astros, do Tarô e de outras ciências ocultas. Experiência não lhe falta nesse serviço de escutar as estrelas. Hoje é dia de São Beda, coisa que ninguém sabia e esse blog comunica, graças à cultura de madame Preciosa. Digam aí, quem sabia que hoje era dia de São Beda? E alguém aí por acaso conhece o tal santo? Pois... Cultura é isso, saber o que ninguém sabe e arrotar importância.

Para os incultos, Beda, natural de Jarrow, Inglaterra, passou a vida estudando e ensinando, sabia todos os ramos da ciência conhecida naquele tempo. O santo era mestre em gramática, métrica, retórica, matemática, física, meteorologia, astronomia, música, poesia, hagiografia (biografia dos santos). Pelo curriculum, São Beda só perde para nosso intelectual maior, o mestre Waldemar Solha.

Hoje também é dia de São Desidério, que é também um município da Bahia, conhecido pelas suas 21 grutas. Mas passemos ao guia astrológico de madame Preciosa, que é o que interessa. Antes, uma informação de suma importância: de todos os mamíferos, somente a girafa não sabe nadar, mas é boa no jogo do basquete.

O ascendente do Brasil é Aquário. Madame diz que você use a lua para ter sucesso em 2010. Quem nasceu de bunda para a dita cuja, sai em vantagem. Se és de Áries, terás favorecido o trabalho militar. Grande chance de ser preso, pelos motivos que bem sabes.

Sendo de Tauro, as operações financeiras serão favorecidas. Aquelas mutretas que comprometem o caixa de tua empresa não serão descobertas pela Receita Federal. O restante do guia só amanhã, que já são três da matina, eu estou com insônia e sem assunto para postar neste blog. Por isso saiu esse Guia Astrológico de Madame Preciosa. Mas tem quem goste.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O que você tem feito para melhorar sua comunidade?


Esta pergunta pode ser feita ao cidadão que vive reclamando da realidade do seu país, do lugar onde vive. Esquece que, se não fizer sua parte para melhorar o mundo, com pequenas ações no seu dia-a-dia ou participando de grandes projetos sociais, nada vai ser modificado. Não é preciso ser protagonista de ações formidáveis, basta você mudar pequenos hábitos que tudo vai melhorar a longo prazo. Por exemplo: você gosta de ser respeitado, mas nem nota que está incomodando as demais pessoas ouvindo som alto no seu carro ou em casa, incomodando os vizinhos.

O blog vai fazer, a partir de hoje, uma lista de pessoas de nosso relacionamento que adotam comportamentos e ações saudáveis para a sociedade. Faremos pequenos perfis dos valorosos homens e mulheres de minha terra que realizam ações de valor, de forma que seu exemplo sirva para o restante da população modificar seu modo de ver a sociedade, multiplicando valores como educação, respeito, segurança, responsabilidade, tolerância, convivência pacífica e solidariedade.

No Recife, uma empresa teve a luminosa ideia de criar um painel público, o “contador do bem”, painel luminoso que faz parte da campanha “O bem faz o bem” e conta os números de boas ações que as pessoas praticam diariamente. O “contador do bem” reproduz os pequenos gestos de solidariedade praticados durante o dia. A cada três boas ações registradas no site, o valor de R$ 1,00 é revertido para instituições filantrópicas. Qualquer pessoa pode participar, no endereço www.obemfazobem.com
Criaremos aqui a lista das pessoas essenciais, aquelas que estão aqui para servir à humanidade. Os caras do mal, esses a gente esquece. Aceitamos sugestões.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Outra história de ingratidão


Contei aqui o caso do genial Pingolença, terminando seus dias esquecido pelo povo a quem tanto ajudou, na cidade de Itabaiana. Hoje falarei de outro vivente dessa pequena e ingrata cidade, outro rapaz inteligente, um artista que dedica sua vida ao ensino da música. Mestre do violão, rege e monta conjuntos de cantos orfeônicos. Para viver, ele necessita de muito pouco, que é um daqueles a exercer a prática da realização dos simples: seu prazer é ensinar o que sabe e construir o belo. Mesmo pouco, ele precisa de alguma ajuda, ou recompensa pelo esforço e dedicação ao trabalho de instruir a juventude.

Suas origens são de Itabaiana, cidade onde se estabeleceu. É neto do grande itabaianense Daciano Alves de Lima, o homem que também foi uma espécie de “faz-tudo” nesta terra abençoada. “Itabaiana foi crescendo dentro de mim, hoje me sinto parte dela”, diz nosso mestre, confessando ainda que nunca viu tantas pessoas inspiradas, tantos poetas e bons músicos como na terra de Adeildo Vieira e do forrozeiro Aracílio Araújo. O poeta Pablo Neruda escreveu em suas “Memórias”: “Daquelas terras saí eu a andar, a cantar pelo mundo”. Nosso mestre para cá veio, trazendo a marca dos que nasceram para servir, e sai a andar e cantar pelo mundo “a beleza de ser um eterno aprendiz” e de modificar vidas através da arte musical.

O maestro ensina canto coral a um grupo de jovens excepcionais no Centro de Atenção Psicossocial de Itabaiana, dentro de um programa de musicoterapia. Recentemente foi à 1ª Conferência Regional de Saúde Mental do Vale do Paraíba, em Juripiranga, onde seu coral foi a única produção artística composta totalmente por usuários do programa a se apresentar no evento. A emoção foi grande, os aplausos copiosos. Desse encontro comovente, o maestro saiu mais animado pela paixão vital e contagiante de ser útil e ajudar pessoas através da arte.

Já convertido em uma figura popular e querida de nossa cidade, esse músico não perde uma certa capacidade de resistência às agruras da vida. Seu entusiasmo juvenil e amor pela música o leva a ensinar técnica de violão no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, onde recebe uma pequena ajuda de custo. Sua colaboração é imprescindível para nossos propósitos de difundir a arte e a cultura, principalmente para jovens oriundos de famílias de baixa renda. No entanto, dos gestores de saúde, até agora falta uma contrapartida mais substancial.

Isso aponta para a responsabilidade do gestor local em estimular esses atores sociais, criando condições favoráveis em todos os sentidos, de maneira que motivados individualmente possam, no exercício de suas atividades, gerar mais saúde e consequentemente melhor qualidade de vida para a população.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O gato, esse sacana disfarçado


Com gato não tem meio termo: ou você odeia ou adora. É na base do “ame-o ou deixe-o”. E deixam mesmo os gatinhos enjeitados nas portas, nas moitas. Quem gosta de gato enumera as vantagens de se criar esses felinos domésticos: esquentam nosso colo; transformam objetos comuns em brinquedos; nos deixam mais atentos aos pássaros; funcionam como alarme; exibem acrobacias; enfeitam o peitoril da janela; mantêm os ratos longe; nos fazem sorrir; inspiram poetas e escritores; compartilham o seu ronronar; instruem na arte de se espreguiçar; fazem com que até nosso sofá velho pareça bonito; mostram-nos como levantar a poeira e dar a volta por cima.
Quem torce o nariz para os bichanos acusa-os de preguiçosos, interesseiros, indolentes, porcalhões, arruaceiros e danificadores do patrimônio alheio, especialmente telhados.


A história do relacionamento desses bichinhos com os seres humanos remonta há 4 mil anos antes de Cristo, quando os egípcios domesticaram essas feras para controlar as pragas de ratos que acabavam com os estoques de grãos. Os gatos deram um show nessa tarefa, tanto que foram até considerados sagrados pelos seus adestradores. Na Roma antiga, eram considerados símbolos da liberdade.
A Igreja Católica cismou que os bichanos tinham parte com o satanás. Durante a caça às bruxas na Europa, centenas de milhares de gatos foram mortos sob a acusação de terem um pacto com o demônio. Então, o demônio foi à forra: de repente os ratos passaram a reinar e as pestes assolaram o continente. Só a peste negra, transmitida pela pulga do rato, dizimou cerca de um quarto da população europeia em meados do século XIV. A partir do século XIX, o gato voltou a ser exaltado - até por escritores como Victor Hugo e Baudelaire.

Como animais domésticos, os gatos são considerados pets ideais, tanto para apartamentos como casas; não são ruidosos, não precisam ser levados para passear, comem pouco, são extremamente limpos, agradáveis e afáveis, sendo muito companheiros e fiéis a seus donos. Tenho outros conceitos a respeito desses bichos, mas é assim que os seus admiradores os veem.

Aqui em casa tem dois gatos, o Nino e o Zezé, pai e filho. Eu os odeio e eles sabem disso. Só que os sacanas são adorados pelos demais moradores da casa. Eles só precisam manter distância de mim para evitar possíveis safanões ou petelecos na orelha. O resto é só sombra, água fresca e ração à vontade, carinho e afeto. Eles fingem retribuir a atenção dos donos. Hipócritas como político do olho de vidro, que chora pelo olho falso.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Dia do Poeta Paraibano


Hoje, dia 20 de abril, é Dia do Poeta Paraibano. Com a expressiva palavra o poeta Eliel José Francisco, de Itabaiana, Paraíba do Norte.

PS - Na foto, Itabaiana vista do Alto do Major, nos anos 60.

POEMA PERFEITO
ElielJosé Francisco

Compus um dia um poema
Pretendendo a perfeição
E o fiz com um sistema
De artística inspiração.

Colori-o com imagens
De rara sinestesia
E penetrei nas sondagens
Mais profundas da harmonia

Fiz a coreografia
Do verso e cintilação
Depois pus filosofia
Ciência e religião.

Recorri ao semantismo
Científico e filosófico
À luz de um simbolismo
De um lirismo metafórico.

E pra matar a saudade
De uma terra soberana,
Incluí minha cidade
Gloriosa Itabaiana.

domingo, 18 de abril de 2010

Palhaço na linha do gol


Meu glorioso Botafogo Futebol e Regatas foi campeão carioca em cima do Flamengo. Portanto, são duas alegrias a serem contabilizadas neste domingo chuvoso e gostoso.

Meu pai, flamenguista, depois do jogo telefonou para dizer que estava torcendo para o Botafogo. Torcedor solidário como este, só pai mesmo.

Durante a transmissão da partida, o locutor informa que Jéferson, goleiro do Botafogo, foi palhaço de circo. “Uma bela história de vida”, acrescentou o narrador. Recordei na hora de um goleiro que conheci em Itabaiana. Quem é de minha geração lembra do João do Boi, goleiro do também glorioso União Futebol Clube. Meu pai era presidente do time. João do Boi ficou conhecido nem tanto pelas defesas que fazia no gol, mas principalmente pelo seu jeito irreverente e debochado de jogar bola. Todo mundo, incluindo o juiz e os adversários, caía na gargalhada com as presepadas de João do Boi. Era um palhaço vestido de goleiro.

Eu era garoto, mas lembro bem que as pessoas diziam a respeito do goleiro gaiato: "se não fosse tão moleque, poderia ser um profissional".

Não sei onde anda João do Boi hoje. Sua profissão era levar bois brabos para o matadouro, daí o apelido. Ficou na memória a alegria desse atleta surpreendente, dando molho especial a um esporte onde predomina a truculência e intolerância.

Dedico a vitória do Botafogo a João do Boi, o goleiro que era palhaço. E ao Jéferson, o palhaço que virou goleiro

sábado, 17 de abril de 2010

Homem dos sete instrumentos


Em uma de minhas crônicas diárias neste blog, escrevi sobre o médico Antonio Batista Santiago, líder político da velha Itabaiana. Recebi carta eletrônica do confrade Erasmo Souto sobre o tema: “Sem dúvida, enquanto viveu Dr. Antonio Batista Santiago compôs a lista de homens probos e de reputação ilibada entre os itabaianenses. Era meu padrinho e com ele viajei a muitas localidades vizinhas para vê-lo realizar serviços médicos. Muitas vezes, terminado o trabalho, via-o olhar para um lado e para outro, como se analisasse a má situação financeira do dono da casa; nada cobrar. Fui também locutor dele nas campanhas políticas. Uma raça de político já extinta”.

Outra figura extraordinária de nossa história é um cidadão por nome José Pereira da Silva, apelidado de Pingolença. Meu pai, Arnaud Costa, conta que esse itabaianense da gema era um sujeito baixinho, metro e meio de inteligência, magrinho e elétrico. Mexia com tudo, sabia de tudo e em tudo dava jeito. A banda de música precisou de um músico, ele aprendeu a tocar bombardino, e bem! Foi servir à bandinha, como músico e afinador dos instrumentos. O Tiro de Guerra necessitava de um bom atirador de elite, função que Pingolença passou a ocupar, sendo que nas horas vagas consertava os velhos fuzis. Na ausência do sargento instrutor, ele dava uma de comandante, ora, pois não!

Era pintor de mão cheia, mestre alfaiate, mestre mecânico e de obras. E artista. Pingolença, além de músico, atuava como palhaço de circo, mágico, acrobata, trapezista, comediante e o que mais precisasse fazer em um circo. Montou sua própria companhia, o Grande Circo Central, que por falta de transporte não saiu dos limites de Itabaiana, mas fez muito sucesso armado na Praça da Indústria, em frente ao curtume.

Nossos conterrâneos de então, para ilustrar o gênio de Pingolença, diziam que ele pintou uma vaca na parede, e do bicho tirou mais de dois litros de leite. Nessa época, o fazendeiro Odilon Maroja doou à igreja matriz o relógio que ainda hoje bate as horas e acompanha nossa vida provinciana há muitas décadas. O vigário Monsenhor Francisco Coelho recebeu de São Paulo os caixotes com as peças do relógio para armar. E quem sabia montar aquele quebra-cabeças sem manual de uso? Trazer um técnico do Sul era coisa que nossa humilde paróquia nem sonhava, por falta absoluta de recursos. Quem foi chamado para resolver o caso? O nosso Pingolença, o herói da resistência naqueles tempos tão atrasados. Durante mais de dez dias, Pingolença trabalhou sozinho no alto do campanário, montando o relógio, até que conseguiu juntar todas as peças e botar para funcionar o maquinário complexo, para orgulho e admiração dos fiéis e de toda a comunidade.

Isso eu li no livro “Itabaiana – sua história, suas memórias”, do jornalista Sabiniano Maia. O fim de Pingolença, quem conta é meu pai. Diz que ele envelheceu, as mãos antes ágeis ficaram inutilizadas pela artrite, e foi esquecido pelos seus conterrâneos. Passou a viver de favores em uma casinha caindo aos pedaços. A cidade a quem tanto ajudou lhe virou as costas. Para iluminar sua pobre residência, Pingolença esperava passar o carro de boi do vendedor de querosene e aparava os pingos que caíam da torneira. Um dia, o dono do querosene o humilhou publicamente por causa disso. Não resistindo à emoção do ultraje, Pingolença sofreu um ataque cardíaco e morreu no meio da rua. Teve um enterro de indigente, com poucos amigos acompanhando o féretro daquele que foi um dos maiores gênios que Itabaiana criou.

O padre Antonio Vieira, referindo-se ao grande paraibano André Vidal de Negreiros, escreveu que este “era possuidor de quase todas as qualidades de um grande homem; só lhe faltava ser poeta”. O mesmo se pode afirmar do itabaianense Pingolença. No modestíssimo burgo, de vida medíocre, que era Itabaiana do começo do século vinte, sobrava em Pingolença as qualidades da bondade, inteligência, decência e altruísmo. Hoje é nome de uma ruazinha, transversal à Treze de Maio, que se vê na foto do blog. Um sujeito com altíssimo grau de capacidade mental criadora, de extraordinária inteligência e habilidade, dedicou sua vida aos interesses de sua terra. O talento de Pingolença deveria ser aclamado e divulgado em nossas escolas, como exemplo de um dos mais brilhantes itabaianenses de toda nossa história mais que centenária. Estátua na praça é pouco. Se prefeito fosse, eu decretaria uma semana inteira por ano para se homenagear esse espírito benéfico e genial.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Frei Damião em missão


Pio Gianotti nasceu em Bozzano na Itália. Veio para o Brasil e se transformou em Frei Damião, um capuchinho que é considerado quase santo pela população do Nordeste. O nosso santo padre já foi fazer suas pregações no andar de cima, defendendo seus rígidos conceitos de moralidade e apego à religião.

Lembrei de Frei Damião hoje quando voltava de Itabaiana e avistei um frade capuchinho ao sol do meio dia com seu hábito de fazenda grossa e os pés metidos em sandálias de couro cru. Recordei uma história que minha mãe conta sobre o Frei Damião, mas antes fui pesquisar no Google e fico sabendo que o nosso Frade serviu no Exército italiano durante três anos. No Brasil, acompanhado de outro frade, Fernando Rossi, organizou missões que percorreram quase todas as cidades do Nordeste. Costumava chegar à localidade escolhida às segundas-feiras no final da tarde. Às quatro da manhã de terça-feira, ainda na escuridão, a multidão já se comprimia para ver a procissão.

Foi assim que ele chegou no começo de 1956 na cidade pernambucana de Timbaúba. Como de costume, pregava contra os “nova seitas” e os amancebados, tipo de gente que tinha ingresso garantido no inferno.

─ O comerciante que vender a um nova seita vai pro inferno também! - gritava Frei Damião para a multidão arrebatada e seduzida pelo carisma do pregador.

Acontece que minha mãe era uma “nova seita”, evangélica da Igreja Batista. O leiteiro simplesmente deixou de vender leite para fazer minha papa, um bebê de pouco mais de seis meses, desmamado precocemente. Passei mais fome do que o normal. Foi preciso meu pai pedir ajuda ao delegado para forçar o aterrorizado leiteiro a entregar nossa cota de leite natural, que naquele tempo não havia leite em pó.
O pobre leiteiro deve ter passado maus bocados com sua consciência de ignorante e devoto de Frei Damião. Para o povo nordestino, a santidade de Frei Damião era provada por seus milagres, nunca reconhecidos pela Igreja Católica. Considerado sucessor de outro grande “santo brasileiro”, Padre Cícero, nosso Frei foi personagem de muitas histórias. Diziam que ele voava, ou que previa o futuro. Lampião respeitava muito o capuchinho. Toda vez que encontrava o bandido, Frei Damião abençoava e aconselhava para deixar a vida do cangaço, se casasse e acabasse com aquele pecado de matar.

Para mim, Frei Damião foi o homem que quase me matou de fome quando criancinha, com suas ideias conservadoras e antiquadas. A última visão que tive do velho Damião foi na cidade de Guarabira, Paraíba. Já muito velhinho, o Frei Damião era cutucado nas costelas impiedosamente pelo tal Frei Fernando para que ficasse mais ereto e visível à multidão de fiéis. Já não sabia o que dizia, esclerosado, em pleno declínio mental.

Um dia, um repórter mais afoito perguntou ao Frei Fernando:

─ Acompanhar Frei Damião dá muito dinheiro?

─ Longe de mim o espírito mercantilista e simoníaco. Sou apenas um homem prático, que sabe que ninguém pode viver de brisa - respondeu o precursor católico de Edir Macedo.

A propósito, simoníaco é quem pratica a simonia, que é a compra ou venda de coisas espirituais. Eu não sabia disso, quem me disse foi o Houaiss.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Estrela de seis pontas guiará o Ponto


A estrela de seis pontas é um símbolo muito conhecido, usado como talismã, amuleto atrativo de energias positivas recomendado contra qualquer tipo de adversidade, natural ou "sobrenatural". Nos livros de todos os bons mestres ocultistas do Ocidente existem comentários a este símbolo, também conhecido como Estrela de Davi, mas pertence ao acervo de signos mágicos de diferentes povos em diferentes épocas. Pois é essa estrela que vai simbolizar a nova sede do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, em Itabaiana, já que se destaca no frontão do prédio que alugamos na Rua Floriano Peixoto.

Infelizmente, a nave nem sempre vai para onde a gente deseja. Por motivos vários, teremos que sair do prédio na Galeria Lins, ocupando a casa das seis estrelas. O Ponto de Cultura, nesses poucos meses de atuação, passou por algumas crises e as crises passaram pelo Ponto, mas sem deixar rastro. É tudo natural em empreendimentos guiados mais pela força de vontade do que por reais condições materiais para existir. Portanto, vamos para adiante, confiando na força do ideal, driblando os complicadores habituais.

O prédio das seis pontas é pequeno, tem um auditório com capacidade para apenas 60 pessoas. Antes, no local funcionava uma congregação evangélica. Agora vamos celebrar a cultura e a alegria. Armaremos o altar da música, do teatro, da imaginação e do sonho. Cada templo que se forma em torno do lúdico e do prazer é um tijolo que se desconstrói na teoria econômica de um tal sir Adam Smith: que cada pessoa busque seu interesse egoísta, sem prestar atenção ao seu próximo, e a mão invisível do deus-mercado cuidará do resto, trazendo harmonia e prosperidade.

Diante dos acenos inconsistentes dos poderes públicos, o jeito é assumir as responsabilidades financeiras do Ponto, com a ajuda dos amigos, colaboradores que sabem da importância de uma casa onde se formam pessoas e onde se preserva o que temos de mais rico, que é a cultura. Meu desatinado parceiro para essa aventura é o compadre Marcos Veloso, ele que em décadas passadas também foi sócio em outro negócio de maluco: montar um teatro em Itabaiana, desafiando as leis do mercado, da lógica e do bom senso. O resultado foi o desastre que eu conto na minha crônica “Tumulto no teatrinho”. (http://fabiomozart.blogspot.com/2010/02/tumulto-no-teatrinho.html). Que a estrela de seis pontas nos guie para um futuro mais sereno.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Doente das partes


Na foto, tratamento da hemorróida conforme método japonês

Tou tratando o “oiti” com o maior carinho e consideração. É pomadinha, é banho de assento, é comidinha mole feito ração de sabiá. Tudo porque ando com as partes adoentadas de uma tal de fissura anal, pior do que hemorróida, que por sua vez é igual a dinheiro: se você tiver muito, melhor não contar a ninguém.

Como não estou podendo sentar para cumprir a obrigação de postar qualquer besteira todo dia neste bendito blog, vai o poema “Matuto doente das partes”, do glorioso Jessier Quirino:

No tronco do ser humano,
Nos "finar" mais derradeiro
Tem uma rosquinha enfezada
Que quando tá inflamada
Incomoda o corpo inteiro
Se tossir, se faz presente
E se chorar se faz também

O "cabra" não pode nada
Com nada se entretém
Eu lhe digo, meu "cumpade"
Não desejo essa "mardade"
pra rosca de seu ninguém

Não sei o nome da cuja
Desta cuja eu tiro o ja
O que resta é quase nada
Bote o nada na parada
Quero ver tu aguentar

Eu lhe digo meu "cumpade"
Que é grande humilhação
Um cabra do meu quilate,
Adoecido das parte,
Fazer uma operação

Não suportando mais dor,
O meu ato derradeiro
Foi procurar um doutor
Do bocado arengueiro

Do bocado arengueiro,
Feijoeiro, fiofó, bufante,
Frescó, lorto, apito,
Brote e bozó.
De furico, fedegoso,
Piscante, pelado, boga,
Fosquete, frinfra, sedém
Zueiro, ficha, vintém,
De ás de copa e de foba.
De oiti, "oi" de porco,
"ané" de couro e cagueiro,
De girassol, goiaba,
Roseta, rosa,
Rabada, boto, zero,
"miaieiro", de nó dos fundo,
Buzeco, de sonoro e pregueado,
Rabichol, furo, argola,
"ané" de ouro e de sola,
Boca de "veia" e zangado

Um doutor de aro treze,
De peidante e zé de boga,
Que não aperte o danado
Nem deixe com muita folga, "né"?
Um doutor "picialista"
em bocada tarraqueta,
Doutor de quinca, dentrol,
Zé besquete, carrapeta
Doutor de rosca,
Rosquinha, tareco,
Frasco e obrón
Ceguinho, botico, zero,
Tripa gaiteira, fonfom,
"miaieiro", mucumbuco,
Boraco, proa, polgueiro,
Forever, cloaca, urna,
Gritador, frango e fueiro

Cano de escape, pretinho,
Rodinha, x.p.t.o.,
Zerinho, "subiador",
Tripa oca e fiofó
Um doutor de elitório
ou de boca de caçapa
Que não seja inimigo,
Também não seja meu chapa
Tratador de canto escuro,
De boréu e de cheiroso,
De formiróide alvado,
De parreco e de manhoso,
De xambica e sibasol,
Apolônio e fobilário,
Bilé, brioco e "roxim"
Fresado, anilha e cagário
Vaso preto, zé careta,
Olho cego e espoleta,
Fuzil, fioto e foário

Não é doutor de ovário,
É doutor de orió!
De cá pra nós e bostoque,
De futrico e de ilhó,
De coliseu e caneco,
Roscofe, forno e botão
De disco, de farinheiro,
De jolie, fundo e fundão,
De cuovades, fichinha,
Que não vinha com gracinha
E que não tenha o dedão.
Um doutor de zé de quinca,
Canal dois e cagador
Buzina, vesúvio, cego,
Federais, sim senhor
"fagüieiro", zé zoada,
Rosquete e fim de regada
Eu só queria um doutor!

O doutor se preparou-se,
Parecia galileu
Aprumou um telescópio
Quem viu estrela fui eu
Ele disse:
"arriba as pernas"
Eu disse:
"tenha calma, sonho meu"
A partir daquela hora,
Perante nossa senhora,
Não sei o que "assucedeu"

Com as forças da humildade,
Já me sinto mais "mior"
Me desejo um ânus novo,
Cheio de "velso" e forró
E pros "cumpade", com franqueza,
Desejo grande riqueza:
Saúde no fiofó.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Todo homem tem seu preço?


Se você tivesse muito dinheiro e fosse obrigado a dar a alguém para guardar, a quem entregaria sua fortuna? Você acha que todo homem tem seu preço?

Vou logo confessando que, certo dia, vendi minha alma com desonra. Aceitei fazer um jornal político sob o patrocínio de um cara da velha escola mercenária de Assis Chateaubriand, esse fascista que, por infelicidade dos paraibanos, nasceu aqui, mas para vergonha dos pernambucanos, sempre se considerou filho do Leão do Norte.

Qual foi a isca que você não conseguiu deixar de morder, e acabou sujando seu currículo? Esse ditado do capitalismo vem a respeito de recente controvérsia em João Pessoa, sobre um jornalista tido como íntegro e que está sendo acusado de irregularidades.

Tem mulher que dribla a solidão comprando homens no mercado sórdido da prostituição masculina. Se todo homem tem seu valor, na lógica mercantilista deverá também ter seu preço. Millôr Fernandes reflete em um dos seus artigos ácidos: “Há quem vá mais longe afirmando que alguns homens são vendidos a preço de banana. Sempre esperei, na vida, o dia da Grande Corrupção, e confesso, decepcionado, que ele nunca veio. A mim só me oferecem causas meritórias, oportunidades de sacrifício, salvações da Pátria ou pura e frontalmente a hedionda tarefa de lutar... contra a corrupção. Enquanto eu procuro desesperadamente uma oportunidade, as pessoas e entidades agem comigo de tal forma que às vezes chego a duvidar de que a corrupção exista. Mas, falar em corrupção, como anda a sua? Vendendo saúde ou combalida e atrofiada como a minha?”
Millôr quer saber se você é um corrupto total ou um idiota completo. Ele aplica então um teste. Se o leitor roubar nesse teste, tá provado: é um corrupto absolutamente incorruptível. No fim ele dá um conselho: Quando alguém, na rua, gritar "Pega ladrão!", por via das dúvidas finja que não é com você.

Tem o caso daquela mulher que guardou o dinheiro do compadre, mas depois esqueceu que a grana tinha dono e gastou. O compadre, de desgosto, morreu. A viúva foi se queixar, apresentando o cheque comprovante do depósito na gaveta da mulher desonesta. Pois ela engoliu o cheque na hora! O que prova que as mulheres também sabem ser corruptas e descaradas, quando querem. Outra mulher, prefeita de um lugar ermo nas brenhas da Paraíba, conseguiu passar mais de 200 cheques sem fundo da Prefeitura. Só não vendeu o prédio da edilidade porque não achou comprador. O que prova que toda mulher tem também seu preço. Resta a discussão de valores entre os gêneros. Quem se vende mais caro?

Li um conto arretado do sujeito que tinha como profissão cobrar impostos. Um dia passou o caminhão carregado de mercadoria “no mole”. O coletor lascou uma pesada multa. O dono da mercadoria ofereceu bom dinheiro para a famosa “vista grossa”, que não foi aceito pelo coletor honesto. Ao aumentar a oferta, o dono da muamba sofreu o peso da mão do coletor em sua goela, que quase mata o sacana. Justificava para a violência:

─ Tive medo que ele chegasse no meu preço.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Jornalismo matuto na banca acadêmica


O jovem itabaianense Adriano Eulálio faz curso superior de Propaganda e Marketing. Seu trabalho de fim de curso aborda o jornalismo que foi feito em Itabaiana nesses mais de cem anos de história da imprensa na terra de Abelardo Jurema. Na pesquisa, Adriano ressuscita velhos exemplares d’ “A Folha”, que atualmente encontra-se hibernando, à espera de que algum governante estimule seu reaparecimento como o mais antigo jornal oficial em circulação no interior da Paraíba. Outros jornais foram alvo da atenção do rapaz, a exemplo do “Combate”, editado pelo jornalista Arnaud Costa, e do meu “Jornal Alvorada”, um dos poucos mensários dedicados à literatura já produzidos em Itabaiana.

Antes que caia no abismo do esquecimento, é salutar que nossa imprensa seja rememorada em um trabalho acadêmico, e melhor seria que essa investigação do nosso passado chegasse às novas gerações. Porque nas páginas dos velhos jornais a vida pulsa e respira.

Existe um valor genuíno em atividades que não se inserem numa cultura de mercado. O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar é uma delas. Mas o reconhecimento da legitimidade e da importância dessas ações vem a ser fundamental para que essas atividades se mantenham e sejam úteis à sociedade. É o caso do jornal “Itabaiana Hoje”, editado pelo confrade Geraldo Aguiar, cujo amor pelo jornalismo lhe permite vencer os desafios de manter um jornal nesta cidade que pouco lê e muito menos reconhece o valor de uma publicação desse nível para a cultura do lugar. A recompensa virá no futuro, quando outro jovem se debruçar sobre a história de nossa imprensa e ter a sensação boa de que nossa cultura não se estagnou, graças à força de vontade e tenacidade de figuras iguais a Geraldo Aguiar, que se junta a outros grandes nomes do nosso jornalismo.

No meu livro “História de Itabaiana em versos”, agucei o olhar sobre as publicações itabaianenses do passado, desde o pioneiro que foi “O Município”, de 1908, passando por “A Notícia”, o “Correio da Semana”, “Gazeta da Manhã”, “O Jornal”, “A Cidade” e tantos outros mensários importantes com seus nomes de escol, a exemplo de Eugênio Carneiro, José Régis, Cecílio Batista, Pedro Muniz de Brito, Zé da Luz, Pedro Lopes, Jurandy Barroso, Nabor Nunes de Oliveira, Sabiniano Maia e Heráclito Cavalcante. Sem esquecer Arthur Coelho, o precursor do jornalismo em terras itabaianenes, tipógrafo e redator do primeiro jornal, “O Município”. O último jornal a circular foi “Tribuna do Vale”, que depois de seis anos caiu aos golpes da crise econômica.

Aqui e agora, a consciência dos nossos valores do passado nos faz acreditar nessa aventura doida que é produzir cultura numa terra tão árida. Orientado por um jornalista, o jovem Adriano Eulálio baseou suas pesquisas nos velhos jornais de Itabaiana, passando pelo “Gafanhoto”, humorístico tradicional da festa de Nossa Senhora da Conceição, editado pela poetisa Socorro Costa, prima do outro grande poeta Zé da Luz. Era um jornalzinho de fofocas da sociedade de então, de abordagem muito simplista e muito comportada também. Eis que eu e um grupo de rapazes nem tão direitos publicamos o jornal de festa “O Gaiato”, acho que foi no começo da década de 70. Nosso inconveniente e satírico jornalzinho mimeografado deu o que falar! Fomos todos excomungados pelo vigário, em momento especial da missa.

O atual estado de debilidade, indigência e alienação mental dos nossos jovens contrasta muito com a sagacidade, a ironia e, acima de tudo, o bom humor da rapaziada daquela época, que vivia sob o tacão de uma ditadura feroz, mas respirava o ar puro da arte, sem receber a influência nefasta da cultura de consumo e da mediocridade que viria caracterizar os tempos atuais.

www.fabiomozart.blogspot.com

domingo, 11 de abril de 2010

O PRAZER DA IMAGEM E O DOMÍNIO DO MEDO


O Ponto de Cultura Cantiga de Ninar quer acalentar nossas emoções com o prazer da fotografia, a visão do nosso microcosmo inventado pela arte fotográfica, que nos remete ao nosso próprio universo imaginativo, incitando o potencial de recriar o belo. A cultura visual será estimulada pelo Concurso de Fotografia 26 de Maio, em homenagem aos 119 anos de Itabaiana (regulamento no blog do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar - www.pccn.wordpress.com).

Trata-se do compromisso com o incentivo à nossa auto-afirmação, unido à satisfação de fruir essa atividade. A aventura visual já teve início. É pegar sua câmera, sempre no sentido de obter um ângulo diferente para aquela paisagem itabaianense, mostrando um rosto inusitado de sua cidade, não necessariamente de nossas referências históricas. Pode ser um beco, um flagrante de paisagem humana, aquele ângulo insuspeito, a descoberta de uma cidade pela lente da poesia, da sensibilidade e da arte.

Jurandir Pereira, amigo itabaianense que mora em João Pessoa, informa que o garoto linchado recentemente, durante tentativa de assalto, era de Itabaiana, da comunidade Açude das Pedras. Veio à capital para estudar, morando em casa de uma tia. Foi quando teve o encontro funesto com o crack e sua breve existência mudou de rumo, até ser trucidado no jardim de uma casa no Bessa. Um aparte para constatar irônica e tristemente: nossa outrora pacata capital já ostenta adesivos que se viam no Rio de Janeiro das balas perdidas e dos arrastões: “Gosto de viver perigosamente: moro em João Pessoa”.

Como um vírus, o medo e a violência tomam conta das mentes das pessoas. Na cabeça paranóica da classe média, o desconhecido provoca medo e angústia. O menino do Açude das Pedras saiu de uma comunidade extremamente pobre para outra marcada por abissal desigualdade. A ambição de poucos ampliou o hiato entre ricos e pobres. Agora, é inútil querer que um cara jovem, relegado involuntariamente à pobreza absoluta, atingido pelo apelo de consumo, seja manso e igual aos que o discriminam e humilham. A elite impõe a diferença e afasta a Nação de um futuro digno.

Voltando ao concurso de fotografia, aí pergunta o questionador: podem concorrer fotos de nossa miséria e abandono? Que melhor foto para expressar nossa pobreza, injustiça e descaso do poder público, se não a imagem macabra do menino do Açude das Pedras despedaçado pela fúria de uma classe média doente e que vive sob o domínio do medo? Essa foto, certamente, não vai ganhar o primeiro lugar no concurso. Que foto identificaria nossa esperança, talvez utópica, em acreditar que o futuro de Itabaiana e do Brasil possa ser melhor e diferente?

A construção da tragédia, o cotidiano do mal, a naturalidade do crime, o aviltamento do ser humano também são, infelizmente, quadros que fazem parte da paisagem humana da outrora pacata Itabaiana, que já exporta carne fresca para o inferno das drogas e das matanças na também outrora pacífica João Pessoa.

sábado, 10 de abril de 2010

A flor de zíaco


Essa flor todo mundo quer cheirar. Quem conhece é o compadre Maciel Caju, o “desanimado”. Ele não anda feliz e satisfeito com a vida desde que travou em plena primavera, quando a libido de todo mundo medra sem breque. Ele diz que é psicológico. Receitaram para o poeta a “flor de zíaco”, vendida nas mais acreditadas bodegas do pedaço. Meu compadre jura por “São Murchinho” que a comadre com quem tentava coabitar era coabitável, esteticamente aprazível, sem odor nauseante. O problema foi no motor de arranque.

De minha parte, assumo minha entrada triunfal na andropausa, quando a atividade genital do homem diminui na mesma proporção de sua renda de aposentado. A “flor de zíaco” será minha salvação. Ou não, que não há mal nem ereção que dure para sempre. É preciso ser macho pra admitir isso, mas a partir de agora meu medo é dar o apagão na hora de escrever. Sabe aquele branco geral, quando o desempenho da gente simplesmente cai a zero, e você fica sem ter o que dizer, com cara de brochado?

Tem dias que não se consegue escrever nada. Daí caio na idiotice de falar da vida íntima dos outros e da minha própria contextualidade sexual, o que pode acarretar processo na Justiça e bronca com a dona de minhas algemas. É a tragédia de todo idiota que toma para si a missão de escrever todos os dias.

Mas do que quero falar mesmo é da “flor de zíaco”. Antes de rir da forma com que foi escrita a “frase”, o distinto leitor deveria ler alguma coisa de um cara por nome Marcos Bagno, que está revendo velhos conceitos do português formal. Autor do livro “Preconceito linguístico”, Bagno diz que o que vale é a língua que o povo fala e não a dos manuais e dicionários. ‘É preciso acabar com a cultura do erro”, afirma o mestre renovador. Para ele, a linguagem da internet, por exemplo, usada nos bate-papos, tem como alvo um relacionamento e como toda forma de linguagem, busca interação. É língua viva. Não tem nada errado, nem mesmo a “flor de zíaco”.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Humanismo falsificado


Sobre a crônica “A Subcidadania te olha do fundo do poço”, um leitor anônimo enviou a seguinte mensagem:

“Fábio, você disse grandes verdades. Aqui, só o pobre paga imposto. E não sabe, o infeliz. Acha que quem paga "imposto de renda" é rico, logo, quanto mais roubarem o Estado melhor, não é do bolso deles que sai. E já passou da época de o Brasil criar vergonha e eliminar sua pobreza, tantas desigualdades. É uma vergonha.

Contudo, acho que é preciso ser intransigente com a violência, quaisquer que sejam suas causas, mesmo a originada pela pobreza. São dois problemas, pobreza e violência, interligados e que precisam ser combatidos simultaneamente. Portanto, não concordo com a sua solidariedade ao assaltante linchado em João Pessoa. Acho que o sujeito que entra na casa de outro com uma arma e acaba morto teve o que merecia. Seja playboy ou favelado. Você é uma pessoa tão inteligente, não contribua ainda mais com a violência com esses falsos escrúpulos humanistas tão característicos dos nossos intelectuais”.

Prezado anônimo, não costumo responder a mensagens que não têm a assinatura do autor. Mas em consideração ao seu modo respeitoso de externar sua discórdia sobre meu ponto de vista, preciso afirmar que não sou intelectual, não me considero mentalmente superior a ninguém, mas divirgo de sua opinião de que “intelectuais apresentam falsos escrúpulos humanistas”. Então consciência moral é privativo de quem não trata de cultura, de arte e literatura? Só as pessoas que não dominam um campo de conhecimento intelectual seriam orientados pelos princípios da moral e da boa conduta? Da forma como coloca, só intelectuais são fingidos quando lamentam a violência, a injustiça e o preconceito.

O nobre anônimo acha que, pela lógica da legítima defesa, há justificação para que um grupo de pessoas cometa execução sumária com requintes de crueldade. É a legitimação da barbárie, continuo achando. A selvageria, a lei das selvas, não é nem será jamais remédio para combater a violência e produz mais crueldade e injustiça em escala cada vez maior.

Meu pai Arnaud Costa, um rábula, esse sim, intelectual, diz que o Direito trabalha com a questão da legítima defesa dentro dos elementos da moderação, e que a agressão injusta e desproporcional são excludentes de ilicitude da legítima defesa. Todo linchamento é moralmente condenável e irracional. O homem sempre teve sede de justiça e na mesma proporção, sede de vingança. Quase sempre a justiça veio em forma de vingança. Tal como o homem, as leis evoluíram e a justiça foi parar nas mãos do Estado. E a vingança, teoricamente, deixou de existir. Defendendo o linchamento de infratores, o nobre anônimo patrocina a causa de que o Direito deve sofrer involução, e que reassuma a lei do mais forte. Não concordo com isso, mesmo sem ser intelectual.

Sem também professar nenhuma fé religiosa, considero que não sou dono da verdade, sou servo dela. Mas é como diz: como ficaria sua consciência cristã, meu caro anônimo, se por acaso matasse alguém, mesmo em legítima defesa? Ser juiz e carrasco ao mesmo tempo, e da forma mais implacável e impiedosa, causando sofrimento à vítima.

A violência moral e física anda emboscando cada homem e mulher de nossa terra. A chaga social causa ausência de comoção. O mais insuspeito cidadão defende a tortura e a morte por linchamento, em meio a um profundo obscurecimento cultural. As regras e a moral ficam em segundo plano. Falta substância e realidade às instituições. A miséria moral anda simultaneamente com o estado de carência absoluta.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Escrevendo ao velho leão Mozart de guerra


Como diria Mirinho, guapo mancebo residente no apartamento aqui ao lado: "Cara, você é o cara". Como direi eu aqui e agora: "Arretado, véi, que crônica da porra!".
Prevaleço-me do ensejo para mais uma "ameaça": Me aguarde!
E outra: acredito seja sua crônica mais engraçada que o meu "Senvéigonhice".
Erasmo Souto – Recife/PE

"Poeta Antônio Costta, saudações.
Muito lhe agradeço o envio dos preciosos textos de Fábio Mozart e Damião Cavalcanti. Peço que, em meu nome e quando encontrar o Mozart, agradeça as generosas palavras sobre minha modesta Fundação Cinememória. A você minhas felicitações pelo excelente trabalho em prol da cultura itabaianense. Forte abraço, do Vladimir Carvalho."
Brasília/DF


Caro Fábio,
Irretocável o seu artigo. Além de destacar a importante trajetória e contribuição do cineasta paraibano, Vladimir Carvalho, para o cinema brasileiro, deu-se a honrosa satisfação de saber que é itabaianense...
Parabéns pelo resgate histórico e cultural.
Rosane Araújo - João Pessoa/PB

Como advogado com longos 25 anos de ofício, sempre tenho prudência em opinar sobre casos que estão na mão de um Juiz, cuja decisão será revisada por um órgão colegiado em grau de recurso. De qualquer modo, opinando genericamente, vejo com muita preocupação um momento que enseja ensaios claros de retorno da prática odiosa. Creio que se faz necessário, por primeiro resistir, porque nada pode ser pior que a CENSURA , contudo, penso que devemos tambem aproveitar textos como este para ampliar a crítica sobre abusos que se tem notado, sobretudo, na mídia popular. Abraço e parabéns pelo post.
Ivan Cezar – São Sepé/RS (Sobre ação judicial contra o blog Toca do leão)


Embora ainda não tenha tido o prazer de conhecê-lo, passei a admirá-lo ao conhecer sua obra. Sou um sapeense que veio morar em Marí. Parabéns. É sempre bom saber que nossa região possui entusiastas do vosso quilate.
Walter Higino de Lima – Mari/PB

Excelente texto, de um maravilhoso senso crítico... Um abraço!
(Sobre o texto “Judas é preso pela Polícia Militar” )
Daniel Rodrigo – São Paulo/SP


Excelente! Uma crônica, leve, gostosa de ler e de conteúdo muito realista. Que bom que você não parou, continuando essa pessoa tão produtiva! Eu vou passar por isso em breve Está lá na minha crônica "Amanhã, você não precisa mais vir". Sua situação atual também me reporta à crônica "Por essas mulheres anônimas" que publiquei lá no meu cantinho, em homenagem à mulher do lar, que não recebe o devido reconhecimento por seu desgastante trabalho. Se puder leia. Abraços...
(Sobre a crônica “Trabalhar cansa”)
Marina Alves – Lagoa da Prata/MG

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Um diálogo impossível


Desisti de tentar ser cortês e amigo do meu compadre Maciel Caju. Seremos de hoje por diante apenas conhecidos. Estamos sempre em desacordo, e o homem agora deu para me humilhar por qualquer motivo. Acho que é inveja, não sei de que, mas desconfio. Ódio e desgosto por ver meu livro “Biu Pacatuba” ser publicado por uma editora de verdade, e não aquelas edições dos seus livrinhos chinfrins que ele manda rodar em tipografias de pouca qualidade e baixo custo. Imaginem meus três leitores (ele confessa que não perde tempo lendo meu blog) que o inconveniente Caju recebeu em primeira mão os originais do meu livro sobre a cidade de Mari, e simplesmente se recusou a prefaciar a obra. Comentário do maldoso poeta menor:

── Seu livro é bom e original, mas a parte que é boa não é original e a parte que é original não é boa.

Digam-me: posso ser benevolente com um sujeito desses? Na falta de quem trate com carinho meu novo livro, eu mesmo serei crítico da obra. Trata-se de uma história contra a exclusão, o apagamento. Refiro-me a Biu Pacatuba, o primeiro Presidente das Ligas Camponesas de Mari, um herói do povo paraibano. Ele teve a mesma importância de João Pedro Teixeira nas lutas campesinas das décadas 60/70 na várzea do rio Paraíba, brigando contra poderosas forças do latifúndio mancomunadas com o Estado armado. No entanto, hoje seu nome não é lembrado. Agora mesmo estão celebrando 48 anos da morte de João Pedro Teixeira através de uma entidade de Sapé chamada Memorial das Ligas Camponesas. Entretanto, de Biu Pacatuba pouco ou nada se fala. É no sentido deste resgate histórico que escrevi o livro, menosprezado pelo ácido Maciel Caju.

Escrevi o livreto não com intenção de protestar contra esse fato, mas só para botar diante das novas gerações personagens que de algum modo concorreram para que os trabalhadores fossem mais respeitados e, para isso, dispuseram de suas próprias vidas e dos seus familiares.

No livrinho, conto histórias de figuras que conviveram comigo em Mari, nos doze anos em que passei naquela aprazível cidade paraibana. Na noite de autógrafos, vou convidar os prefeitos de Mari e Sapé, Elizabeth Teixeira, esposa de João Pedro Teixeira, padre Hermínio Cânova, Frei Anastácio e o Chefe do Gabinete do Presidente da República, Paulo Roberto Martins. Esse povo todo faz parte da lista de convidados para o aniversário da morte de João Pedro Teixeira. Se ninguém dessa lista de pessoas importantes aparecer, sei que contarei com meus companheiros do Assentamento Padre Gino, Assentamento Tiradentes e outros da região, além da corriola comandada por Beba do Violão, Mané do Bar, Zezim Kalai, Caveirinha, Zé Hermínio violeiro, Heleno Boca de Rosa e outros artistas cachacistas menos votados.

Conforme mensagem recebida, fico sabendo que a “ONG Memorial das Ligas Camponesas é uma entidade sem fins lucrativos que tem dentre seus objetivos a preservação, disseminação e recuperação da história das Ligas Camponesas na região de Sapé, formando assim um amplo acervo de informações, evidências, objetos, fotos, documentos e tudo o que for relevante para que tão importante fato histórico não seja esquecido.” Espero que recebam o livro “Biu Pacatuba” para fazer parte desse acervo, se antes não forem envenenados pelas críticas ferozes do meu ex-amigo Maciel Caju, um trivial poeta que se acha gênio e adora espinafrar o trabalho dos outros.

FOTO: João Pedro Teixeira e família

terça-feira, 6 de abril de 2010

A subcidadania te olha do fundo do poço


O que acham do caso do menino que foi linchado na casa do bacana, no Bessa? Eu particularmente penso que a cultura da nova barbárie já está definitivamente consolidada na sociedade. Está prevalecendo a cultura do individualismo e da competição levada às últimas consequências, gerando violência, medo e mais injustiça. “Mataram um cara, mas era só um trombadinha, um assaltante, cheira cola”. Um adolescente é assassinado brutalmente na madrugada, em uma casa de classe média alta onde se dava uma festa. Alguma coisa não vai bem num país onde se tem medo das crianças e adolescentes.

A naturalidade com que a nossa imprensa banalizou um assassinato violento apenas porque era um adolescente infrator infelizmente não surpreende. É a lógica da sociedade que eles reproduzem.

Andando pelas ruas nas manhãs de caminhada, eu observo os caras da subcidadania. Eles estão a postos cedinho, os meninos do crak, que passam as noites feito zumbis, andando sem parar. Os “homens cavalo”, aqueles que furam as noites catando lixo, puxando uma carroça, juntando material reciclável. As meninas da prostituição infantil estão na Lagoa, terminando as farras nas barracas, negociando o sexo precoce. O cara que ganha menos de um salário mínimo está desde as três da manhã no entorno do mercado Central, carregando mercadorias nos seus carrinhos. Os moradores de rua acordam cedo também, esperando que alguém lhes pague um copo de cachaça.
Na Alemanha, a parcela mais rica da população está apresentando ao Congresso projeto de lei para criação de imposto sobre as grandes fortunas, destinado a investimento maciço para extinção dos bolsões de pobreza que ainda existem por lá, se bem que muito mais amenos do que por aqui. Eles, os ricos, querem ceder um pouco de seu patrimônio para garantir segurança. Menos pobreza, mais estabilidade social. Essa equação simples diminui os perigos e incertezas de uma sociedade dividida entre poucos com muito e muitos sem nada. Quem me contou isso foi o compadre Normando Reis, sem citar a fonte. Aqui, no “país de todos”, os áulicos do poder petista garantem que é real a ascensão das classes D e E, a golpes de “bolsa esmola”. Sei não, acho que a gente perdeu definitivamente o rumo.

O Imposto sobre grandes fortunas tem sua previsão constitucional no artigo 153, inciso VII da Constituição Federal de 1988, mas até a presente data não está instituído em nosso ordenamento jurídico. E vejam que o imposto seria sobre as grandes fortunas e não sobre a fortuna em geral. Este imposto foi e é utilizado em alguns países com várias justificativas, entre elas a de tornar o sistema tributário justo com a incidência de um tributo que atinja os mais afortunados cidadãos. No Brasil, só pobre paga imposto e tem como retorno um serviço público mais do que ordinário.

Enquanto isso, a subcidadania te olha do fundo do poço. Por enquanto ela se esconde nas sombras da noite e pode ser morta e esquartejada nos jardins dos bacanas de classe média alta. Qualquer dia vai começar a ranger os dentes. Aliás, já começou. Os neo-escravos, mantidos pela coação do Estado, um dia vão derrubar os muros, conforme a letra da canção de Chico Buarque:

Meu amor, vi chegando um trem de candango
Formando um bando mas que era um bando de orangotango pra te pegar
Vinha nego humilhado, vinha morto-vivo, vinha flagelado
De tudo que é lado vinha um bom motivo pra te esfolar
Quanto mais tu corria mais tu ficava, mais atolava
Mais te sujava, amor, tu fedia, empesteava o ar
Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade
E, olha que maldade, me deu vontade de gargalhar
Ao pé da ribanceira acabou-se a liça e escarrei-te inteira
A tua carniça e tinha justiça nesse escarrar
Te rasgamo a carcaça, descendo a ripa, viramo as tripas
Comendo os ovos, ai, e aquele povo pôs-se a cantar.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Caminhando e sonhando


Acordo todos os dias às cinco da manhã e vou caminhar, desbravando as trilhas urbanas desta bela cidade de João Pessoa. Esse exercício idiota reduz o colesterol e melhora a autoestima. Para quem não tem dinheiro para investir em academia, é filé do pessoal da “melhor idade”.

Nas minhas caminhadas, vou observando o comportamento das pessoas. Tem os velhinhos sapecas, que fingem ter um vigor de moços, outros que seguem seu ritmo, alguns que só sabem caminhar conversando, o vovô que cumprimenta absolutamente todas as pessoas que passam por ele, a pé ou de bicicleta. Notei uma coisa: mulheres são muito competitivas. Dizem que as fêmeas rivalizam umas com as outras em tudo na vida. É verdade que as mulheres se vestem para as outras mulheres e não para os manés que somos nós? Na caminhada, se você alcança uma mulher que estava à frente, ela apressa o passo. Acho que pensam que estão tentando ultrapassá-las. Tem mulher que se perfuma para caminhar.

Um velhinho me irritava, caminhando na calçada estreita movimentando os braços lateralmente, sempre em sentido contrário. Nunca faltou um dia, até que deixou de aparecer. Doente? Morto? Sempre penso nele e na minha imbecil exasperação. Jamais falei com o cara. Devia ter uns setenta anos. Não sei por que associação de ideias, vem-me à cabeça o sonho fúnebre de uma amiga: ela não quer ser protagonista do seu próprio enterro. Vai doar o corpo para a Faculdade de Medicina. “Que coisa louca”, acham seus parentes. Pelo menos não desaparece para sempre como o ancião dos braços de moinho. Quando alguém morre, sentimos a angústia inútil de que não nos teria custado nada termos sido melhores.

A mulher de meia idade que caminha rezando, com terço na mão. A outra cruzando praças e calçadas com seu cãozinho de estimação. O bombado sendo arrastado pelo feroz Pit bull. A senhora deficiente física arrastando a perna mutilada. O casal que caminha de mãos dadas, com suas garrafinhas de água a tiracolo. A boazuda metida em sua malha de cores berrantes, salientando as formas voluptuosas. O sujeito com aparelho amarrado ao peito, para manter ou estabelecer a atividade rítmica. E acreditem: já vi até caminhante fumando seu cigarrinho às seis horas da manhã!

Certo dia, ao sair para caminhar, começou a cair água. Tenho pela chuva o prazer do vendedor de guarda-chuvas. Os caminhantes fugiram. Ficou uma senhora, esperando a chuva passar debaixo da árvore. Passei e cumprimentei, contrariando meu hábito indelicado de não falar com as pessoas, por pura timidez. Na outra volta ela me chamou para confessar: “Existe algo que eu não posso negar: Eu atraio boas pessoas! Entre duzentas que passam pela calçada da minha vida, sempre as melhores param pra me cumprimentar”. Agradeci e saí sem jeito, perturbado e surpreendido. Teria sido um papo de sedução? Jamais saberei, mesmo porque a simpática senhora também desapareceu das pistas.

Envelhecer é uma arte como outra qualquer. Vou exercitando essa arte pelas ruas, nas primeiras horas matinais. Enquanto caminho, resolvo os problemas em minha mente, e sonho. Resolver os problemas não no sentido de solucioná-los, mas de equacioná-los, o que não significa a mesma coisa. Com menos estresse e mais qualidade de vida. Recomendo a todos esse hábito idiota de caminhar em direção a lugar nenhum, para ter mais vigor e vontade de prosseguir.

domingo, 4 de abril de 2010

Negócio safado de putanheiro afamado


Putaria também é cultura: em Portugal, putanheiro significa “homem de respeito que frequenta prostíbulos e consome prostitutas.” Aqui se diz de qualquer sujeito lúbrico que se entregue à libertinagem. Putaria não é só devassidão. O putanheiro no sentido literário (aí é de lascar!) é o cara que escreve contos humorísticos/libertinos/safados. Um desses caras é o meu compadre Rui Vieira, de Campina Grande, que escreveu e teve a coragem de assinar o livro “Baú de Putaria”.

Outro grande putanheiro é nosso confrade Erasmo Souto, um cara que não conheço pessoalmente, mas de quem já ouvi muito falar, de bem, que ele faz tempos saiu de Itabaiana, ninguém lembra mais de suas presepadas, só ele mesmo. E conta com a maior cara de pau nos seus livros divertidos. Li quase todos, só falta um, que ele está preparando para lançar fora, como uma flatulência apressada. O livro tem o título de “Senvéigonhice de Matuto”. Pela placa de entrada, já se vê que se trata da mais fina produção abordando o amor sexual das bestas e dos relinchadores humanos.

Esse livro, ao ser finalmente lançado, escandalizará a sociedade conservadora, descrevendo as aventuras sexuais e semibiográficas de uma jumenta e seu dono bem dotado de rola e mal dotado de massa cinzenta, entre outras peripécias descaradas nos reinos animal, vegetal, mineral e devassal.

O livro também traz dicas para mulheres segurarem seus maridos, pelos chifres ou pela manjuba, entre outras utilidades domésticas. Enfim, “Senvéigonhice de Matuto” promete o mundo e o fundo, acabando por dar só aquilo que tem. Esse discípulo de Bocage terá a petulância de voltar à sua terra natal, Itabaiana, para vender seu livro de putaria no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, aproveitando para inaugurar um retrato seu na biblioteca comunitária Arnaud Costa. Certamente ele dispõe de muito tempo livre, um belo gosto por perversões e a completa falta de qualquer senso de discrição. É um aposentado, saudoso de sua terra e das personagens imortais, cujas anedotas Erasmo conta com grande senso de humor.

Esta alta cultura estará à disposição dos itabaianenses talvez em maio, durante o aniversário da cidade. Enquanto isso, Erasmo Souto vai mandar alguns trechos do livro para eu colocar devargazinho (epa!) na Toca do Leão, só para assanhar os futuros leitores dessa celebração da vida. Mesmo sem saber ler nem escrever, Biu Penca Preta já encomendou dez exemplares para vender no mercado negro da Rua das Flores e adjacências.

www.fabiomozart.blogspot.com

sábado, 3 de abril de 2010

Judas é preso pela Polícia Militar de Mari


Eram cinco em ponto da tarde, como no poema de Lorca. A ralé se divertia, malhando o Judas da Sexta-feira Santa, quando a polícia chegou, como num conto surreal de Gabriel Garcia Marques, e... levou o Judas preso.

O Judas estava amarrado no alto de um poste, com uma placa no pescoço onde se lia o nome do prefeito do lugar. O soldado subiu no poste e derrubou o Judas, que foi levado para a delegacia na mala da viatura. Em meio ao populacho, muitos vaiavam a polícia, outros gritavam e assobiavam desprezando o Judas, a maioria demonstrava seu desagrado ao prefeito.

Na delegacia, o delegado não estava presente mas deixou seu substituto, o zelador do prédio, um detento de bom comportamento que fazia as vezes de escrivão, carcereiro e responsável pela ordem geral no distrito. Com a autoridade que era possuidor no momento, depois de comprovada a ação em flagrante delito, o rapaz mandou trancafiar o Judas na única cela da delegacia, onde dormia um bebinho avinhado.

A prisão do Judas foi anunciada em primeira mão pela rádio comunitária, inimiga do prefeito e, portanto, amiga do apóstolo encarcerado. O radialista esclareceu que a prisão foi ilegal, já que o Judas teve tolhida sua liberdade de expressão. Um jornalista local apressou-se em repudiar a malhação do Judas, considerada uma “brincadeira maldosa onde se avacalhava seres humanos, principalmente sendo o prefeito alvo das chacotas, verdadeira falta de respeito, uma baixeza, uma humilhação a um homem sério e íntegro”.

A turma da oposição postou-se na frente da delegacia pedindo a soltura imediata do Judas. Um advogado de porta de cadeia, encontrando-se no seu local de trabalho, a porta da cadeia, apressou-se em redigir hábeas corpus para o Judas, vazado nos seguintes termos: “Judas Iscariotes, nascido na Judeia, de profissão ignorada, talvez o cidadão mais injustiçado da história da humanidade desde quando seguia uma turma que prestava culto a Jesus, já que sempre era citado por último na relação dos 12 apóstolos. Esse homem sempre é mencionado como pessoa egoísta e avarenta, sujeito de má índole. Na verdade, Judas Iscariotes foi um patriota, idealista pela liberdade do seu povo oprimido sob o jugo dos romanos. Foi um libertário, afirmador da identidade de sua gente, revolucionário que desprezou sua própria segurança em razão da luta contra a opressão. E agora, ainda mais essa injustiça de prender o homem por ter supostamente traído Yeshua e oferecer circunstância oportuna para o povaréu atribuir ao prefeito de um lugarzinho perdido no mapa a acusação de corrupto, analfabeto e que se submete ao controle de outros desonestos”. A petição não obteve deferimento.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A União Editora publica livro sobre líder camponês


O livro “Biu Pacatuba, um herói do nosso tempo” é composto por duas importantes obras escritas por Fábio Mozart, jornalista, dramaturgo e poeta paraibano.

Sob os títulos “Biu Pacatuba” e “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso”, os dois trabalhos deste livro foram escritos em versos de cordel. Narra a história de Biu Pacatuba, o primeiro presidente das Ligas Camponesas de Sapé, falecido em 1975. Na mesma linha, o livro faz um itinerário poético e histórico da cidade de Mari.

O livro será editado em regime de “Copyleft”, ou seja, sem restrições quanto aos direitos autorais. É a primeira obra produzida na União Editora com essa característica. “Todo mundo está autorizado a fotocopiar parte desta obra ou o todo e distribuir com quem desejar. Só não pode fazer uma reimpressão sem autorização do autor. Material livre também para circular na internet, desde que citada a fonte”, explica o autor.

A multimídia Clotilde Tavares, que assina a apresentação da obra, escreveu que “em boa hora Fábio Mozart faz esse registro biográfico para que a saga de nossos heróis não caia no esquecimento, alimentando com sua poesia, no peito dos verdadeiros brasileiros, a chama da liberdade.”

O lançamento está previsto para 20 de abril, dia do Poeta Paraibano, no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, em Itabaiana/PB.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Pedofilia à luz das religiões


O irmão Sanderli José da Silva, evangélico, faz circular na internet uma denúncia cabeluda: islamitas casam-se com crianças de 9 a 11 anos. A pedofilia, segundo o documento, é fato comum na sociedade muçulmana.

Fui pesquisar na mesma internet. Eis o que temos sobre a denúncia, em louvor ao dia da mentira: “Tudo isto que vai neste post é falso. É inventado pelos inimigos do Islã. Não existe. As fotografias foram montadas pela CIA, as notícias da BBC são manipuladas pelo MI5, os sites islâmicos que eu consultei são fachadas construídas pela Mossad. O Islã não tolera, não admite, não encoraja casamentos de menores nem casamentos forçados.”

Com quem está a verdade? O tema pedofilia tem quebrado a cabeça do Papa de Roma e de todos os religiosos das crenças tradicionais. Manchete de jornal em São Paulo: “Cresce o número de pastores pedófilos no Brasil”. Segue a notícia: “A Polícia Federal prendeu nesta segunda-feira, em Paranaguá (98 km de Curitiba), um casal de pastores evangélicos acusado de pedofilia. O pastor Francisco Vicente Corrêa Filho, 57, é acusado de estuprar pelo menos dez meninas, com idades entre 10 anos e 13 anos. A mulher dele, Elizabeth Graff, 41, é apontada pela PF como colaboradora dos crimes e aliciadora das meninas”.

E daí, a Bíblia fala sobre pedofilia? Se existem pastores, padres ou judeus pedófilos, pode-se condenar suas religiões por estes desvios de conduta?

Lendo a Bíblia, encontramos uma citação que é um verdadeiro estímulo a essa prática sexual: Números 31:17 – “Agora, pois, matai todas as meninas entre as crianças e todas as mulheres que conheceram homem, deitando-se com eles.” – Números 31:18: “Mas todas as meninas que não conheceram homem, deitando-se com eles, deixai-as viver para vós”.

Da leitura ressalta o seguinte fato real daquela antiguidade: praticava-se a pedofilia em larga escala e essa rotina era incentivada pelo Deus que ditou as tais “Sagradas Escrituras”. Sem falar na crueldade manifesta nessas ordens divinas. Naquele tempo se permitia a pedofilia. Leio em site português que Maria tinha 13 anos quando teve Jesus.

Hoje padres e pastores abusam de crianças, e em confissão um desses padres disse que Deus permite essa perversão. Ele certamente leu a citação acima.

Meu caro Sanderli, quem promove a prostituição infantil na Tailândia, no Cambodja e no Brasil miserável e injusto não é o muçulmano, mas o cristão evangélico americano e o católico italiano, o anglicano da Inglaterra e o civilizado cidadão da Suécia. Se você ligar isso à religião, entramos no domínio da paranóia geral. Unidos pela fé e pelo “prazer de saborear meninas e meninos virgens”, os torpes pervertidos vestem batina ou paletó, usam mantos orientais ou solidéus judeus. Os reis católicos da antiguidade casavam com meninas de 12 anos de idade.

O que devemos denunciar é a pobreza que leva mães a vender a virgindade de suas filhas, situações que ocorrem no Nordeste brasileiro ou nos confins do mundo árabe. São casos extremos de degradação que não passa por fé religiosa. A poligamia também era um costume tolerado pelas sociedades antigas. Hoje, como a prática já não é forte, não falta quem não cite o Alcorão para criticar. Maomé teve mais de quatro esposas, e daí? Eram uniões simbólicas e políticas, de laços entre as tribos, sem qualquer conotação sexual. Se bem que nas imensidões dos desertos, em suas tendas à noite, alguns beduínos ou tuaregs cansavam de suas camelas e copulavam com alguma esposa, dele ou do vizinho de barraca.