quarta-feira, 31 de março de 2010

Vladimir Carvalho e a memória cultural


Aos setenta e cinco anos de idade, o cineasta itabaianense Vladimir Carvalho doou todo seu acervo cultural, inclusive a casa onde vive em Brasília. Nessa casa, Vladimir como que construiu um roteiro cinematográfico. Na sua morada, o documentarista montou um pequeno museu do cinema brasileiro e entregou tudo à Universidade de Brasília. O criador do “País de São Saruê” juntou mais de 3 mil livros, seus 21 filmes, todas as fotografias e os equipamentos, dando de mão beijada à cidade onde vive, tudo pela preservação da memória brasiliense.

Do acervo de Vladimir também constam cartazes, câmeras raras, fitas de vídeo, revistas, negativos, cartas e imagens de mestres como Mário Peixoto, Glauber Rocha e Rogério Sganzerla. Em 1954, ainda garoto, ele comprou o “Dicionário ACB Cinematográfico”. Foi um dos seus primeiros livros. Está lá na sua biblioteca que agora é da comunidade brasiliense.

Em Itabaiana, Paraíba, sua terra natal, o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar vai inaugurar o Cineclube Vladimir Carvalho em 23 de maio, com a presença do próprio. Na cidade paraibana de Cajazeiras existe, há 34 anos, um Cineclube Vladimir Carvalho, criado pelo ator Ubiratan de Assis, que foi colega do meu irmão Sosthenes Costa. Cineclubes são opções de cinema para quem gosta de filmes com conteúdo mais profundo e questionador. Com moderno equipamento digital, teremos condições de mostrar boa parte da produção audiovisual da Paraíba e do Brasil, como contribuição para a cultura de Itabaiana, destinado principalmente aos estudantes.

Coincidentemente, hoje é 31 de março, aniversário de 46 anos do golpe militar que proibiu o filme “País de São Saruê” por mais de 20 anos. A obra é um documentário sobre a vida de lavradores, garimpeiros e outros moradores do nordeste brasileiro, filmado em preto-e-branco e realizado no fim da década de 1960.

Não vou falar de outros acervos para não sofrer censura, que ainda existe apesar do fim da ditadura.

terça-feira, 30 de março de 2010

Cultura do ódio


Um amigo de Itabaiana, de minha geração, alguém que pensa um pouco além do próprio umbigo, com um mínimo de atenção ao interesse público, me procurou pedindo para escrever alguma coisa a respeito de uma realidade triste na nossa cidade, que é a rivalidade política levada às últimas consequências, gerando ódio, discriminação e injúria.

A política partidária sempre foi um elemento fundamental no imaginário social itabaianense. Não vai longe o tempo das brigas políticas do Dr. Antonio Santiago contra o líder José Silveira, de Josué Dias versus Padre João, sempre uma ala contra a outra em lutas eleitorais memoráveis. Mas quando terminava a batalha, todo mundo voltava a ser amigo, os contendores demonstravam apreço entre si. Nas festas da Conceição, os pavilhões dividiam apenas as meninas do Azul e do Encarnado. Os políticos estavam juntos, confraternizando, em um tempo no qual a ética e o cavalheirismo ainda respiravam.

Os puxa-sacos sempre existiram, porém acho que antigamente até esses piolhos tinham mais dignidade. Hoje o que se vê são figuras sem talento, mas hábeis para fazer maldades, sempre esvoaçando em torno do chefe, criando intrigas e mexericos. No nosso mapa de navegabilidade social, esses elementos são uma espécie de alga venenosa, organismos que vivem de outros organismos, provocando o mal e a discórdia, atrasando o progresso e aviltando a dignidade humana. Quando vejo essa gente abanando o rabo como cachorros servis, penso que esse pessoal é a pior praga do século XXI. Eles brotam da sombra de quem tem o poder. Um pouco de História: de acordo com o professor Mário de Melo, o termo “puxa-saco” teria surgido nos quartéis militares. Isso porque os soldados eram obrigados a carregar alimentos e roupas em sacos, tanto os próprios quanto os de seus superiores hierárquicos. Puxar esses sacos virou sinônimo de submissão, e os “puxa-sacos” passaram a definir todas as pessoas que bajulam aqueles que, em seu campo de visão, estão um passo à frente. Então o soldado puxa o saco do cabo, que puxa o saco do sargento, que por sua vez puxa o saco do tenente.

Mas a grande tragédia de Itabaiana nem é o puxa-saco, e sim a cultura do ódio político que envenena as relações sociais. Além disso, causa imenso prejuízo para o serviço público. Porque, segundo Hannah Arendt, meditando sobre a “banalidade do mal”, não há ódio pessoal na máquina burocrática, mas o cara que opera essa máquina está carregado de ódio. Assim, ele vai perseguir o adversário político e beneficiar os amigos, vai simplesmente procurar exterminar qualquer ideia ou ação, mesmo a mais benéfica para o povo, se a sua origem é alguém ou alguma instituição “do lado de lá”. Por isso o atraso da cidade.


O que acontece em Itabaiana certamente é “moeda corrente” na grande maioria das demais cidades pequenas desse imenso Brasil, que contabiliza o absurdo de quase 6.000 municípios. Entretanto, sem saudosismo, antigamente não se pisava tanto na ética, havia mais harmonia e superação de baixas paixões.

segunda-feira, 29 de março de 2010

Sinceridade demais e amigos de menos


O maestro Vital Alves é meu amigo. Mostrei a ele uma música que outro amigo potiguar compôs para um poema de autoria deste poeta bissexto e bichado. Sete e meio foi a nota que o maestro deu para o conjunto música/letra. Tirando a boa vontade e consideração do amigo, acho que fiquei com uns cinco, e olhe lá!

Neste mesmo dia encontrei o compadre Geraldo Aguiar, jornalista notabilizado pela sua tenacidade em editar o jornal literário “Itabaiana Hoje”. Foi logo me abordando sobre uma crítica que fiz a respeito do hino de Itabaiana, de autoria do escritor Reginaldo Alves, que mora em Mato Grosso. Perguntou se poderia haver uma réplica do juízo de valor que fiz daquele hino. Claro que pode! Só não acho bom o sujeito ir logo me processando, sem antes pedir direito de resposta. Se eu soubesse que o hino é obra de Reginaldo, não falaria dele. Sejamos sinceros: às vezes não é mais adequado a gente deixar a sinceridade de lado? Tem gente que perde o amigo, mas não perde a oportunidade da crítica.

Um cara meio maluco lá pras bandas de São Paulo chamado Ferrez escreve certas “verdades” em livros, revistas e na internet. De vez em quando quebra a cara e leva um processo pelas fuças. É dele o que segue: “Uma pessoa que é sincera vive sozinha, numa sociedade em que ninguém quer ser posto diante da realidade. A pessoa sincera não tolera mentiras e não gosta de conviver com egos inflamados. Somos todos marionetes, mas acho que ainda vale a pena ser sincero”.

Sobre sinceridade, vejam o que um maluco sincero escreveu numa faixa: “Lu, eu te amo, mas prefiro tua irmã, Rô”. Para meu compadre Ivaldo Gomes, anti-voto de carteirinha, a sugestão de votar no Partido da Completa Sinceridade que tem como lema: “Confie-nos seu voto. É muito provável que se arrependa”.

Mas tem nada não. Vou me redimir com o escritor Reginaldo Alves, como exercício para compreender como a sociedade de fato funciona. Sua dimensão essencial é a aparência. Quase todos sabem disso como fato, eu às vezes me faço de desentendido e me meto a escrever sem intenção de enganar e mistificar. Ou perco o amigo ou respondo processo na Justiça. Pra aprender a ser dissimulado, hipócrita e falso. Em todo caso, prefiro as pessoas transparentes, embora eu próprio seja um mentiroso profissional. Os sinceros sabem que quem não é fiel à sua consciência tem uma dívida impagável consigo mesmo.

Outro dia me contaram uma piada a respeito do prefeito de Mari, meu amigo Antonio Gomes. Como também sou do tipo que perco o amigo, mas não perco a piada, lá vai: no aniversário de Antonio Gomes, os puxa-sacos discutiam que presente lhe dar. Relógio, paletó, lenço, isso ele tinha muitos. Alguém sugeriu um livro. Livro não, falou um dos caras, ele já tem um. De colorir.

domingo, 28 de março de 2010

Cavalgando na planície da solidariedade


De tanto eu escrever sobre o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, dois cavaleiros cheios de curiosidade se abalaram do Rio Grande do Norte para Itabaiana com o propósito de ver, ouvir e conhecer essa experiência sócio-cultural. São eles José Paz de Melo e José Mário Pacheco. Esses dois josés efetivamente estiveram no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, conheceram a Biblioteca Comunitária Jornalista Arnaud Costa e foram muito bem recebidos pela jornalista Clévia Paz, que explicou o funcionamento do Ponto de Cultura. Pacheco disse que ficou encantado com a escola de música.

Essa visita se deu em 19 de março, coincidentemente dia consagrado a São José, santo de devoção dos dois josés peregrinos, empreendedores de longas jornadas pelas terras do “bem virá”. Zé Mário resolveu na hora: destinaria 20% das vendas dos “kits” da IV Cavalgada da Integração João Duré, vendidos na Paraíba, para compra de instrumentais da escola de música e do conjunto “Ganzá de Ouro”.

A Associação para o Desenvolvimento Comunitário João Duré fará essa doação. A entidade será oficialmente fundada em 29 de março, amanhã (estou escrevendo no domingo, 28), e já opera em todo o território nacional, promovendo a “Cavalgada da Integração João Duré”, este ano em sua quarta versão. Essa cavalgada já famosa se dá entre as cidades de Macaíba/RN e Itabaiana/PB, saindo da fazenda Jatan, de Zé Mário. Vem gente de muitas ribeiras participar dessa festa de vaqueiros. Este ano, serão distribuídos 40 mil folhetos sobre prevenção de câncer de pele durante o percurso. E tem o projeto “Crie uma cabra”, para garantir segurança alimentar às populações pobres do interior. Vão repartir trinta novilhas de cabra e três reprodutores entre famílias pouco favorecidas.

João Rodrigues de Almeida, o João Duré, foi um agropecuarista de Itabaiana, irmão de José e Severino Duré, patriarca de tradicional família de minha terra. Pelo seu jeito íntegro e autoridade moral, era chamado de Coronel João Duré. Dedicou-se à vaquejada na sua fazenda Bom Sossego, alcançando grande prestígio neste esporte genuinamente nordestino. Seu neto, Dr. José Mário Pacheco, homenageia a conduta exemplar e o carisma do avô com essa Cavalgada da Integração.

Agradecemos, sensibilizados, o gesto de Zé Mário Pacheco no sentido de ajudar este projeto sócio-cultural do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. Atitudes como esta realmente honram a “magnitude das ações e a idoneidade ilibada do Coronel João Duré”.

sábado, 27 de março de 2010

A aurora do poeta


Antonio Costta pediu a Deus que lhe desse um estilo tão natural e mínimo como a liberdade limpa do voo do anum, para cantar a fé e o amor. Sensibilidade não lhe falta, acredito. Tal pedido gerou as primeiras formas poéticas, recalcitrantes, do vate do Pilar. Mas Deus, na sua infinita sapiência, não cria as formas já definidas. Vai nascendo aos poucos o perfil da invenção, até a perfeição da forma e da alma.

Há um claro avanço no percurso de Antonio Costta rumo à poesia que traz no âmago e que lentamente aflora. Seu último livro, “Coletânea Poética”, representa a nova geração do seu gênio criador. Consegue ser ingênuo na aparência e profundo na essência. Na alma sonora do poeta já se vislumbra o enigma de uma densa criatividade.

Agradecido, Antonio Costta “chama o Senhor em oração”. Não se imagine que seja fácil falar de fé e de amor. Originalidade nestes temas é uma concha perdida no mar do discurso, a pedra de toque sempre pretendida, nunca à mercê. A ideia parece sempre escapar às formas da representação. Mas o “juntador de palavras” persegue com obstinada resistência a percepção do sentimento do mundo lírico, engendrando seu trabalho nos termos de uma constante vitória do enlevo poético sobre o banal e o já dito.

O universo sensível se materializa em versos aparentemente sem profundidade. Pouco importa se ele quer “despertar o alvorecer da aurora”. Na lata do poeta “se tira o que não tem e se bota o que não cabe”, conforme sustenta Pinto do Monteiro, esse gênio do improviso. Poesia é jogo de palavra, é metáfora da metáfora. E quem sou eu para questionar a aurora do poeta?

“Ilumina meus versos, ó meu Senhor”, suplica Antonio Costta. Calcado na sua fé, o poeta pilarense/itabaianense constrói seu próprio plano de consistência, sem medo da rima e da métrica. O amável “juntador de palavras” me convida para escrever algumas linhas sobre sua “Coletânea Poética”, que li procurando algum foco na temática/problemática social, que é o tom das minhas próprias composições. Trata-se de um livro de poesia sobre os olhos da amada e a força de Deus, análogo aos Cantares de Salomão. Não cabe blablablá existencialista nem denúncia social. Só de vez em quando, de um jeito que lembra Gilberto Gil nos tempos da Tropicália, cantando as mazelas dos joãos que trabalham na feira e na construção civil.

É dia santo
É feriado
É João Brasil
Desempregado
Desquitado
Processado
E confinado
Numa prisão.

Numa prisão
Acorda João!

Daí apareceu a revelação de compositor que é o nosso Vital Alves, musicando o poema com originalidade e modernidade. Deus, na sua infinita sapiência, consagrou as palavras de Antonio Costta para os acordes dissonantes do maestro, uma mistura que promete. A fúria santa do poeta embalando os tons e semitons do músico, no consagrado recinto que é a vida.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Sonhando coletivamente


Embrionário na barriga do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, o grupo “Ganzá de Ouro” recebe acalanto de pessoas esbanjadoras de sentimentos de adesão a iniciativas como esta. Um deles é meu compadre Benjamim, que lá da terra da Borborema assim se expressa: “E ali, num recanto de Brasil, mãos em brasa, coração pulsante, o delirante Mozart conduz, junto com seu povo, a pura arte brasileira. Alan, Rangel Junior, Vladimir, Fidélia, Bruno, Jomar, Janailson, Patrícia, Niu Batista, Márcio,
merecem conhecer o que se faz com arte nas bandas de Itabaiana. Gênio das gentes da terra, maestria do Mestre Fábio.”

Obrigado, meu amigo velho, pelas amáveis e poéticas considerações. Eu não sou mestre de nada. Não sou músico. Não sou professor. Não planto nem um pé de coentro, não sei a tabuada de cor e em matéria de literatura sou um ignorante. Mas sei ter sonhos, só delírios, nada de pesadelos. E nisto estamos todos de acordo com o sonhoso Raul Seixas: “sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade”.

Minha amiga dileta, a competente e valorosa jornalista Kátia Rogéria, com seu espírito prático assim processou a informação da criação do “Ganzá de Ouro”: “Lindo Fábio! Tem ‘alma’ nesse seu texto. Conseguindo transferir para esse novo grupo musical o espírito de realização que você deixa transparecer nesse texto/ideia/planejamento, então será mesmo uma maravilhosa realização. Ainda que se concretize aos poucos, passo a passo, para que a caminhada seja firme e eternizada, como expressões verdadeiras da cultura, inclusive, e especialmente neste caso, da tão acessível quanto (muitas vezes) esquecida cultura popular. Felicidade e vá em frente! Abraço, Kátia.”

Vou em frente e já adiantando uns adjutórios, ou promessas de auxílio do nosso patrício Zé Mário Pacheco, honrado e dinâmico itabaianense que mora em Natal. Zé promove todo ano uma Cavalgada de Natal a Itabaiana, chegando aqui no dia do aniversário da cidade, 26 de maio. O evento tem um lado filantrópico. Ao ler a crônica sobre a banda regional “Ganzá de Ouro”, Zé Mário não hesitou em colocar-se à disposição para ajudar na compra de instrumentais que faltam, com parte da arrecadação da venda dos kits. Não me atrevo a declinar de tão nobre ajuda.

Na foto, o Ganzá de Ouro começando a bater no bombo e soltar a voz.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Tocata de sonhos


Vi uma banda tocando músicas do tempo em que eu me deliciava com a rabeca de Biu e a sanfona de Hermínio, aquelas melodias lindas que a cirandeira Arlinda Verdureira cantava com a alegria dos puros nas noites de Natal em Itabaiana. Quase posso reproduzir de memória os acordes do violão famoso de Artur Fumaça nas barracas da bagaceira, nas festas de Nossa Senhora da Conceição. O conjunto regional Asa Branca encanta o público com suas letras irônicas e bem humoradas, e a vocalista deficiente visual mostra o quanto é bom ser artista, e como vencer limites. Nisso veio a ideia de formar uma banda regional no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. Reunido o coletivo, escolhemos o nome: “Ganzá de Ouro”. Quem sabe tocar um instrumento, toca; quem não sabe, canta. Quem nada produz em matéria de música vai desenhar o figurino, mexer com as coisas da produção. Assim nasceu o “Ganzá de Ouro”, com a proposta de recuperar o cancioneiro popular nordestino, injetar sangue bom na moléstia que traz a putrefação de nossa cultura.

Estaríamos pregando no deserto? Pois fiquem os senhores sabendo que a expressividade dos nossos sons de raiz ainda encontra eco no meio da juventude. Val tem 31 anos, é oficineiro do Ponto de Cultura e se dispõe a tocar pandeiro no “Ganzá de Ouro”. Zé Severino, um rapaz de 25 anos, mostra-se sinceramente interessado em exibir seus dotes de tocador de alfaia no nosso grupo musical. Os maestros Vital Alves e Josino Mendes nunca viram tanta animação em um grupo de jovens para ensaiar as músicas centenárias da Barca, levantar a bandeira do Fandango dos cavaleiros mais nobres de nossa cultura. É aparência de vida e despertamento o que se repara na moçada, preparando-se para essa viagem ao imaginário perpétuo de nossa música fundada na tradição, que tem real valor artístico e humano.

Não apaguem os lampiões da Rua das Flores nem queimem agora as flores da lapinha. Não duvidem porque a moçada do Ponto de Cultura já armou o mastaréu, que é o mastro da Nau Catarineta. Tudo autoriza a afirmar que o folguedo dos marujos vai descer de Cabedelo para cantar e dançar o espírito libertário da Paraíba no ritmo dos corpos dos brincantes. O coco de roda do velho Pabulagem vai voltar a reunir os grupos de negros vocacionados para a expressividade dos sons que vieram da África. A terra do Tenente Lucena, feito uma contradição do tempo, vai exibir seus novos brincantes porque a memória e a manifestação do belo ainda não foram revogadas, apesar desse instante-acidente. O balé popular das areias da praia, a dança graciosa e ritmada pelas ondas do mar de uma ciranda já faz a roda e chama para o círculo os que estão fora do movimento rotativo de nossa cultura de raiz. A comadre Das Dores já veste sua saia longa de tecido estampado e blusa branca para dançar o “cabôco-véio”, a “cana verde” e a “choradinha”. O mestre cirandeiro é Fred Borges, que sola ao som da zabumba de Normando Reis e o ganzá de Edglês.

Acontece tudo isso para anunciar que João Redondo de Chico do Doce já se encontra na tolda do mamulengo para participar ao respeitável público que o Bumba-meu-boi de mestre Zé Leiteiro e os caboclinhos de Mocó tomam lugar no cenário e começam seu entrecho dramático-carnavalesco, para honra e glória de Pai Francisco e Mãe Catirina. Tudo isso ao som da flauta barroca em fá do mestre Josino Mendes e da viola célebre do maestro Vital Alves. Eu vou tocar meu humilde violão para dançarem a Burrinha, a Ema, a Catirina, o Mateus e o Bastião do Cavalo Marinho. Depois é louvar o Menino Deus, lembrando as jornadas esplendorosas de “Boi de Bico” com seu pastoril profano e a lapinha cristã de dona Amélia.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Carta de Kátia Rogéria


Poeta Agenor Otávio

Oi Fábio,

Interessante ver como sua “vida de aposentado” é movimentada e produtiva! Só achei muita coisa, para dar conta de tudo direitinho, não é mesmo? Mas, para quem trabalha em liberdade, naquilo que faz com prazer, o tempo deve render muito mais, acredito. Mas acho também, Fábio, que nada é inútil nem medíocre em termos de fazer ou produzir alguma coisa quando se faz uso, honesta e dedicadamente, de qualquer capacidade de que seja dotado um ser humano. Já pensou o que seria dos poetas, artistas, filósofos, pensadores de toda natureza (com os quais, por índole, me identifico muito) se o mundo girasse apenas em torno deles? Como sobreviveríamos heim? Você, por exemplo, deve ter em torno de si, mesmo nesta fase de “aposentado produtivo, sem jeito para a vida prática”, muita gente pragmática , para conseguir dar conta das exigências cotidianas dessa vida, não é mesmo? Então, em se tratando de fazer alguma coisa, acho mesmo que tudo é válido (para os vocacionados, claro), até bater ponto (ainda) todo dia e repetir algumas mesmas atividades, desde aquelas menorzinhas até as mais complexas, do início ao fim da “vida ativa”, desde que não se faça disso um exercício de escravidão, com a idéia de que nada muda mesmo quando se deseja. Aí é mesmo anular-se e perder a chance de ser o que se quer, e pode ser!

De qualquer forma, nesse maravilhoso (e aparentemente infinito) mosaico dos “tipos humanos” deve ser mesmo interessante, nem que seja de vez em quando (para quem não está ainda na “aposentadoria produtiva”) poder “viajar na juventude e ao mesmo tempo martelar no ideal de criar novas aventuras culturais para as gerações futuras”. Felicidade para você e os que lhe acompanham, em tudo o que fizer de bom! Só não esqueça a importancia dos pragmáticos viu?

Um abraço,

Kátia Rogéria

PS - Interessante a idéia de comemorar o Dia do Poeta Paraibano dessa forma, no Ponto de Cultura. Será que não valeria a pena convidar aquele cordelista de que falei? Lembrei também de outra pessoa, esta de Itabaiana, que vem se revelando um "inesperado poeta", mesmo sem nenhum academicismo ou até formação cultural formal. É Agenor, que faz alqueles poemas simples, às vezes ingênuos e sem tanta rima, mas também registra inteligentemente muita coisa da cidade. Acho que poderiam convidá-lo para mostrar alguns poemas selecionados que falassem de Itabaiana. O que você acha? Ele está, inclusive, para lançar um segundo livro, falando de itabaianenses que já se foram. Pode ser uma presença interessante também nas comemorações.

terça-feira, 23 de março de 2010

Nevinha dos dinossauros


O artesão é Tôta, que desde menino mexe com o barro, transformando a argila em panelas, caldeirões, quartinhas e jarras. É daqueles artistas que fizeram a fama de Itabaiana, como uma das cidades que mais produziram peças de cerâmica utilitária. Isso nos antigamentes, que hoje as louças de barro perderam terreno para as panelas de aço. Nas duas fotos que publicamos, se vê a feira de louças de barro em dois momentos; nos anos 80, ainda com certo movimento, e no final dos 90 já declinando para a decadência total. Hoje quase não se vê panelas de barro na feira de Itabaiana.

Mas quero falar é da mulher de Tôta, essa artista hoje consagrada no universo do artesanato da Paraíba e do mundo. Ela ficava só olhando e admirando o trabalho do esposo. Passou a ajudar no trabalho, descobrindo que tinha o dom de transformar o barro em peças, dedicando-se a fazer esculturas de animais pré-históricos, inspirada no Vale dos Dinossauros no município de Sousa, alto sertão da Paraíba. Essa itabaianense com sangue de índio e de negro despontou então para o mundo com um trabalho admirado hoje em exposições, feiras e congressos no Brasil e exterior.

As réplicas dos bichos já extintos deram fama a Nevinha. Ficou conhecida como “Nevinha dos Dinossauros”. Alguém a encorajou a divulgar sua arte e de outros artesãos em Itabaiana, transformando a cidade em um polo de artesanato de barro, criando um centro de comercialização e uma cooperativa para dar a devida projeção ao trabalho desses artistas. Esbarrou na burocracia, na má vontade dos gestores públicos e na falta de costume dos artistas para a união em torno de objetivos comuns.

Não posso esquecer de citar aqui as panelas pretas famosas dentro e fora do Brasil, produzidas por Nevinha Paiva e Tôta, seu esposo, com mais de 30 anos de experiência. As panelas não são pintadas. Nevinha não revela sua técnica, cujos produtos são peças de um negro reluzente e esteticamente belas. Também não é para esquecer o apoio que nossa artista recebeu do Programa de Artesanato Paraibano. Graças a esse programa, Nevinha ganhou mercado até foras do país, com sua arte rústica e elegante em cerâmica natural.

Nevinha será uma das artistas a depor no documentário que estamos projetando no Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. As próximas gerações de itabaianenses ficarão então sabendo quem foi Nevinha e o valor do seu trabalho. O filme celebrará mais de um século de arte e cultura em Itabaiana. O sempre competente cineasta Jacinto Moreno fará a fotografia, com roteiro e direção deste repórter que vos fala.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Toca do Leão reflete no Tocantins

Olá velho Fábio,

Segue pra você um bilhete (veja lá embaixo) de um cidadão campinense que hoje vive no Tocantins. Pepê foi um artista da vanguarda campinense lá pelos anos 70/80. Negro. Figura influente, mexia com música, teatro, escambau. Cara de uma dinâmica fabulosa, sempre alegre e muito querido.
Sumiu... Há poucos dias o milagre da internet me põe cara a cara com Pepê, para meu regozijo. Tá muito bem pois continua fazendo o que gosta: arte. E faz arte com o povo, para o povo. É professor lá no canto onde resolveu apear-se do cavalo. Tem uma biblioteca em casa, que já soube por outras vias, que sua casa não fecha as portas em nenhuma hora do dia. Ela é a casa dele e de todos...
Bem, daí dá pra você tirar uma 'lasquinha' de quem é este fabuloso Pepê.

Atenciosamente,

Benjamim


Olá, Pepê,

Fábio é um desses rapazes que a vida nos dá de presente. O cara é das bandas de Itabaiana (porque também é de Timbaúba, Mari e João Pessoa).
Metido! Um metido do bem, se mete, faz e faz bem. Acho que meio tipo o que você anda fazendo por aí nesses "rincões" do Tocantins. Um trabalho com profundo compromisso social sem espera de retornos pecuniários. Um cara que não se vende e através das artes e toda a potencialidade que ela oferece põe a vida a serviço da vida.
Jovens, crianças e adultos constroem, com certeza, um mundo novo. Pelas mãos do mago Fábio Mozart, ali, pelas bandas de Itabaiana, Mari e João Pessoa.
Encantados, só temos que nos alegrar, celebrar e divulgar. As janelas onde podemos ver a 'obra' de Fábio: http://pccn.wordpress.com e www.fabiomozart.blogspot.com
Abraço,

do Irmão Benjamim.

Benjamim:

Muito bom o texto, grato, eu estou tentando lembrar se eu o conheço ou já vi ou li alguma coisa desse Sr. Fábio Mozart, é do "nosso" tempo? Mas se o conhece diga-lhe que li e é ótimo e passo para mais amigos o texto. Abraços.

Pepê

domingo, 21 de março de 2010

Trabalhar cansa mas elogio nunca é demais


A terapia do elogio melhora qualquer vivente.

Rangel Júnior, o rapaz que escreve abaixo, é professor de Psicologia e ProReitor de Planejamento da Universidade Estadual da Paraíba. Ele leu minha crônica “Trabalhar cansa” e mandou essas considerações:

"Há tempos não lia um tratado tão curto e denso, humano, profundo sobre o ócio, incluindo a preguiça, o mundo mundano dos comuns e a vagabundagem criativa e produtiva.

A diferença está em que a produtividade não visa gerar lucro nem a chamada perpetuação do histórico sistema explorador. Por estas veredas é que o homem deixa de ser mercadoria e se humaniza verdadeiramente.

É quase um sonho, porém alcançável.

A crônica “Trabalhar cansa” caberia em qualquer boa aula de sociologia, psicologia, história, economia, humanidades...

Ganhei meu dia.

Abraço,

Rangel Júnior “
rangeljunior@msn.com

sábado, 20 de março de 2010

Enfim uma carta escrita à mão


Depois de muito tempo, recebo uma carta escrita à mão, entregue pelo carteiro, junto com livro de poemas de Cancão (foto), nome artístico de João Batista de Siqueira, cantador de São José do Egito, o maior viveiro de poetas cantadores do Nordeste brasileiro, terra de estrelas como Jô Patriota, os irmãos Lourival, Dimas e Otacílio Batista e muitos outros improvisadores. O remetente, e organizador do livro de Cancão, chama-se Lindoaldo Campos, filho de São José do Egito e hoje vivendo em Caicó, no Rio Grande do Norte. Esse rapaz leu em meu blog que escrevi um livro sobre o poeta Manoel Xudu, e como ele é grande admirador desse artista de São José dos Ramos, enviou mensagem pela internet solcitando um exemplar da obra, cuja edição está esgotada. Remeti meus livros “Democracia no ar” e “História de Itabaiana em versos”. Em retribuição, o prezado leitor me presenteia com o livro do Cancão.
Eis a carta do gentil confrade:

Poeta Fábio Mozart:
Agradeço imensamente os seus livros, que bem testemunham a sua quixotesca peleja em favor de dois valores para mim fundamentais: a identidade e a liberdade, uma arrimada na outra. As quais, penso, somente e desde sempre se alcança na luta, não através, mas na luta propriamente que se confunde com a própria vida. E lembrei, a propósito de seus livros, outro bardo: Gonçalves Dias, engenhoso fildalgo d’outras plagas:

Não chores, meu filho,
Não chores que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.

Amalungados dantanho, como vejo da referência à minha terra, São José do Egito, e das andanças que outrora empenhei pela região de Itabaiana, como quando em demanda de Manoel Xudu, enveredando por São José dos Ramos, Pilar, e pude confabular com o poeta Zé Brito, companheiro do mestre durante muito tempo.

Pegando na deixa, envio um exemplar de “Palavras ao plenilúnio”, do poeta Cancão, que (noutra feliz coincidência) teve a honra de ser avalizado pelo FIC Augusto dos Anjos numa primeira tiragem. De modo que segue um passarim gorjeador, que lhe traga um mói de sombra de juazeiro, que é a sombra mais aguada do mundo.

Grande e fraterno abraço,

Lindoaldo Vieira Campos

sexta-feira, 19 de março de 2010

Trabalhar cansa


Por ter trabalhado durante 25 anos em atividade insalubre na estrada de ferro, fui aposentado aos 48 anos. Desde então virei vagabundo, conforme pensamento do abjeto Fernando Henrique Cardoso.

O título deste post é o mesmo da principal obra poética de Cesare Pavese. O poeta fala das pessoas que são incapazes de entrar no ritmo da vida de pessoas ditas normais, que é a do “cidadão comum como esses que se vê na rua”, outra referência de outro bom poeta, o Belchior. Essa gente “honesta, boa e comovida” subsiste numa vidazinha medíocre, reiteração diária de atos inúteis. Os que não se enquadram nessa realidade, os marginais, vagabundos, velhos improdutivos, crianças idem, prostitutas e aposentados, os que não têm uma atividade produtiva para o sistema, simplesmente entram na cota dos ociosos, indolentes e vadios.

Compreendo que minha indolência é irreparável. Deixei de ser fértil para o sistema, impus a mim mesmo outra rotina de criação. Acordo às cinco horas da manhã, consagro mais de doze horas por dia para dar conta de miudezas nesse invisível labirinto de tempo ocioso dos aposentados. Voltei a marcar meu próprio ritmo, sem horário e sem patrão, ziguezagueando entre uma composição literária e um projeto de filme, mexendo hora com internet hora com meus alfarrábios antigos, anotações do tempo em que escrevia com caneta, viajando na minha juventude ou martelando no ideal de criar novas aventuras culturais para as gerações futuras.

De vez em quando busco algo mais efêmero e prazeroso sob o notório influxo de velhos camaradas em roda de hedonistas sem um ponto central de negócios, vivedores descomprometidos com as regras esquematizadas da sociedade de consumo. Do fundo dos aconchegantes “pés sujos”, faço poesia agradecendo e venerando a recriação da vida pelos bêbados e espirituosos, vivazes e provocadores de mesa de bar.

Quando fico visível e vulnerável é na hora de pagar as contas, administrar a vida prática, passando à aniquilação dos que não têm experiência nem perícia na arte de dirigir a vida real, concreta. Nesta “zona do agrião” sou um amador, perna-de-pau incompetente. Zona do agrião é a área do campo de futebol onde acontecem as jogadas mais perigosas, ou seja, na grande área.

No momento, meu tempo é tomado pela edição de dois jornais mensais e redação de três livros. Ainda aplico as energias na coordenação de um Ponto de Cultura, produzo um grupo de música regional, administro um cineclube, ensaio peças teatrais, escrevo e dirijo roteiro de documentário em vídeo, estou atualizando diariamente quatro blogs na internet, tomo parte na direção de uma rádio comunitária e gerencio uma biblioteca, além de organizar e cuidar da logística de eventos artísticos e culturais da Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba. Nas horas vagas, cuido da produção de conteúdo para uma rádio web. Mas não trabalho, gozo de aposentadoria. Porque trabalhar cansa!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Como transformar uma moça direita em combatente de esquerda


Quando fui morar em Mari em 1988, apaixonei-me por uma mulher chamada Marizete Vieira. Não no sentido amoroso. Abstraia-se o elemento sexual, posto que minha admiração é restrita ao campo das ideias, e minha homenageada sempre se conservou casta, pura e desprovida de paixões cegas, materiais, efêmeras e falsas. Sua vida se fundamenta na virtude, na dedicação aos princípios da lealdade, honestidade e amor ao próximo.

Não se diga, com isso, que Marizete Vieira é um protótipo de santa. Mas é uma pessoa que aprendeu a encontrar a verdadeira alegria e a paz no amor e dedicação ao próximo. Católica fervorosa, Marizete tenta refletir em sua vida pessoal os ensinamentos do Grande Mestre.

Ainda garota, foi trabalhar no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Mari como datilógrafa. Depois, fez concurso no Estado e assumiu o sacerdócio da educação. Como mestra, autodidata extraordinária, procurou ultrapassar os limites da escola pública, desenvolvendo métodos a partir de estudos sobre didática do ensino, com novas estratégias e dinâmicas, adotando a filosofia da qualidade e da melhoria contínua. Professor da escola pública com iniciativa, que procura seus próprios caminhos em busca de alternativas novas para ensinar, é mesmo uma raridade. Mas é assim Marizete, e assim formou centenas de alunos que hoje reconhecem na mestra uma autêntica educadora.

Com ela e outros companheiros fundei o Partido dos Trabalhadores. Na época, ser petista era barra pesada num ambiente elitista e reacionário do interior. Mas a bandeira do partido acenava com idéias humanistas. Pessoas de vida íntegra e ilibada, além disso corajosas como a professora Marizete, acreditaram na construção de uma sociedade mais justa e fraterna por meio de um partido político de massa como o PT daqueles tempos. A fé da católica Marizete Vieira sempre foi focada no ser humano. Fomos felizes na luta pela construção do partido, sentindo aquela plenitude e a íntima leveza de quem faz o seu dever enquanto cidadão consciente.

Na eleição, o partido necessitava de uma mulher para preencher a vaga destinada ao elemento feminino. Marizete Vieira aceitou o sacrifício de ser candidata a vereadora, apenas para constar, no primeiro momento. Depois, seu nome atravessou a cidade, bateu nos assentamentos de camponeses, tomou as ruas da periferia onde fazíamos um trabalho assistencial da Pastoral da Criança, sustentou acaloradas discussões sobre a necessidade de se investir nesse nome sem mácula. Grupos de amigos e admiradores de Marizete organizaram voluntariamente comitês de apoio, e as adesões começaram a chegar. Eu e meu compadre Manoel Batista montamos uma oficina de serigrafia exclusivamente para produzir material de campanha de nossa vereadora. O hoje radialista Jota Alves saiu pintando muros com tinta feita à base de leite e corante. Não havia grana, mas muita imaginação e vontade de massificar aquele nome que a cidade conhecia como uma “moça direita” e que a gente queria transformar em uma “combatente de esquerda”.

No fim, Marizete Vieira ganhou a eleição, para delírio dos seus admiradores. Foi a primeira vez que uma pessoa pobre ganhou eleição para vereador em Mari sem nenhum dinheiro, sem prestígio político e estrutura partidária.

Entre marchas e contramarchas, seu mandato foi exercido como tudo na sua vida: com dignidade, altivez e honestidade. Num ambiente corrupto como o meio político, claro que nossa vereadora contrariou muitos interesses, foi vítima de muitas agressões. Lembro que a prefeita da cidade, hoje devidamente armazenada na lata de lixo da História (conseguiu a proeza de emitir mais de 500 cheques sem fundo da Prefeitura), encontrou por acaso com Maziete na rua e disparou sua ofensa vulgar:

--- Marizete, você precisa é de um homem na cama pra deixar a vida dos outros em paz!

É que há uma intolerância congênita entre os corruptos e as pessoas de bem. Mas é assim Marizete, intransigente com os canalhas. De uma vez, prestando contas do mandato na reunião do partido, ela contabilizou até a roupa íntima que comprou com o dinheiro que recebia como parlamentar.

Dizem que político honesto é um mito mundial. Acho que sim, porque Marizete nunca foi dessa classe. Na outra eleição, não aceitou a missão de ser vereadora novamente. Com ela também fundei a Rádio Comunitária Araçá. Tanto a rádio como o partido tomaram rumos diferentes dos idealizados na época, mas valeu a pena. Um pensador católico, Tristão de Athaíde, afirmou que “a vida é um bem e vale a pena viver e se esforçar”.

Encontrei um irmão perdido


O maestro Josino Mendes é meu irmão por escolha. Desde tempos imemoriais, somos unidos por sentimentos de fraternidade. Perdi-o de vista, reencontrando-o ontem na nossa Itabaiana, depois de alguns anos. O “Bigode” está do mesmo jeito: simples, amigo, solidário. O momento é importante para a gente reativar a amizade, porque eu estava precisando de um músico que partilhe dos meus interesses, opiniões e sentimentos em relação à arte para formar uma banda regional, um coral e um grupo de flauta doce composto por crianças pobres. Justo meu compadre Josino, que é maestro, flautista e pianista, além de exímio violonista. De imediato, entrou para o Grupo Ganzá de Ouro para tocar flauta e teclado com seu irmão Mendes, outro cara decente e talentoso.

As expectativas são as melhores possíveis e todos estamos confiantes de que o projeto realmente venha a se concretizar. Fala-se até em gravar um CD, com a ajuda do também maestro Vital Alves. Juntar um grupo de músicos excepcionais em torno de um ideal de beleza e harmonia casado com a preservação das tradições nordestinas, de quebra ajudando a formar cidadãos honrados a partir de crianças e adolescentes que vivem beirando o chamado risco social, é ou não um alvo supremo por quem vale a pena nosso esforço?

Josino Mendes irradia um bom humor em qualquer circunstância. É o tipo do cara alto astral, faz as pessoas se sentirem à vontade. Continua o mesmo professor dedicado, trabalhador e bom pai de família. Na sua simplicidade, o maestro agora entrou para o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar como voluntário, por opção e por exigência nossa.

Eu e Josino fomos adolescentes na Itabaiana dos anos 70. Por trás do vasto bigode, desenvolveu-se o religioso evangélico e músico dedicado. Fomos paulatinamente espaçando nosso relacionamento porque eu, já naquela época, comecei a ser movido a álcool antes de inventarem o motor que funciona com este combustível. Enquanto Josino ia para a igreja Batista cantar no coral regido pelo maestro Severiano, eu aprimorava meu estilo de vida hedonista e livre, angariando um conceito pouco lisonjeiro na cidade, frequentando com certa assiduidade os chamados lupanares, casa de rapariga para quem não sabe.

Pois Josino é aquele que eu elegeria meu irmão, por escolha. Como de fato é, mas aquele irmão mais velho, ajuizado, compreensivo e afetuoso. Um exemplo de vida, eu diria.

terça-feira, 16 de março de 2010

Teatro do absurdo


Ampliando os horizontes de pesquisa do grande Stanislaw Ponte Preta que está no céu preparando mais uma edição do seu Febeapá – Festival de Besteiras que Assola o País, conto aqui uma historinha que beira o absurdo e o patético, passada em Itabaiana velha de guerra, sem muita coisa a ver com o teatro do absurdo de Samuel Beckett, além da forte ironia, neuroses e loucuras de personagens medíocres.
No começo da década de oitenta, o grupo de teatro amador montou a comédia “Hoje a banda não sai”, do Marcos Tavares, sobre um delegado de cidade interiorana que arruma briga com o mestre da banda, prende os músicos e começa uma confusão pontuada por desencontros, cenas de pura Commedia dell”arte.
Porém, e sempre tem um porém, como dizia Plínio Marcos, o delegado de Itabaiana veio a saber que o ator intérprete do delegado da peça coxeava de uma perna, certamente imitando a autoridade na vida real, cujo apelido era “Perninha” porque puxava de uma perna, sequela de uns tiros que levou perseguindo ladrões de gado no sertão da Paraíba.

Esse delegado gabava-se de ser um sujeito brabo, do tipo prepotente e atrabiliário, características do outro, o sargento da peça teatral. O ator Osório Cândido esmerou-se na interpretação, imitando os cacoetes do delegado real, gerando novas trapalhadas fora do texto. Sim, porque o “Perninha” mandou cercar o local onde se dava a apresentação, armou uma cena de guerra com seus meganhas e alguns guardas municipais para invadir o recinto, como o fez. De arma em punho, aos gritos, xingou, cuspiu marimbondos, esculachou “esses veados de teatro”, interrompeu a sessão. Os atores se entregaram na mesma hora. A assistência fugiu espavorida. O “delegado” da peça ainda levou uns empurrões e foi intimado a comparecer à delegacia para explicar sua performance.

No rastro desse episódio burlesco, o filósofo Zenito Oliveira cunhou a frase: “a arte imita a vida que inibe a arte”, escrita em guardanapo na mesa do salão nobre da pensão de Nevinha, enquanto emborcava um copo de cachaça “Beba Ela”, adulterada e engarrafada no lugar Maracaípe. O ator Osório quase foi enquadrado na lei de segurança nacional por “desacato à autoridade policial e ultraje à honra militar”. Foi salvo pelo rábula Arnaud Costa, o homem que escreveu um capítulo à parte na história jurídica da terra de Abelardo Jurema. Defendendo o “réu”, Arnaud produziu um arrazoado onde enaltecia as qualidades do Perninha, “alvo da admiração dos habitantes do lugar, por isso o desejo até inconsciente dos jovens atores em imitar seu ídolo, coisa comum na personalidade dos adolescentes.”

Diante da bajulação explícita, o delegado perdoou seu imitador, mas proibiu terminantemente a apresentação do espetáculo em território itabaianense enquanto ele fosse comandante local das forças de segurança, compostas pelos soldados “Batalhão” e “Calça Frouxa”, além do Cabo Amarelo. A maior autoridade do pedaço era adepta da máxima do nazista Goebbels: “toda vez que ouvia falar em cultura tinha vontade de sacar sua arma.”

Não declino o nome do delegado porque cachorro mordido por cobra tem medo até de linguiça.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Tenente Lucena, o general do folclore


Sou um apaixonado admirador das personalidades que têm seus nomes destacados nas artes e ciências, na cultura e na política de minha terra, a centenária Itabaiana, sobretudo os que dedicaram suas vidas na defesa da dignidade das pessoas. É impressionante como Itabaiana deu ao mundo figuras tão invulgares, homens de espírito engrandecido e inteligências notáveis.

Um deles chama-se João Emídio de Lucena, que ficou conhecido como Tenente Lucena. Acabei de ler sua biografia, escrita pelo filho Piragibe de Lucena em edição do autor, de março de 1986. O menino que nasceu em seis de abril de 1912, um dia de sábado, na vilazinha de Campo Grande, tornou-se um dos maiores folcloristas do Brasil. Predestinado e obstinado, o garoto trilhou uma vida de amor pela cultura do seu povo, com tal sentimento de bondade e benevolência que transformou-se em ideal, perpetuando-se no mundo por lutar pelo bem e inspirar a juventude a estudar e se dedicar às tradições populares.

O livro de Piragibe informa que Tenente Lucena, como ficou conhecido, era filho de Josias e Eulária. Era primo segundo do grande sanfoneiro Sivuca. Em 1918, a família foi morar em São João do Sabugi, Rio Grande do Norte. Em 1928, João Emídio de Lucena entrou para a banda de música local, tocando corneta, depois piston e trombone. Em 1933, sentou praça como soldado voluntário no 22º Batalhão de Caçadores, passando a ser soldado músico de terceira classe. A partir daí, cresceu como músico, adotando para sua vida o ideal de servir ao próximo, notadamente às crianças. Fundou corais infantis e abrigos de menores carentes. Foi sócio fundador da Orquestra Sinfônica da Paraíba.

Em 1957, foi transferido para a reserva do Exército no posto de segundo tenente. Foi um dos maiores folcloristas do Brasil, autêntico representante da cultura popular paraibana e nordestina. Hoje é nome de escolas, ruas e conjuntos folclóricos da Paraíba e Rio Grande do Norte.

Com seu grupo “Terra Seca”, preservou as tradições, usos e artes do povo nordestino, pesquisou e recriou danças populares, em valiosa contribuição ao folclore. Como humanista, despendeu todos os esforços para recobrar a auto-estima e dar dignidade aos párias, prostitutas, meninos abandonados e outros viventes à margem do meio social.

Faleceu em João Pessoa no dia 09 de julho de 1985. Itabaiana, sua terra natal, deveria reverenciar mais sua memória. Um homem que se dedicou à arte e à cultura, inclusive ao cinema. Fo ator nos filmes paraibanos “O salário da morte”, “Bagaceira”, “Fogo Morto” e “A Canga”. O dramaturgo José Bezerra Filho assim se referiu ao grande itabaianense: “Não acredito em vida após a morte, mas tenho a impressão de que tanta bondade, tanta fortaleza juntas não devem ter se acabado assim, sem mais nem menos. Pra mim Tenente Lucena está por lá nos outros mundos, dançando o Camaleão com os anjos, ensinando aos povos daquelas paragens as cantigas de roda que cantava com as crianças, ele também criança no espírito, quando estava do lado de cá”.

Rádio comunitária na periferia


Meu compadre Pedro Osmar me telefona pra dizer que na Fundação de Cultura da Prefeitura de João Pessoa rola edital para selecionar oficineiros. Pede para que um dos caras do movimento de rádios comunitárias se inscreva, porque Pedro é um militante desse movimento que quer dar voz aos manos da periferia através de estações de rádios de baixa potência. “Precisamos de bairros falantes e pensantes”, pensa Pedro.

Ele não só pensa como vai com a mão na massa. Para Pedro, cada comunidade deve ter seu jornal, sua rádio, sua própria TV. “O nosso papel é investir no potencial militante, crítico e criativo contra o atraso, a ignorância e a miséria”, diz Pedro Osmar.

Nós da Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares aceitamos o desafio proposto pelo multimídia Pedro Osmar, o homem que filmou o documentário “Jaguaribe em Pessoa” e não consegue editar. Faltam condições técnicas e capacitação, equipamentos e espaços públicos para que a massa produza sua própria mídia.

A proposta é realizar oficinas de rádios e jornais comunitários, a partir das experiências do coletivo que gerencia a Rádio Comunitária Zumbi dos Palmares e jornal OLHOS ABERTOS, do Conjunto Ernesto Geisel, com sede no Centro Comunitário daquele bairro.

A criação do jornal e da rádio foi uma das medidas desenvolvidas pela comunidade por entender que é primordial se ter uma alternativa à comunicação de massa que se limita a passar uma verdade, a qual nunca é a verdade do povo nem condiz com sua realidade.

As oficinas montadas pelo coletivo servirão de base para que outras comunidades aprendam mais sobre as alternativas dos trabalhadores neste campo midiático. Ideia lançada, vamos ver se é aprovada. Sendo aprovada, lá vamos nós para o Grotão, para o Geisel, Jardim Veneza, Timbó, Mandacaru e outras paradas, capacitar as pessoas envolvidas para a produção em mídia impressa e radiodifusão, possibilitando que os cidadãos conheçam e se apropriem dos mecanismos e ferramentas da comunicação, passando a determiná-los, e oferecendo espaço para escritores e artistas da comunidade, possibilitando que moradores da periferia, tradicionalmente excluídos como sujeitos do processo simbólico, possam entrar em cena para produzir sua própria imagem.

sábado, 13 de março de 2010

Heriberto Coelho, o homem do sonho de papel


A folhinha marca o dia 14 de março como a data em que se homenageia o vendedor de livros. Como apaixonado e fazedor de livros, quero aqui destacar esse camarada que é tão importante para a literatura, o vendedor de livros. O cara que vende livros tem paixão pelo objeto que vende. Geralmente é também um escritor ou grande leitor.

Dois vendedores de livros são exemplos marcantes de pessoas que se dedicam a vida toda a este que não é apenas um comércio. Além do interesse empresarial e financeiro, que no caso de alguns nem mesmo existe, tem o amor pelo livro, a sensibilidade no trato com a obra, o autor e o leitor. Destaco dois paraibanos: um que vive no Recife, nascido em Campina Grande, chamado Edson Guedes de Morais, hoje com 75 anos de idade. Mexe com arquitetura, pintura, cinema e teatro. Fabrica livros artesanais. Quando lê um poeta e gosta de seus poemas, prepara em casa uma edição especial dos poemas preferidos, ilustra, edita, imprime e manda cópias do novo livro para o autor, como presente. Seu prazer é editar por prazer.

O outro é vendedor mesmo, de livros usados. Tem uma biblioteca com mais de cem mil exemplares, chamada Sebo Cultural. Heriberto Coelho é o nome da fera, uma espécie de Rei Midas do comércio do sebo, um homem com faro empresarial bastante para ganhar a vida vendendo livros velhos numa cidade onde as pessoas não leem. Começou em uma pequena sala e hoje é dono de um dos maiores sebos do país.

Em louvor ao biblíaco Heriberto Coelho, ando escrevendo um cordel para o nobre vendedor de livros distribuir com sua clientela como brinde de fim de ano. Eis algumas estrofes, aproveitando que hoje também se comemora o dia nacional da poesia:


Dia 14 de março
É o dia consagrado
Aos vendedores de livros
Esse produto arretado
Que encerra conhecimento
De magia bem dotado.

É o vendedor de livros
Mercador especial
Que vende conhecimento
Matéria primordial
Na formação das pessoas
Com cultura universal.



Esse mágico objeto
Nos oferece prazer
Cultura, discernimento,
Conhecimento e lazer
Interpretando o mundo
Conforme podemos ver

Desde a antiguidade
Nos antigos manuscritos
De papiro ou pergaminho
Volumes muito bonitos
Se preservava a ciência
Dos humanos gabaritos.

Os chineses geniais
Foram nisso pioneiros
Na arte de imprimir
Usando tipos grosseiros
Construídos com madeira
Dando vigor aos letreiros.

Primeiros livros impressos
Tratavam só de magia
Naqueles tempos antigos
Tão pouco se conhecia
Das artes e das ciências
Como se vê hoje em dia.

O volume mais antigo
Data de mais de mil anos
Foi encontrado em grutas
São termos nada mundanos
Tratados religiosos
De mosteiros tibetanos.

Os alquimistas chineses
Criaram a partir de argila
Os tipos gráficos móveis
Que esta arte compila
Tornando a reprodução
Uma tarefa tranquila.

O alemão Gutemberg
Aperfeiçoou o feito
Gerando enfim a imprensa
Com um sistema perfeito
Dando maior nitidez
Praticidade e proveito


Ao livro que desse ponto
Conheceu divulgação,
Passando a ser artefato
De profusa aceitação
Essencial para a arte,
Ciência e educação.

(2)

Esse mágico objeto
Expandiu a humanidade,
Um grande passo do Homem
Em sua acuidade,
Florescendo a ciência
Mudando a sociedade,

Registrando sua história,
Elevando a grande arte,
Iluminando a ciência,
Promovendo em toda parte
O conhecimento humano,
Fundamental baluarte

Da evolução social
Que o livro propicia
Agregando mais nobreza
Ao homem que o negocia
Por isso que o livreiro
Merece muito honraria.

Para falar de um desses
Comerciantes honrados
Discorro neste cordel
Os profundos predicados
Do nosso Heriberto Coelho
O rei dos livros usados.

Paraibano da gema
Nascido em Esperança
Residente em João Pessoa
Desde quando era criança
Tem como estilo marcante
A fé e a perseverança.

No ano de 83
Formou-se em Engenharia
Na PUC lá de São Paulo,
Depois fez Economia,
Curso que não concluiu
Conforme a biografia.

Presidiu centro acadêmico
Como líder estudantil,
Já no fim da ditadura
Em ambiente hostil
Assumindo posições
Favoráveis ao Brasil.

Já na área cultural
Foi grande pesquisador
Estimulando a cultura
Como colaborador
Na Comissão Normativa
Lutando com destemor

Na criação de uma lei
De incentivo à cultura
Na capital João Pessoa
De forma que assegura
Para o artista da terra
Uma excelente abertura

Para o financiamento
Do artista ou artesão
Que apresente bom projeto
Obtendo a provisão
Em capital necessário
Para sua execução.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Umas & outros na Toca do Leão

* Aninha Santos postou matéria minha em seu blog: www.paraibavermelha.zip.net
Aninha é do Distrito Federal. Deu destaque à crônica “Mulheres da Submissão, da generosidade e da guerra”. Agradeço.

• Leniana Malheiros é neta de Biu Pacatuba, o herói das Ligas Camponesas e personagem de um cordel de minha autoria. Escreve para dizer que tem orgulho de ser parente do Biu e agradece pelo “belo e completo cordel”.

Tânia Mangueira acha que as jovens mulheres de hoje deveriam olhar com olhos mais críticos e perceber como estão sendo tratadas pelos homens, “em vez de simplesmente abaixar a bundinha e dançar em concordância com esse lixo que chamam de música”. Refere-se à crônica “Mulheres da submissão, da generosidade e da guerra”.

• Lamércio Maciel Braga tem 69 anos, aposentado, mora em Brasília mas nasceu em Cajazeiras, Paraíba. Fez teatro amador e foi perseguido pela ditadura militar. Autor de livros de crônica, Lamércio escreve para o blog informando que é um “cabra da peste” como eu. Um abraço ao confrade.

Olhhdin é músico de Nova Friburgo, Rio de Janeiro, “alguém que procura música nos sons da vida”. Acabou encontrando a crônica sobre minha professora Nini. Ele acha que poucos alunos atualmente “vivem a escola por dentro no seu sentido lato”.

• Pedro Carlos da Silva é de Recife, tem 56 anos e acha que é um chato sem ser ruim. Diz que é radical de centro e comunista cristão. É torcedor do Náutico igual a este blogueiro, e apaixonado por Tamandaré. Esta última paixão eu não acompanho... Leu meu texto sobre a sexualidade de Daniela Mercury e mandou a pergunta: “quer dizer que se Hitler não fosse brocha, hoje não teríamos os judeus matando palestinos impunemente?”.

• Moacyr de Lima e Silva mora em Araras, São Paulo, e tem 72 anos. Dedica-se ao estudo da filosofias de vida oriental moderna, com dois livros lançados a respeito do tema. Diz que seu objetivo de vida, hoje, resume-se na propagação dos conceitos orientais filosóficos ultra-modernos, com base nos ensinamentos do Grande Mestre Mokiti Okada (1882/1955), “isso tudo sem qualquer interesse financeiro ou religioso, mas simplesmente para servir de reflexão das pessoas deste mundo, com relação aos acontecimentos e aos comportamentos que estão se manifestando, cujo resultado está sendo a criação de um mundo infernal, prestes a entrar em processo de extinção, pelo aquecimento global”. Nas horas vagas, nosso professor lê o blog Toca do Leão. Sobre o post “Nós no bloco dos sujos”, Moacyr comentou: “Sensacional, amigo Fábio, coragem e inspiração não lhe faltam, além do espírito de ironia inteligente. Gostei demais do seu texto”. Obrigado, mestre!

Ana Bailune, 44 anos, é de Petrópolis, Rio, professora particular de inglês e admiradora de Paulo Coelho. Sobre meu post a respeito do esotérico baiano, ela escreveu: “Sabe por que eu acho que Paulo Coelho é um escritor dos bons? Porque ele conseguiu captar o que vai na mente das pessoas hoje, e usar tudo a fim de criar textos que cativam o maior número de pessoas. Não acho que seja apenas marketing, porque o cara é famoso no mundo todo, até no aculturado continente europeu.

• Sobre isso não concorda Alberto Santos, do Rio: “É a diferença do trabalho comercial e o artístico. Um visa ganhar dinheiro o outro repassar valores. Gosto do Coelho como pessoa, tranquilo, simpático e típico carioca. Realmente ganhou uma grana contando histórinhas que um público disponível queria ler. malandro é malandro...”

João Adolfo Guerreiro tem 41 anos, é de Charqueada, Rio Grande do Sul. Formado em Sociologia, colabora em jornais de sua terra. Leitor do meu blog, comentou a respeito da crônica “Contos eróticos”: “Minha tia-avó Nazinha também nunca casou nem teve filhos, mas é o esteio de nossa família, nossa matriarca, e fez dia 98 anos com a família toda feliz à sua volta. Prostituição...a profissão mais antiga do mundo, um verdadeiro serviço social remunerado para os excluídos sexualmente.”

• Grácia Kátia é poeta carioca. Seu recado sobre a mesma crônica: “Olá Fábio Mozart, crônica reflexiva e interessante. Adorei. Parabéns, que Deus te abençoe e continue te dando inspiração para nos brindar com outros belos trabalhos.

Tereza é de Florianópolis, Santa Catarina. Sua mensagem: “Fábio, teu título está muito correto.Depressão é quando a alma se recolhe, e se recolhe porque a libido represou.(Libido não é só sexo, mas também). Quando a libido flui, flui também a alegria de viver. Orgasmos são fontes de VIDA.(até no sentido literal, não é?). Amar, amar muito e ser amada(o) é ainda o melhor antídoto contra qualquer doença, acredite! Paz no teu dia! (Sobre a crônica “Depressão e sexualidade”)

MENSAGENS RECEBIDAS


Do escritor itabaianense Erasmo Souto Camilo, sobre o post que fala da predominância de mulheres nas prefeituras do vale do Paraíba:

Quero mais é que elas ganhem todas. Sou pai de seis filhas. Engenheiro ruim: toda obra racha. Tenho mais três netas. Imagina o que já gastei com absorventes femininos. Dava pra comprar cinco casas aí na Praça da Indústria (nem sei mais se existe). Eita, há seis meses nasceu um neto e botaram meu nome nele. Deve ser para preservar a raça ruim...

Um abraço

Erasmo Souto

De Rosane Araújo sobre o mesmo texto:

Caríssimo Fábio Mozart,

Parabéns pelo crítico e reflexivo artigo sobre o papel da mulher na política dos tempos "modernos". Apesar dos inegáveis avanços, ainda há um certo paradoxo nessa realidade, porque algumas mulheres (políticas) foram gestadas ou herdaram a velha concepção coronelista (assistencialismo e interesse de grupo) de seus ancestrais. Mudança substantiva ainda estar por vir. É mais paliativo do que promoção real de desenvolvimento e dignidade, infelizmente....

No caso de Itabaiana, lembro dos idos de 1970, quando sua atual prefeita foi minha professora de francês no Colégio da Conceição. Mulher independente, elegante e culta, que anualmente, viajava à França para respirar civilidade e cultura... Com esse histórico era esperado que pudesse governar inspirada nos genuínos valores iluministas e republicanos da Democracia Social (governo do povo, pelo povo e para o povo) e da Justiça Social. Parece que o tempo faz desbotar ideais e concepções...

Parabéns também pelo resgate histórico que fez com outra matéria, divulgado no blog do Ministério Público da Paraíba, por sua irmã e colega Vasti Clea.

Fiquei orgulhosa em saber que minha (nossa) ancestralidade vem de mulheres vocacionadas às lutas sociais e políticas, com forte viés transformador. Foi bom saber que sou (somos) herdeira(s) da "comunista" Leonilla Almeida.

Saudações,

Rosane Araújo
(Itabaianense (guariteira) da gema.)

terça-feira, 9 de março de 2010

São José dos Ramos se impõe pela arte


Pela primeira vez em sua história, São José dos Ramos tem uma mulher como prefeita, a médica Cida Gonçalves. Esse fato político e cultural não pode mais ser desprezado nem ignorado pelos seus vizinhos de Itabaiana, cidade que conserva ainda um ranço muito forte de preconceito com relação ao pequeno Município, ex-distrito de Pilar. Sim, porque com sua visão peculiar das coisas, a prefeita já vem moldando uma nova imagem de São José dos Ramos, a partir de ações aparentemente simples, mas que acabam se transformando em experiências de transformação de mentes.

No dia 8 de março, o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar promoveu uma homenagem às mulheres, ocasião em que os jovens bailarinos do Grupo de Dança Contemporânea do Projovem de São José dos Ramos realizaram uma bonita exibição. Na plateia, orgulhosa, estava a prefeita Dra. Cida com todo seu secretariado, prestigiando a exibição dos rapazes e moças, um reconhecimento explícito da relevância da arte e da necessidade de acesso das populações mais pobres aos bens culturais da humanidade.

Senti um certo ressentimento entre algumas pessoas daqui, um desgosto por ver São José dos Ramos exibir seus valores artísticos e culturais com total apoio da Prefeitura, enquanto que em Itabaiana a realidade é bastante diferenciada. Para nós, que produzimos na urgência do dia-a-dia e na precariedade da falta de recursos e apoio, poder assistir ao grupo de danças decentemente vestido, com toda estrutura e sustentáculo, é uma satisfação considerável.

Fiquei tão bem impressionado com a apresentação do grupo de danças contemporâneas de São José dos Ramos quanto as demais pessoas que estiveram no evento, apesar dos erros e limitações dos jovens bailarinos. Escolhemos fazer vista grossa a isso, destacando a coisa boa que é uma cidade ser reconhecida e invejada pelo que pode produzir na arte e cultura, diminuindo a visão injusta que se tem dessa simpática cidadezinha do vale do Paraíba. Tudo isso porque a prefeita resolveu apostar na arte como elemento de promoção do ser humano e divulgação de sua comunidade.

Como diz o poeta Jessier Quirino: São José dos Ramos “marcou presença feito pimenta em panelada” na reunião festiva do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar. De minha parte, estou satisfeito também por ver reunidas mais de cem pessoas que saíram de suas casas, deixaram a novela da TV para prestigiar jovens amadores que armam suas tendas longe da cultura de consumo espetacular e de massa, rejeitando os papéis limitadores que lhes são impostos. Fazer dança moderna em São José dos Ramos é tão revolucionário quanto renovar os padrões estabelecidos nas mentes embotadas por sentimentos desfavoráveis a determinada comunidade, opinião concebida sem qualquer exame crítico. São José dos Ramos fez um gol de placa em Itabaiana, pra deixarmos de ser preconceituosos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Vale do Paraíba tem a gestão mais feminina da História


No dia da mulher, comemorado ontem, lembrei que apesar de nossa complicada democracia, as mulheres estão realmente assumindo os papeis de comando, o que não deixa de ser um bom indício de progresso social. No vale do Paraíba, das sete cidades, nada menos que cinco delas são governadas por mulheres: Itabaiana, São José dos Ramos, São Miguel do Taipu, Pedras de Fogo e Pilar. Uma porção de homens metidos a sabidos estão ainda hoje choramingando suas derrotas para essas mulheres batalhadoras e corajosas, sem aqui entrar no mérito das competências e renovações de costumes, que isso já é outro “Mané Luiz”, como dizia minha vó Joaninha, ela mesma uma mulher de fibra que dá nome de rua em sua velha Itabaiana.

Os currais eleitorais estão ficando mais cor de rosa, o que não deixa de ser um avanço nesta terra machista por excelência. Em todas essas cidades citadas, pela primeira vez na história elegeram uma mulher para prefeita. Em comícios e cochichos de pé-de-orelha e beira de calçada, ainda se ouve as ofensas dirigidas às mulheres que têm a coragem de enfrentar os homens nas lutas eleitorais. Nesta onda, devagar, as mulheres deixam de ser apenas matronas ou “primeiras damas” e passam a reinar como líderes políticas.

Mas a realidade mostra que ainda falta muito para que a mulher assuma posições conforme sua parcela demográfica, no caminho para a igualdade com os homens. As mulheres representam 51% da população brasileira e ocupam menos de 10% da representatividade política no país.

A proporção de mulheres na Câmara dos Deputados em relação ao número de homens reflete a grande vantagem masculina. De 513 parlamentares que compõem a Casa, apenas 45 são mulheres. Nenhuma delas ocupa cargo na Mesa Diretora. No Senado a situação não é diferente. Das 81 vagas, apenas dez são ocupadas por mulheres.

Tomemos como exemplo a Câmara Municipal de Itabaiana, cuja prefeitura é administrada por uma mulher. Nenhuma vereadora bate ponto na bancada do legislativo mirim da terra de Leonilla Almeida, a heroína de Campo Grande. Neste ano, duas mulheres irão concorrer à Presidência da República. Contudo, ainda há uma desproporção entre os esforços femininos e os espaços conquistados na política. As mulheres prefeitas do vale do Paraíba representam um bom indicativo do avanço das mulheres na luta contra o preconceito e na igualdade de forças entre gêneros nos poderes.

domingo, 7 de março de 2010

Mulheres da submissão, da generosidade e da guerra



Nesta data de festejo da mulher, falo de três realidades femininas em particular. Uma delas me veio de repente, eu viajando de ônibus para Itabaiana. Ao meu lado, um casal jovem ouvindo música em alto volume no aparelhozinho de MP4. A “música”, mistura de funk com sons do Pará, produzida por uma banda chamada Ravoli. A cantora da banda repetia insistentemente: “Ele me maltrata e me domina, ele é especial...” Fiquei matutando: as mocinhas de hoje em dia seguem a mesma ideologia machista do tempo em que minha mãe era uma jovem senhora evangélica, e admitia o fato de que as mulheres devem ser submissas ao marido “como convém ao Senhor”. Hoje as mulheres são submissas alegremente às novas ondas da indústria cultural que promove esse tipo de lixo. Homens e mulheres, no caso, os dois são idiotas, mas fica com a mulher o papel de estupidez mais profundo, porque, “primeiro, foi formado Adão, depois, Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão" (1 Timóteo 2:13-14).

A outra mulher de quem lembrei chama-se dona Dorinha. Aos setenta e quatro anos, é ainda robusta e cordial. Tem por método de vida cultivar a ciência da generosidade. Ela tem imenso prazer em servir aos outros, seja vizinhos, amigos ou parentes. Mesmo desconhecidos merecem sua atenção e prodigalidade. Basta pensarmos que vamos dar algo a outra pessoa para ativar a área emocional mais profunda do cérebro que está associada à alegria e promove a produção de substâncias que nos fazem sentir bem. Daí, concluo que dona Dorinha tem uma alma nobre e generosa, viciada em fazer o bem. No tratado sobre a generosidade, sou também informado de que as mulheres são mais generosas do que os homens, talvez para aparelharem-se com vistas à missão de conceber e conservar vidas.

Uma mulher será lembrada neste 8 de março em Itabaiana, por sua coragem e altruísmo. Ela foi à guerra em 1935, pensando em construir um Brasil onde mães não tenham que se prostituir para dar de comer aos seus filhos. Ofereceu sua vida na tentativa de realizar o sonho dos justos: o princípio da igualdade levado às últimas consequências. Foi presa com o marido na Ilha Grande, no Rio de Janeiro. Sofreu torturas, suportou o suplício da polícia de Getúlio Vargas, mas não entregou nenhum companheiro. Dividiu sofrimento e angústia com outras grandes mulheres da categoria de Olga Benário, e homens do nível moral e intelectual de Graciliano Ramos. Essa heroína chama-se Leonilla Almeida, sobre quem estou escrevendo um livreto.

A revolucionária Leonilla Almeida é personalidade símbolo de um prêmio que concedemos todos os anos a algumas mulheres que se destacam pela defesa dos direitos humanos. Para preservar a memória dessa mulher itabaianense e para não esquecermos aqueles atribulados tempos ditatoriais.

Entre a mocinha admiradora de músicas que banalizam e inferiorizam a mulher, a senhora generosa e a mulher paraibana que se notabilizou pela coragem, estamos nós homens sempre ao lado delas, correndo atrás delas e muitas vezes rebaixando-as. Porque é difícil entender uma mulher, mesmo quando ela não fala e fica pertinho do namorado ouvindo músicas estúpidas e preconceituosas. Captar seu desejo, entender sua individualidade, vislumbrar o aspecto invisível do seu caráter, quem nos dera! Faço minhas as palavras do cronista Ronaldo Monte: “eu, que tenho por fardo a obviedade masculina, sou grato àquela que me põe cotidianamente em frente ao seu mistério”.

Reminiscências


“Fábio, ao ler suas palavras voltei no tempo, naqueles idos entre o final dos anos 60 e meados da década de 70, quando dona NINI era uma das minhas inesquecíveis mestras... Décadas já se passaram, mas, as lembranças são vívidas, quando lá por volta de 1971/72, ela deu uma tremenda bronca na gente (eu, Roberto Palhano e Edimilson Jurema), mandando-nos para a diretoria - na época a diretora era dona Rosário...

Hoje é motivo de risos aquelas diatribes dos nossos verdes anos.

Abraços

David Andrade Monte
GOIÂNIA-GO”

“Voltei ao passado com essas palavras que o amigo me mandou sobre dona
Nini, pois tive o prazer de fazer parte dessa geração que teve o privilégio de ser seu aluno. Encontra-se estampada em minha memória quando me encontrava no CEI que na época funcionava no conhecido colégio de Emir e D. Nini chegava em seu inesquecível fusquinha, entrava na sala de aula e me deleitava com suas aulas. Espero que
quando for a Itabaiana possa conversar um pouco com a mesma e desfrutar mais uma vez da sua companhia.

Abraços

José Ricardo Oliveira – Recife”

sexta-feira, 5 de março de 2010

Mamãe eu quero...


Parece que o sonho do brasileiro é mesmo mamar nas tetas do governo. Quando o sujeito é adolescente, a família aposta no futuro investindo em concurso para o Banco do Brasil e outras instituições oficiais. É fundamental entrar no sistema para se tornar classe média com tudo que isso implica: ter poupança, cartão de crédito, carro e casa financiados, nome sujo no Serasa e SPC, plano de saúde e tudo o mais. Se for aprovado para o banco, vai trabalhar numa instituição que cobra 36% de juros ao ano, enquanto que a inflação no país é de apenas 3,5%. Não é muito diferente de ser “aviãozinho” do tráfico, pelo menos o lucro é quase igual, mas é chapa branca, oficial, legalizado, tudo conforme manda o capitalismo nosso de cada dia.

Mas se o sujeito não consegue entrar para os quadros do Governo pela via do concurso, aí apela para a política. Começa batendo cartão no time dos bajuladores e cabos eleitorais, inventa uma associação de moradores para dar foros de seriedade aos seus instintos mamadores, enfim se enturma no grupo dos que sonham em ter um cargozinho numa repartição qualquer sem fazer força. Os mais ousados e inteligentes se candidatam a vereador ou prefeito para ter uma boiada a ser oferecida ao primeiro chefão político que aparecer.

Na cidadezinha de Mari tem uma família que já foi poderosa. Proprietários rurais e donos dos votos da cidade, os Arruda construíam mesmo um curral no dia da eleição, onde juntavam os eleitores que vinham da zona rural. Nesse curral eram alimentados e saíam para dar seu voto “livre e democrático”. Daí veio a expressão “curral eleitoral”, segundo me disse um dia o historiador José Octávio de Arruda Melo, aliás membro dessa ilustre família.

Dessa mesma cidade nos chega a notícia de que o ex-prefeito Adinaldo Pontes convocou seu curral para uma passeata em louvor à ascensão ao trono do governador José Maranhão. Meu compadre Célio Alves, jornalista em Guarabira, disse que o ex-prefeito bradou: "Agora vamos mamar, pois temos as tetas de novo". Célio achou a declaração do ex-prefeito absurda, mas ao mesmo tempo uma prova da sinceridade do homem. Pois não é mesmo esse sentimento que invade o peito do maranhista? Para Célio, “querem servir-se do Estado, e não servir ao Estado. A briga rasgada pelos cargos desnuda bem essa realidade”. Se não fosse assim não seria Brasil, o paraíso dos mamadores oficiais.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Tirem esse déspota do caminho


Em João Pessoa, três ou quatro gatos pingados falam em mudar o nome de alguns conjuntos residenciais, ruas e escolas. Estou entre eles. Renomear para colocar os ditadores no seu devido lugar histórico, que não sirva de exemplo pra ninguém. Um vereador aloprado sugeriu o nome de Fidel Castro para trocar por outro ditador. Infeliz ideia do parlamentar, que é trocar seis por meia dúzia.

Uma escola estadual no Castelo Branco tem o nome de Presidente Médici. Para ser coerente, deveriam mudar os nomes dos logradouros do conjunto para Av. Psicopata Charles Manson, Av. Assassino Serial Richard Ramirez, Rua Poderoso Ditador Sanguinário Megalomaníaco Adolf Hitler, Alameda Conan, o Bárbaro, e por aí vai.

No Conjunto Ernesto Geisel, uma turma já falou em pedir para os vereadores mudarem o nome para Cuiá, antiga e tradicional denominação do território, nome de um rio que teima em sobreviver no mar da poluição suburbana. Mete medo é continuar oficialmente essas homenagens a próceres da ditadura, confundindo as novas gerações. As ruas, antes de serem passagens para carros e pessoas, traduzem a memória e a história da cidadania. Quem pisoteou a dignidade do cidadão e da pátria não merece dar nome de rua.

No auge da ditadura militar, os bajuladores dos milicos não perdiam oportunidade para demonstrar a subordinação e vassalagem ao poder dos generais. Aqui em João Pessoa, até a senhora mãe do General João Figueiredo virou nome de conjunto habitacional. Por pouco não botaram o nome do cavalo do General em praça pública. A solidificação da democracia no país não admite esse tipo de tributo. Os nostálgicos da ditadura vão ficar furibundos, mas acho mesmo que tirar os nomes de ditadores nas placas de ruas, avenidas, monumentos é uma assepsia moral necessária. Os nomes desses ditadores deveriam constar dos arquivos policiais. Talvez pudessem ser nomes para presídios. Governos ditatoriais devem ser esquecidos, jogados na lata de lixo da História.

Muitas ruas e praças no Brasil se chamam Getúlio Vargas. Esse ditador também deveria estar apenas nos compêndios de História. Leio que militares estão revoltados com o Plano de Direitos Humanos anunciado pelo Presidente Lula, propondo a criação de uma legislação nacional proibindo que ruas, praças, monumentos e estádios tenham nomes de pessoas que praticaram crimes nas ditaduras. Acham que se quer jogar a opinião pública contra as Forças Armadas. Não admitem o constrangimento de tirar os nomes dos seus antigos comandantes de ruas pelo país afora. Isso é ridículo, mas preocupante. Depois de quase 50 anos do golpe, os milicos ainda se acham no direito de se meter em assuntos civis. Em Portugal, uma das primeiras providências da Revolução dos Cravos foi trocar o nome da Ponte Salazar para Ponte 25 de Abril.

Será que os tais homens públicos ainda têm medo de mexer com esse vespeiro vestido de verde oliva? Pelo menos no imaginário de muita gente, não deu para olvidar o horror do autoritarismo. Após todos esses anos de redemocratização, as pessoas ainda temem a ameaça da opressão armada. Construir afinal a história de um Brasil livre de novo passa por derrubar os monumentos e tirar os nomes dos ditadores das ruas. Quando será que alguém vai ter coragem de começar?

quarta-feira, 3 de março de 2010

Sobre hinos e ortografia


O Governador José Maranhão desfilou no bloco “Muriçocas do Miramar” com uma camisa onde estava escrito: “Deixe a paz levar-vos”. Dois erros de português numa frase tão curta! Obedecer à ortografia, regência e concordância oficiais da Língua Portuguesa é o mínimo que se pede de representantes de governos. Mesmo que sejam pessoas iletradas como o Presidente Lula. Porque a língua formal é o que se ensina nas escolas, e o exemplo deve ser dado. Para isso existem os assessores nas prefeituras, palácios e demais repartições públicas.

Luiz Couto, deputado federal da Paraíba, que é professor da UFPB, mesmo com alta qualificação não deixa de ter um revisor para seus discursos. Outras autoridades, sem muito conhecimento do vernáculo, cometem assassinatos em massa da língua portuguesa em ridículos relatórios e outros assentamentos oficiais. Velho delegado de polícia, fraco em redação, escreveu o seguinte relatório: “Senhor Juiz, deu entrada no hospital o cidadão tal, vítima de várias gargalhadas no peito e nas costas, causadas por gargalhos de garrafa”. Por acaso não seria gargalo? Esse mesmo delegado lascou outro relatório, onde informava que um sujeito foi preso por xingar o policial com palavras de “baixo escalão”, aparentando ser um “débito mental”.

Outro dia fui à sede da Receita Federal em Itabaiana, onde existe um mapa do Município e a letra do hino da municipalidade. Eis a pérola:

O patamar do Paraíba
Hino à Itabaiana

Em vigorosos brados retumbantes
Semelhantes clarins a soar
Eu proclamo ardente o teu raiar
A esta plêiade de jovens vibrantes

Do Paraíba és o patamar
Para os filhos, tu és o céu
Na colméia da vida o mel
Nas densas trevas, o luar.

ESTRIBILHO:
Eu te amo Itabaiana
Com ardor no coração
Elevar o teu nome sempre
É meu lema e devoção.

Tuas ruas endeusaram Zé da Luz
O sangue do Silveira floresceu
A bravara dos filhos teus
Pondo-te na glória que reluz
Tua matriz, portal de salvação
Teus morros de beleza mil
Encantou teu povo gentil
Ó meu lindo canto de mancidão.

A publicação é de responsabilidade da Secretaria Municipal de Educação, na gestão do ex-prefeito Antonio Carlos Rodrigues de Melo Júnior. “Itabaiana na luta por uma educação de qualidade”, informava a Secretaria no mesmo mapa.

Com todo respeito ao autor do hino, acho que nosso poema oficial é patético. Sem querer ofender, mas rimar mel com céu é um pouco demais! “Vigorosos brados retumbantes” é de uma pobreza triste. Letra espalhafatosa e sem muito sentido é da natureza dos hinos oficiais. “As margens plácidas dos raios fúlgidos” e outras pérolas são imitadas pelos autores dos hinos das mais de cinco mil províncias brasileiras. Como símbolo máximo da municipalidade, acho, porém, que pelo menos deveriam atender à correção gramatical. Num país que carece de educação, não se pode aceitar que se gaste dinheiro público na confecção de materiais carregados de erros de português, para serem exibidos nas escolas.

Mais uma vez quero dizer que não vai aqui nenhum desrespeito aos autores do hino, apenas a preocupação com o vernáculo. Devemos estimular o espírito cívico dos jovens, entretanto com correção gramatical. E tenho o direito de achar o nosso hino de extremo mau gosto, poeticamente pobre, com citação de nomes próprios, o que é inadmissível numa composição dessa natureza.

terça-feira, 2 de março de 2010

Navegar é preciso...


“O cansaço toma conta do seu corpo. Sente-se só, sem um aconchego, uma migalha de atenção...”

Fernando Pessoa tomou essa antiga frase dos navegadores portugueses para afirmar que o necessário é criar. “Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade”.

Quem se sente só esqueceu atrás de si a grandiosidade de sua vida. Perdeu de vista a vasta extensão de sua existência primorosa, esqueceu o curso do seu barco-vida, é um navegador à deriva de si mesmo.

A vida vai muito além dos pequenos embates do dia-a-dia, das solidões mais isoladas, do deslizar sem precisão nas águas agitadas e medíocres do cotidiano.
O ser criador faz a opção por viver seu universo no sentido de conceber aparentemente do nada as mais eloquentes formas de comunicação e arte. Assim navega no seu mar original e utilitário para a humanidade.

Quem deixa de criar olha para a vida e a vê como uma coisa insignificante. Por isso, jamais desista de alimentar seu espírito criador. Crescer em convívio com as artes, desenvolver, imaginar e produzir o novo, mesmo travestido de velho. Esse é o exercício primordial da arte de navegar para longe do mar da solidão.

Conheço um rapaz que nasceu com uma terrível doença congênita. Não tem as duas mãos, mal anda, fraco e desprovido de vigor físico. Ninguém imagina que esse moço possa dar suas pinceladas de luzes na vida, todos os dias, escrevendo, pintando e caçando as esmeraldas da arte em meio à lama e ao lodo de uma sociedade medíocre. Quem procura, quase sempre encontra. Com a cabeça recheada de estímulos subjetivos, vai o moço deficiente físico traçando suas metas gloriosas, teclando com a ponta extrema do membro superior, sem dedos, as mais belas poesias e os mais complexos programas de informática. Ele dispõe da arma potente e sofisticada da força interior que impulsiona os seres criadores.

Julgo imperativo o ato de criar. Porque “navegar é preciso”. A humílima pessoa que sou resplandece todos os dias pela manhã, quando sento na frente do computador e escrevo qualquer coisa. “Meu destino é vendaval que me sacode em todas as direções”, mas meu norte está lá, nos múltiplos planos cuidadosamente traçados pelo anseio das aspirações futuras. Vivendo de mísera aposentadoria do avarento sistema previdenciário, considero-me um sujeito rico pela capacidade produtiva. Não há um só dia em que não produza um texto, um poema, uma idéia para teatro ou cinema, um projeto qualquer nesse sentido. Arrostando as dificuldades financeiras e de saúde, vivo da espectativa de sonhar com o surgir de uma ideia luminosa, ou nem tanto, mas que me faça esquecer do angustiante problema da sobrevivência nesse vale de lágrimas. Porque “navegar é preciso...”