segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Uma vida dedicada à morte


Uma vida inteira dedicada à morte. Esta frase sintetizaria a trajetória de um homem simples que se dedicou a cuidar dos mortos no cemitério de Itabaiana. Trata-se de Azarias Cunha da Costa, que durante muitos anos foi administrador do cemitério e aprendeu a conviver com os sentimentos de tristeza, de finitude, de medo, de abandono, de fragilidade e insegurança que acompanham o ato de sepultar alguém, e disso fez sua missão de vida. Passou o tempo todo cuidando do cemitério como se fosse sua casa.

Diz um ditado: “teme mais a morte quem mais temeu a vida”. Azarias não teme a morte, porque durante toda a sua vida, até se aposentar recentemente, como pessoa inteligente que é, foi estimulado a profundas reflexões sobre a própria vida. No cemitério, Azarias teve um importante curso intensivo e saudável de balanço emocional, e hoje vê a morte com aceitação de paz, com dignidade e bem estar emocional.

Azarias é um caso singular de alguém que amou seu trabalho e a ele se dedicou a ponto de, agora aposentado, ainda viver traçando projetos para melhorar nosso campo santo. Quem vai à sua casa, encontra-o debruçado sobre mapas e plantas baixas do cemitério, como um devotado amador.

Quando não tinha de cuidar de nenhum sepultamento no cemitério de Itabaiana, Azarias aproveitava o tempo livre para corrigir seus mapas ou ler sua Bíblia e seus velhos livros de filosofia. Cuidar de cadáveres é um ofício penoso, pelo menos para quem não tem o hábito. Azarias adorava, e adora, aquele ambiente de paz do cemitério. Para ele, o melhor lugar para trazer a filosofia para a prática é o cemitério. “A filosofia trata da existência e do ser. A morte está nesse meio”, afirma. “Eu não gosto de filosofia acadêmica. Prefiro estar com o povo. Fico vendo como as pessoas tentam adocicar a morte com eufemismos e como desejam a imortalidade. Veja esses túmulos: todos são grandes e têm o nome das famílias em letras garrafais. Mesmo mortos, querem ser imortais”, filosofa Azarias.
Minha homenagem àquele que, no desempenho das suas funções no cemitério de Itabaiana, sempre o fez com enorme profissionalismo, dedicação e sobretudo na dignificação daquele espaço tão nobre que serve à nossa cidade.

domingo, 30 de agosto de 2009

A fazenda modelo do Dr. Odilon Maroja



Vila de Guarita, no município de Itabaiana

Meu estimado amigo, jornalista Geraldo Almeida, fez a gentileza de me ofertar dois livrinhos de sua editora Itabaiana Hoje, acabados de sair do forno. No mesmo final de semana, recebo do meu outro dileto amigo Beto de Zé de Paulo o livro de crônicas “Águas do Povo”, de autoria do itabaianense Reginaldo Alves de Araújo, radicado em Campo Grande, Mato Grosso do Sul.

O livro de Reginaldo ainda estou lendo. Belas crônicas de sua terra adotiva, a cidade de Aquidauana. Histórias dos pioneiros daquele eldorado no coração do Brasil. Já li os dois volumes, presentes de Geraldo, até porque são brochuras com 39 páginas.

Um deles, escrito por Cláudia Lopes Cavalcante, chama-se “Porque Deixei Campo Grande”. Relato da trajetória de vida da professora Cláudia, apresentado pelo próprio Geraldo Almeida de Aguiar. Para ele, “dona Cláudia foi professora muito estimada na comunidade da Escola Elementar Mista Solon de Lucena, na margem esquerda do rio Paraíba, construída pelo prefeito Fernando Pessoa, em 1926”. Ela foi a última professora naquela escola, “já que na gestão do prefeito Luiz Paulino foi construída uma nova escola em terras de José Dias de Oliveira.”

O outro livreto é uma relíquia da literatura itabaianense, escrito por Mário Melo, contando a viagem que fez no começo do século vinte à Fazenda Modelo, em companhia do Dr. Odilon Maroja. O relato foi publicado no jornal “O Município”, da cidade de Itabayanna, como se grafava na época. O autor conta que partiu de Itabaiana para Salgado de São Félix a cavalo, passando por Guarita, “uma pequena povoação que antes era conhecida por Lauro Muller, nome em homenagem ao ministro que mandou fazer a estrada de ferro e a belíssima ponte ferroviária”, ainda hoje existente no vilarejo. Na viagem, os excursionistas visitaram as obras do “templo cathólico de estylo góthico”, que vem a ser a igreja de Guarita. O autor demonstra certa depressão ao passar “entre meia dúzia de casas brancas, sem estylo, sem arte, sem alinhamento”. Guarita permanece quase do mesmo jeito.

Os viajantes são recebidos na fazenda modelo, na povoação de Salgado de São Félix, “uma pequena vila semelhante à Guarita, si bem que mais povoada, tendo uma rua única, de cerca de cincoenta metros de largura, que se estreita mais adiante num lastimável desalinhamento, para se alargar aproximando-se do leito do rio”. De utilidade pública possui apenas duas escolas municipais, uma agência dos correios e a capelinha consagrada a São Félix. Quem olha para o oriente, vê um prédio de estilo não definido, aparentando um “pomposo palácio”. É a casa do dono da fazenda Modelo, cujas terras penetram no Estado de Pernambuco, com as propriedades Salgado, Alagamar, Campos, Amazonas e São José, estas duas últimas em terras pernambucanas. Nessas fazendas plantava-se o algodão e se praticava a criação de gado vacum. Na época, Odilon Maroja fazia melhoramentos genéticos em búfalos e outras raças como a famosa vaca leiteira “Hollandeza”. Na fazenda ainda imperava o “Caracu”, primeiro boi trazido para o Brasil, de origem portuguesa, bom de carne, de trabalho e de leite.

Resumindo, o autor destaca a fazenda Modelo de Odilon Maroja como “um empreendimento notável pela situação geográfica e geológica, pela uberdade do solo e condições climáticas”. Sem falar na administração modelo.

Hoje você chega a Salgado, vindo de Itabaiana, e vê o antigo “pomposo palácio” dos Maroja caindo aos pedaços, em ruínas, corroído pelo descaso, denotando o desrespeito à memória do lugar. Ruínas urbanas e rurais, porque a fazenda Modelo nasceu antes do povoado. É a gênese de Salgado de São Félix, que deixa à margem sua riqueza histórico-cultural. Lastimável o fim de uma fazenda que já foi considerada modelo no começo do século vinte, hoje um imóvel esquecido pelos herdeiros e pelo poder público, em processo quase irreversível de degradação.

sábado, 29 de agosto de 2009

“CORNO NENHUM ME GOVERNA"


Pinto de Monteiro

No fim do século dezenove, nasceu em Monteiro, na Paraíba, um poeta que se tornou legendário na arte de fazer repente ao som da viola, instrumento por sinal que ele nunca aprendeu a tocar. Cantando também era um desastre: voz feia e sem ritmo. Mesmo assim, foi um dos maiores, senão o maior poeta repentista do Brasil.

O nome dele: Severino Lourenço da Silva Pinto, que ficou conhecido como Pinto de Monteiro. Viveu e morreu pobre, cantando nos Estados de Pernambuco e Paraíba. Sua genialidade é incontestável, mas o ponto em que quero firmar tese é sobre o pensamento anarquista nos artistas populares. Numa ocasião, o poeta Expedito Sobrinho, cantando com o velho Pinto, terminou uma sextilha assim:

“Pinto tem setenta anos

Talvez não chegue aos oitenta”.

Ao que Pinto respondeu:

Eu vivo é cento e quarenta

Achando a vida moderna

Escorado na bengala

Coxeando duma perna

Quem me domina é Jesus

Corno nenhum me governa”

No Nordeste brasileiro, os homens nunca foram livres. Os que se declararam livres foram marginalizados e exterminados. O movimento de banditismo rural promovido pelos cangaceiros do começo do século vinte nasceu do inconformismo de homens valentes que não se submetiam à tirania dos coronéis. Os visionários religiosos comandavam multidões de fiéis esfarrapados, com a promessa de um mundo sem senhores e sem patrões. Se bem que o Antonio Conselheiro sonhava mesmo com a volta do rei português D. Sebastião.

Os escravos africanos fugiam do inferno do cativeiro para fundar seus quilombos, onde estabeleciam uma sociedade igualitária, na maioria das vezes. Nos fundos das matas, aprendiam com os índios, cada um era dono de seu nariz e viviam em comunidades harmônicas de respeito mútuo. Esse anarquismo primitivo, cultivado nas sociedades alternativas do Brasil, foi diluído pelo rolo compressor do capitalismo que esmagou as populações e suas experiências alternativas de vida.

A liberdade humana nunca ficou mais reduzida do que nos canaviais, nas casas grandes, nas fazendas dos sertões, nas estruturas sociais do Brasil colonial, seguindo-se a lógica da opressão ao longo da nossa história, até os dias de hoje. Entretanto, mesmo nas mentes mais presas aos limites de uma cultura de humilhação e desigualdades, o sentimento de liberdade, profundamente arraigado no ser humano, sempre brotou no homem simples, no escravo, no artista do povo que disfarçava seu discurso contestador nos folguedos e cantigas. Assim, o negro preservou suas raízes culturais e religiosas por meio do sincretismo.

Tomemos como exemplo o teatro popular de bonecos, que na Paraíba é chamado de Babau e em Pernambuco tem o nome de Mamulengo. As "estórias" são geralmente improvisadas, com diálogos inventados na hora, de acordo com as circunstâncias e a reação do público, misturando bichos - cobras, bois, cachorros, onças; e gente - vaqueiros, latifundiários, bandidos e entidades sobrenaturais como, o Diabo, a Alma, a Morte. Os personagens do mamulengo chamam-se geralmente Benedito, Cabo 70, Professor Tiridá, João Redondo, e são negros, na sua maioria, figurando quase sempre um vilão de cor branca. Resposta do artista do povo ao racismo latente nas relações sociais. Nas tramas do babau, geralmente a polícia é ridicularizada. Os patrões são igualmente escarnecidos e achincalhados pelo humor bruto dos bonequeiros. A “ordem estabelecida” é colocada em xeque diante da negação de qualquer tipo de autoridade nos episódios que se desenrolam em cima da empanada do mamulengueiro.

Essa quebra da hierarquia social nos folguedos populares é visível nos autos do Boi de Reis e Cavalo Marinho. Enfim, o ideário anarquista influencia toda a cultura popular. O que é o nosso carnaval de rua senão um momento em que a repressão estatal e a burguesa permitem essa momentânea quebra da hierarquia? Os afoxés, congadas e maracatus, os caboclinhos e blocos de sujos, os papangus e outras figuras do carnaval lavam a alma do povo, extrapolando os limites impostos pelo sistema. Nas diversas ditaduras que infelicitaram a vida do povo brasileiro, era durante o carnaval que se permitiam as críticas mais contundentes aos ditadores e às condições de vida da população.

Brincando, o povo do país da ginga, do drible de corpo, do molejo do samba, dos passos codificados do terreiro e da malícia do golpe da capoeira, com seus cânticos, ritmos, danças, instrumentos, figurinos e adereços característicos, celebram em forma de procissão, de romaria, de roda, de bloco ou de desfile, sua alegria de viver e sua esperança de superar as correntes da escravidão, em busca da verdadeira liberdade, sempre negada e usurpada.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Onde andará Nero, o gladiador?


Nero é um personagem de Itabaiana, tão fantástico que apenas uma descrição de Gabriel Garcia Marques junto com Franz Kafka poderia explicar. É um sonhador, na visão de alguns; um enganador, conforme o ponto de vista dos seus desafetos, vítimas de algum golpe do mestre em fantasia. Sim, porque desde que o conheço, Nero se destaca pela faculdade de imaginar, de criar ilusões sobre si mesmo e o mundo.

Um dia Nero imaginou que seria um grande lutador de boxe. Vestiu a fantasia e saiu por aí desafiando os adversários, reais ou imaginários. Para provar que era o cara, contratou combate com um tal de Tigre Paraguaio, lutador veterano em fim de carreira que andava pelos circos mambembes fazendo exibições ordinárias. Feito o acordo da marmelada, no meio da “luta” Nero acertou um soco no adversário, que chiou:

− Nero, vai com calma que essa pegou!

E Nero, entusiasmado pela torcida:

− Comigo é pra valer!

Levou um direto no fim do primeiro assalto que foi acordar no hospital. Mas continuou sua carreira de boxeador imaginário, inventando mil histórias de lutas fantásticas contra os maiores pugilistas da terra. Andava exibindo telegrama de um tal de Mike Tyson pedindo que Nero não o desafiasse, para o bem de sua fama internacional.

Alistou-se na Polícia Militar, de onde foi expulso por indisciplina. Entrou com ação na Justiça, alegando que foi vítima de um complô da Cia, KGB, Scotland Yard e outras corporações. Depois forjou notícia de jornal onde aparecia como o soldado que foi promovido a capitão por bravura e por ter enfrentado a máfia da própria polícia. Ainda hoje quer ser chamado de capitão, patente imaginária que arrumou na sua cabeça insana.

Essa figura me aparece em Mari, na rádio comunitária onde eu apresentava um programa jornalístico, acompanhado de Dedé “Braço de Radiola” − seu empresário, outro rapaz “viajante na maionese”, como se diz por lá. Queria promover uma luta beneficente, desafiando os homens valentes da cidade para um combate. Apareceu um tal de Genival Monteiro, metido a lutador de caratê e também meio lelé da cuca. Sendo um sujeito destemido, na condição de vereador, Genival metia a pua na prefeita que o odiava. Por vias do despeito, a prefeita garantiu a Nero um bom cachê se o nosso lutador aplicasse uma surra no adversário, adiantando por conta 200 paus. Nero pegou a grana e desapareceu da cidade, deixando Genival com água na boca e a prefeita frustrada por ter levado rasteira daquele “lutador” descarado.

Depois disso nunca mais soube de Nero, que se intitulava “o gladiador”.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Teatro de Itabaiana comemora 33 anos de fundação


No dia 22 de agosto de 1976, o Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana – GETI – realizava sua primeira apresentação pública, com o espetáculo “A Peleja de Lampião com o capeta”, no palco do antigo Itabaiana Clube. Na foto identifiquei, da esquerda para a direita: Geni, Idalmo (que encarnou Lampião na famosa peça), Osório Cândido, professora Socorro Fragoso, Fábio Mozart (de barba a la Raul Seixas), Flaviano Almeida e Joaquim Lopes, o Neguinho. Foi na bebemoração, ao final do espetáculo.

Um ano depois, fundamos a Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz, que depois passou a se chamar Sociedade Amigos da Rainha do Vale do Paraíba, com o objetivo maior de divulgar a cultura regional. Além de Idalmo, participaram do primeiro espetáculo os atores Norberto Araújo, Ercílio Palhano, Romualdo Palhano, Roberto e Elizabeth Palhano, Osório Cândido e Agnaldo Alves. Nos bastidores, atuaram Flaviano Almeida, Luciana Pascoal, Geni, Carlos Alberto Lucena, Jandira Lucena, Joaquim Lopes, Weber Veloso e José Ramos. Desses, nenhum mais resta morando em Itabaiana.
O foco era usar o teatro para tentar emocionar o público com elementos de sua própria cultura. Fazíamos um teatro emergencial, sem grande apoio da técnica, mas fomos responsáveis pelo embrião da cultura artística organizada na terra de Sivuca.
No presente momento, o grupo ainda luta por um espaço digno onde possa realizar suas atividades, através dos companheiros Normando Reis, Fred Almeida, Marcos Veloso, Edgley Gonçalves, Das Dores Neta e Clévia Paz.
Nesses 33 anos, o grupo montou as peças “A Peleja de Lampião com o Capeta”, “Auto da Paixão”, “Nem só de pau vive o homem”, “ABC de Zé da Luz, o poeta do povão”, “Vozes da vida e da morte” e “O Batalhão das Sombras”, todos de minha autoria. Ainda montamos “Dorotéia Carvalhal, a mulher que se casou 18 vezes” (adaptação de cordel), “Dois perdidos numa noite suja”, de Plínio Marcos e “Hoje a banda não sai”, original de Marcos Tavares.

No próximo ano, o companheiro Romualdo Palhano pretende lançar em Itabaiana um livro que fala sobre a história deste grupo de teatro amador. Na ocasião, eu também estarei lançando um livro de crônicas com o título provisório de “A Voz de Itabaiana e outras vozes”. Aproveito e já recebo o diploma de cidadão honorário da terra de Zé da Luz, que muito gentilmente a Câmara Municipal me concedeu. Para quem não sabe, sou pernambucano de Timbaúba, mas radicado em Itabaiana desde garoto. Romualdo atualmente é doutor em Teatro pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UNIRIO – e professor da Universidade Federal do Amapá.

O grupo vivenciou muitas coisas nos 33 anos de existência. Fundamos um teatro de bolso (Teatro Nautília Mendonça), que depois foi engolido por um prefeito. Durante a ditadura, fomos presos em nome da segurança nacional, pelo crime de montar uma peça que falava da miséria do povo. Do nosso grupo saíram Romualdo e Palmira Palhano, dois nomes de proa do teatro da Paraíba. Despontou também no meio artístico o companheiro Agnaldo Alves, nosso “Pabulagem”, fundador e líder do grupo folclórico Acauã da Serra, de Campina Grande.

De resto, temos muitos motivos de orgulho por fazer parte daquele grupo de artistas amadores, renovando a fé nos atuais compaheiros que ainda teimam em guiar as novas gerações na luta por sua própria identidade, através das artes cênicas.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

MIRO DO BABAU É O CARA!





Em Mari vive um cidadão por nome Ramiro Freire, conhecido como Miro do Babau. Roupa extravagante, paletó vermelho, óculos escuros, cravo na lapela, chapéu “cheguei”, ele anda pelas ruas tocando um pandeiro e cantando velhas cantigas de boemia. É um sujeito verborrágico, quando se espalha é difícil juntar.

Figuraça, esse Miro do Babau, estrela de uma roda de exposição da arte do mamulengo promovida recentemente por um grupo de pesquisadores do Ministério da Cultura. De uma hora para outra, Miro foi transformado em “patrimonio imaterial da Paraíba”. Levaram nosso herói para um luxuoso hotel na orla de João Pessoa, onde também estavam os mestres Clóvis e Luiz do Babau, de Guarabira, mestre Paulo de Mogeiro, mestre Maestro de Bananeiras e mestre Inaldo de São José dos Ramos, além do mestre Vavau de João Pessoa. Tantos mestres mamulengueiros juntos, depois que abriram suas malas de bonecos foi um fuá medonho. O que saiu de beneditos, marias quitérias, cabos setenta e o diabo a quatro não foi brincadeira, ou melhor, foi brincadeira das boas a noite toda.

Miro do Babau parecia um dez réis trocado na roda de conversa, onde os mestres puderam contar suas histórias de vida, as dificuldades que enfrentam para manter sua arte e falar dos seus espetáculos. Muitos desses mestres já deixaram de brincar, uns porque viraram protestantes, outros porque não conseguem interessar as novas gerações para o seu “brinquedo”, que não pode enfrentar o que a indústria cultural impõe através da TV e outras mídias. Alguns ainda tentam resistir, mas não são incentivados pelas instituições do poder público que não valoriza esses artistas populares. “Só sou chamado para trabalhar no dia do folclore, assim mesmo de graça”, reclama Miro do Babau.

Mas ele não desanima. Tem o entusiasmo de criança, admirado pelos que assistiram sua apresentação em João Pessoa, basicamente pesquisadores, alunos e professores da UFPB. Na platéia, Emilson Ribeiro, pesquisador da cultura popular e responsável por esta área na Fundação Cultural de João Pessoa – Funjope. Apenas um prefeito veio prestigiar a apresentação do seu artista, que foi a prefeita de São José dos Ramos, Dra. Maria Aparecida Rodrigues, conhecida por Dra. Cida. Na conversa com o grupo, mestre Miro do Babau contou sua história, de um jeito apressado e impaciente como é seu estilo, mas depois “encantou a todos cantando uma das pérolas do seu repertório de cantor brega, mobilizando toda a platéia com a sua crença na maravilha da vida”, conforme afirmou um dos pesquisadores. Um jovem por nome Jonas acompanhava o mestre Miro, fazendo o papel de Mateus, que é o cara que fica na platéia interagindo com os bonecos, falando diretamente com eles. São chamados também de “secretários”, os que dialogam com personagens como os policiais, o capanga, o coronel, o padre, o catimbozeiro, o boi, a cobra e tantos outros.

O mestre Inaldo de São José dos Ramos também foi destaque na apresentação, principalmente na cena do coveiro carregando o morto. A incelença e a movimentação de cena, executada de forma solene e poética, silenciou a platéia. No final, ficou a certeza de que esses artistas de uma arte em extinção ainda não estão isolados do mundo. Alguns, como esses pesquisadores, buscam caminhos que possibilitem a manutenção do brinquedo e a continuidade do babau.

Quanto a Miro do Babau, voltou para Mari nem orgulhoso nem mais consciente do seu valor como artista. Continua com sua vida de alegrar as pessoas com suas canções bregas e seu teatro de bonecos pra quem quiser ver/ouvir, sem se preocupar com esse negócio de preservação da cultura popular. Mas eu sei que ele é o cara. Muita gente em Mari, inexpressiva culturalmente, faz tudo para aparecer, sem conteúdo ético, moral ou cultural, na ânsia de dar vazão ao seu estrelismo estéril. Vaidades vazias diante de um Miro do Babau, esse sim, um artista que orgulha a terra do mestre Antonio Galdino, o maior mamulengueiro de Mari, já falecido.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Bolo no ventilador


Um dia, o cerimonial do governo do Estado da Paraíba andou por caminhos nunca dantes navegados, com a licença de Camões. E foi por obra e graça de um sujeito totalmente avesso a esse negócio de formalidades. Quem o conhece sabe do que falo. Trata-se do músico e poeta Pedro Osmar, que foi indicado para representar a Associação Paraibana de Imprensa na festa de aniversário do governador, o também poeta Ronaldo da Cunha Lima.

Pedro, na condição de diretor de cultura da API, apresentou-se na entrada da festa em trajes, digamos, não muito convencionais: bermuda básica, chinelos e camiseta. Os porteiros foram logo implicando com o homem, mesmo ele portando o convite oficial. Consultado, Ronaldo mandou Pedro entrar, conhecendo sua espontaneidade.

Toda a Paraíba oficial estava no salão nobre do Hotel Tambaú, a nata da sociedade, as madames com seus vestidos delirantes, os homens nos seus melhores ternos, a minoria que detinha e detém o prestígio e o domínio na nossa Paraíba provinciana estava toda lá para homenagear o governador. Começando o cerimonial, os oradores se sucediam na louvação ao aniversariante. E haja coquetel, bajulação em prosa e verso ruim, em uma noite que prometia muita badalação para mais de 500 pessoas. Pedro Osmar estava no seu cantinho, quase invisível, mas mesmo assim um incômodo à nata da sociedade ali presente.

Os discursos tão chatamente típicos desse tipo de evento se sucediam, e Pedro ia enchendo o saco devagarzinho. Chegou o momento de convidar os representantes das entidades presentes, e o nome de Pedro Osmar foi solenemente ignorado. Tudo caminhava para um desastre iminente, mesmo porque Pedro começou a ridicularizar os enfastiados convidados e suas madames.

Na hora de cortar o bolo, Ronaldo Cunha Lima já estava, ele também, entediado com aquele bajulismo irritante, doido para tomar sua cachacinha num boteco qualquer, declamar seus versos no meio de pessoas espontâneas e francas. O Mestre de Cerimônia iniciou o ritual de corte do bolo, esquecendo de convidar o diretor da API para participar do festim. Foi um erro de consequências fatais para o bom andamento da cerimônia. Pedro meteu as duas mãos dentro do imenso bolo e começou a jogar em volta, sujando as preciosas roupas das madames e os trajes formais dos cavaleiros. Aí, meu camarada, foi quando a porca torceu o rabo, a vaca tossiu e a arara cantou. Achando pouco, ele pegou o resto de bolo e jogo no imenso ventilador de teto.
No meio do tumulto, alguém acionou a polícia. Em segundos, a porta do hotel estava coalhada de policiais. Veio a rádio-patrulha, a cavalaria, o canil, a guarda municipal e os demais meganhas para deter o atrevido poeta que bagunçou a festa do governador. Pedro Osmar só não foi preso porque Ronaldo saiu com ele do hotel, abrindo fileiras no meio dos soldados, conduzindo-o para local seguro.

Depois disso, Pedro achou por bem dar um tempo. Viajou para São Paulo, deixando a Associação Paraibana de Imprensa com a ingrata missão de se desculpar com o governador pelos inconvenientes causados por seu representante naquela fatídica festa. O prejuízo maior: as fotos das madames não puderam ser publicadas nas colunas sociais do dia seguinte. Ninguém queria aparecer como personagem de pastelão!

segunda-feira, 24 de agosto de 2009


Jornalista Arnaud Costa (meu pai) escrevia no Timbaúba Jornal, na década de 50. Quando publicou esta crônica, eu ainda não havia nascido.

UM APARTE

Arnaud Costa

O Professor José Cavalcanti

Imagine-se um homem completamente paralítico, deitado numa rede, impossibilitado de ler, escrever e até de satisfazer as mínimas necessidades fisiológicas; um mancebo de paciência ascética, que trazia o mundo para dentro de casa através da literatura, à qual devotava suprema abnegação; um mestre paciente, metódico e perspicaz; um cidadão altivo, pachorrento, por vezes humilde e dedicado, quase sempre − e ter-se-á uma pálida idéia do que foi em vida o Professor José Cavalcanti de Lima, cuja consagração ao ensino ultrapassava os limites de um apostolado, duma paixão inconteste.

Quem, como eu, teve o privilégio de conhecer o antigo Diretor do INSTITUTO BATISTA de Itabaiana, não ignora o fato, incomum e paradoxal, dum Professor, ainda que primário, sem poder ler e escrever as lições marcadas diariamente, para mais duma centena de alunos do seu educandário às expensas do sacrifício e da dedicação do Mestre desaparecido. Apesar dos pesares, o Professor Cavalcanti lia, escrevia e contava, por intermédio da sua irmã, auxiliar indispensável do Colégio, que punha em prática o engenho oriundo da inteligência privilegiada do mano.

Possuidor duma memória aguçada, dono dum espírito elevadíssimo, cuja resignação ao sofrimento e à dor constrangia os corações mais endurecidos, o Professor Cavalcanti ensinava quotidianamente, com a venerável dedicação dum verdadeiro mártir, muitas vezes ainda sentindo as atrocidades das dores que o atormentavam quase todas as noites. Vivia do ensino. Senhor duma dedicação altruística, tratava os alunos com o maior carinho, nunca aplicando ensinadelas, jamais infligindo castigos.

Era assim o Professor Cavalcanti. Mesmo sem ter alisado os bancos duma escola, mesmo sem conhecer os salutares benefícios duma sabatina, conhecia como ninguém, todas as matérias que ensinava, acrescida de inglês, francês e latim.

Polemista, escritor, jornalista e exímio manejador da palavra, o ilustre homem desaparecido deveria ser imitado pelas gerações futuras. A sua memória deveria ser legado à posteridade, como exemplo para aqueles que, mesmo destituídos de aptidões, mesmo portadores de defeitos físicos, necessitam vencer honestamente na vida.

A rede tosca e sem apetrechos era a sua cátedra, a sua banca de trabalho, o seu posto de vigília. Nunca recebeu auxílio oficial, assim como nunca precisou de esmolas. Certa vez foi visitado pelo Governador José Américo, tendo sido, na oportunidade, alvo dos mais alcandorados encômios, das mais alvissareiras promessas. Mas, com o tempo o Chefe do Governo esqueceu o prometido, e a vida seguiu o seu ritmo normal até a morte, há pouco, do pranteado educador.
E, como reminiscência desse homem extraordinário, Itabaiana tem hoje, graças à Câmara Municipal, a “Rua Professor José Cavalcanti” − última homenagem a quem prestou os mais relevantes serviços à terra comum.

Arnaud Costa

Transcrito do Timbaúba Jornal de 23/04/1955

sábado, 22 de agosto de 2009

AINDA SOBRE SIVUCA


AINDA SOBRE SIVUCA

Joacir Avelino


Sobre o seu artigo “Palavra fora de contexto”, gostaria de emitir minha opinião a respeito dos comentários em torno do músico Sivuca. Ele sempre enalteceu o nome de Itabaiana por onde passou. Por causa dele muitos brasileiros passaram a entender que não havia apenas a Itabaiana do Estado de Sergipe, mas também existia uma no Estado da Paraíba. Lembro-me que certa vez, na década de 70, assistia num dia de domingo ao programa Fantástico da Rede Globo, quando de repente surge uma reportagem sobre os músicos brasileiros que mais faziam sucesso no exterior. E eis que aparece Sivuca, com sua fisionomia albina, de barba, já um homem experiente, com sua sanfona, companheira de todos os momentos. A certa altura da entrevista o repórter pergunta de onde ele é. A reposta vem na ponta da língua, sem titubear: “sou de uma cidadezinha do interior da Paraíba, chamada Itabaiana”.
Eu, particularmente, já assisti a vários shows de Sivuca ao vivo, um inclusive muito interessante, aqui em Maceió, onde resido, em que com sua sanfona praticamente regia a orquestra sinfônica da Paraíba, quando de uma apresentação ao ar livre no papódromo, este assim chamado em homenagem ao Papa João Paulo II, quando esteve por aqui. E na ocasião, a certa altura do espetáculo, fez questão de falar da sua origem itabaianense. Da mesma forma que regia a orquestra do seu Estado, fez ver à platéia que outras orquestras do mundo, especialmente na Europa, também tinham esse privilégio, inclusive já estava com viagem marcada para se apresentar diante de uma orquestra na Áustria. Em dezenas de outras entrevistas que assisti, sempre que perguntado sobre sua origem, orgulhosamente Sivuca respondia: sou de Itabaiana, pequena cidade encravada no interior da Paraíba.
Ao ler o seu artigo lembrei-me de um disco em vinil que adquiri na década de oitenta, quando residia em Cuiabá. Era uma “seleção de ouro” do Sivuca, cujo lançamento tinha o selo da extinta Beverly. Dentre as doze músicas escolhidas, duas retratavam Itabaiana no seu âmago: “Feira de Itabaiana” - não confundir com “Feira de Mangaio”, um clássico do autor, além de “Alagamar”. Essa seleção trouxe o que de melhor Sivuca gravou em termos de forró, o verdadeiro ritmo nordestino.
Agora vem essa história de alguém que plantou uma notícia falsa de que Sivuca em algum momento renegou sua origem. É aquela máxima popular: uma notícia mentirosa, repetida várias vezes, às vezes torna-se verdadeira. Essa rede de boataria sempre existiu, principalmente em cidades do interior.
Em vez de estarem plantando mentiras, os boateiros de plantão poderiam reverenciar melhor os filhos de sua terra, porque se não fizerem isso, os outros dificilmente farão. Por que não se fazer uma enquete para se saber se na entrada de Itabaiana caberia uma placa com os dizeres “Itabaiana – terra de Zé da Luz” ou “Itabaiana – terra de Sivuca”? A sugestão foi dada, agora só cabe aos itabaianenses decidirem.

Mensagem de Adeildo Vieira


O carteiro eletrônico deixou uma mensagem que faço questão de socializar com meus quatro leitores fiéis:

Caro Fábio Mozart,

meu irmão de idéias!...

Tudo em paz?

Você me emociona sempre quando leio (e sou assíduo leitor) suas incursões literárias que sempre se pautam nas belezas dos nossos jardins e terreiros. Você é o elo que mantém minha alma em Itabaiana, terra onde dei os primeiros passos em direção à vida. Vida que permeei com música na busca de um mundo mais justo e solidário. Além de sua literatura telúrica e emocionante, apenas meu pai me remete à pedra dançante que me intui ao bailado da vida. Pois é, falo dos ossos dele que estão sepultados nessa terra. Mas o mais importante é que a matéria dele já se misturou com os elementos minerais da terra; entretanto, se mantêm vivas as idéias que ele plantou no meu coração e que me atiram pro mundo. Até hoje as locomotivas conduzidas por Seu Edísio Vieira carregam vagões cheios de dignidade. Eu ocupo um dos vagões e aceno pra vida pela janela.

Você tem uma vitalidade invejável e a poesia no coração. É um dos nossos!
Obrigado pela lembrança e pelo carinho!
Sou um grande admirador seu!

ADEILDO VIEIRA

PS: Estão articulando mais um show meu em Itabaiana. Espero que tudo dê certo pra vivermos outra experiência emocionante, como aquela que vivemos em 2004. Espero vê-lo lá.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O JURUNA QUE DEU CERTO


Na década de oitenta, fez sucesso na mídia um índio semi-aculturado que atendia pelo nome de Juruna. Elegeu-se deputado federal, sendo o primeiro índio a exercer esse cargo no Brasil. Ele era cacique da tribo dos xavantes e ficou conhecido pela maneira como se relacionava com os brancos, sempre com um gravador em punho. “Não acredito nos brancos, eles mentem, por isso gravo tudo que me dizem”, afirmava o índio deputado.

Por essa época, na cidade de Mari, surgiu uma liderança política que veio da zona rural, agricultor semi-analfabeto, com traços de índio, com a naturalidade e espontaneidade das pessoas simples. Elegeu-se vereador e logo recebeu o apelido de Juruna. Era Antonio Gomes, entrando no jogo político com a idéia de ajudar seus companheiros agricultores de Taumatá e sítios vizinhos, os sofridos produtores rurais de Mari. Ele queria perfurar poços artesianos, procurar assistência técnica e recursos para o plantio, além de melhorar as estradas vicinais das fazendas e sítios da região. Sabia que na política era onde as coisas se decidiam, onde prevalecia a prática da barganha: quem tem mais votos tem mais espaços nas esferas do poder. Como vereador de oposição, pouco fez pelos agricultores, além de repercutir na Câmara Municipal com sua voz rouca e rascante, as denúncias de descaso da Prefeitura com o setor agrícola do Município.

Eleito um prefeito do seu grupo político, Antonio Gomes foi convidado para a Secretaria de Agricultura. Foi aí onde o homem mostrou sua capacidade e ganhou visibilidade para voos mais altos na política. Digamos que tomou gosto definitivamente pelo poder. Antonio cuidou da agricultura familiar, da questão ambiental e assistência técnica para os produtores rurais. Como líder rural, voltou-se para a organização das associações de produtores, possibilitando maior espaço para a comercialização da produção e valorização do agricultor, trabalhando fortemente na efetivação de ações técnicas e políticas através dos projetos de sua Secretaria.

A história de vida de Antonio Gomes mostra um homem determinado. Trabalhador como poucos, conseguiu amealhar bens consideráveis, produzindo e comercializando mandioca. “Tenho orgulho da minha origem, da minha história”, costuma dizer, satisfeito por ver que sua Taumatá avançou, está melhor do que no tempo de sua infância, e isso se deve muito a ele. E sua Mari também vem avançando, pois o Juruna vereador evoluiu para o político conciliador e esperto, que conseguiu enfim realizar o sonho, que era governar sua terra natal. Com pouco mais de quatro meses de gestão, o novo prefeito vem materializando essa relação de amor que tem com sua Mari, trabalhando duro para superar os imensos obstáculos em uma prefeitura pobre de um município pequeno.

O serviço público é um bom espaço para exercermos a essência do serviço de forma eficiente, de colocarmos em prática o que é o servir, principalmente no município, o lugar em que a gente mora e onde muitas vezes a pessoa a quem atendemos é alguém que conhecemos, alguém da nossa família. Mas também é uma vitrine às vezes cruel. Na impossibilidade de atender a todos, logo vêm as críticas, o mais das vezes injustas.

Entretanto, o sucesso de Antonio Gomes na política não ocorreu por acaso. Ele é persistente e gosta de enfrentar desafios. Na administração, não importa se a pessoa envolvida é a que limpa o chão ou o prefeito. O fato é que as coisas só vão funcionar bem se a gente se impuser desafios. Transformar o problema em desafio. Fazer algo notável uma única vez é fácil. Difícil é fazer isso de forma permanente. E para fazer isso é preciso ter motivação, uma coisa que Antonio Gomes tem de sobra, porque ele ama sua terra e seu povo.

Resta saber se, no final, o sonho de Antonio Gomes de governar sua terra não vai virar pesadelo

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Amadorismo teatral na Paraíba




Paulinha e Neneu Batista em cena, no Coletivo Dramático de Mari

Soube que o ator e encenador Fernando Teixeira menosprezou a idéia de se reciclar a Federação Paraibana de Teatro Amador, sob o argumento de que teatro amador praticamente não existe mais, já que todo mundo que quer realizar uma apresentação paga deve ter a carteira do sindicato da categoria, e, portanto, é profissional. O espaço para teatrista amador ficou restrito às escolas e igrejas.

O argumento é discutível. Muita gente garante que, na Paraíba, só uns três ou quatro de meia dúzia vivem de teatro. O resto é amador, porque se ganha, é um cachê na vida outro na morte. Quem não vive da atividade não é, portanto, profissional.

A Federação teria muito espaço de atuação no interior, onde os artistas enfrentam as dificuldades inerentes ao fazer teatral, como falta de espaço, de técnica, de apoio em geral, e a entidade pode ajudar muito no desenvolvimento desse teatro incipiente que existe de fato nas cidades paraibanas.

O Grupo Massangana de Teatro Popular tem 36 anos de existência e ainda está atuante. O Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana comemorou também 33 anos, com novas montagens. O Coletivo Dramático de Mari (Codrama) espera apenas um empurrãozinho para voltar a atuar com o brilho do passado. E tantos outros pela Paraíba afora. O que falta é visibilidade. Organização para que a arte dos companheiros interioranos possa ser vista. Cadê os festivais de teatro amador? A Federação fazia isso, e hoje não existe mais.

Falta incentivo também para os dramaturgos. Tínhamos um banco de textos, criado por Marcos Veloso na Federação, levado pelo turbilhão da desorganização geral do movimento. Há muito tempo o Governo não realiza concurso de dramaturgia para incentivar novos talentos. O projeto de interiorização da cultura ficou no papel.

Acho que sim, que tem espaço para o teatro amador, e a Federação faz falta.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

MORREU MEU PARCEIRO FOFÃO


Nem o registro frio da imprensa mereceu a morte de Fofão. Um gaiato de Mari foi quem me informou: morreu Fofão, caído na rua, consumido por décadas de cachaça. Seu organismo quase que se acostumava com o álcool, mas, igual ao cavalo do português, morreu antes de se acostumar.

É certo que Fofão não foi um sujeito socialmente correto. Era um ébrio, um bêbado improdutivo. O gosto pela birita veio desde quando trabalhava como garçom. Bebendo os restos dos copos dos clientes, Fofão foi consumindo cada vez mais o álcool da cerveja, vinho, cana, conhaque e o que fosse, dependendo do gosto do freguês.

Cada vez que esvaziava um copo, Fofão atentava contra si próprio, mas “sem perder a ternura jamais”. Foi sempre um rapaz cordial e educado. Após dias e noites de bebedeira, estava sempre com um sorriso no rosto largo, de bochechas proeminentes que lhe valeram o apelido. Seu grande amigo Beba do Violão lamentou a morte do companheiro por excesso de bebida, e foi curar as mágoas do seu jeito: enchendo a cara, tocando canções bregas com o eterno seresteiro dos cabarés, o imortal Heleno Boca de Rosa.

Faço aqui meu registro da morte do estimado amigo Fofão. Por encher a lata dia e noite, não o condeno. Fui seu companheiro de mesa no bar de Nelson, em Manoel do Bar, no bar Canaã, no Bar de Zezinho Kalai, na pensão de Maria Pintada e outros botecos menos votados de Mari. Os puritanos e falsos moralistas não podem condenar o barato de Fofão. Alcoólatra, era um homem digno, cordato, sujeito do bem. Conheço camarada metido a direito que tem vícios inconfessáveis, mas é o primeiro a condenar um ser humano que, por infelicidade, entrega sua vida ao alcoolismo. Mas com dignidade. Tem nego que, quando bebe, fica brabo, ou revela sua porção mulher, ou vira um canalha da pior espécie. Fofão sempre foi um bêbado calmo, tolerante, humilde e sereno. Nunca o vi alterado, desrespeitador ou violento quando estava de porre, quase sempre.

O escritor cearense José de Alencar escreveu sobre a cachaça dos índios, no seu romance Ubirajara: “o cauim queima a boca do guerreiro, mas derrama a alegria dentro d’alma”. Assim, o alcool devorou o organismo de Fofão, mas não o tornou um sujeito amargo, pelo contrário.

Na foto do blog, da esquerda para a direita, Fofão, Beba do Violão e este brahmeiro que vos fala, tomando “a do almoço” no bar Canaã. Note-se que eu estou vestido com a farda de torcedor do glorioso Botafogo carioca, mais um motivo para comemorar.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Amarrando cachorro com linguiça


Quando eu chego a Itabaiana, fico mais perdido do que calcinha em lua-de-mel. Não conheço mais ninguém, os bebinhos do meu tempo já foram, a maioria, foi tomar goró no andar de cima, de modo que foi com alegria que avistei Biu Penca Preta sentado num boteco no mercado público, dando cabo da primeira meiota do dia, uma cachaça chamada “juízo final”, aquele caxixi falsificado e devidamente batizado que você toma hoje e amanhã todos os seus pecados já terão sido pagos. Fui logo atacando:

− Mas Biu, tu só vive bebendo!

E ele, cínico:

− Eu vou fazer o quê? Só tem uma igreja, o resto é bodega...

Explicou que estava fazendo sua parte para evitar a famosa gripe do porco.

− Se apenas limpando as mãos com álcool elimina o risco do vírus da gripe, ingerindo bebida alcoólica então, ele nem chega perto!

Ele disse que pensou em parar de beber este ano. “Mas eu sou brasileiro, não desisto nunca!”. E o esporte que pratica? Joga sinuca.

− Porque o médico recomendou a caminhada diariamente, olhando para o verde...

Na qualidade de grande conhecedor de bebidas alcoólicas, Biu garante que já foi até entrevistado pela rádio comunitária “Vai à Força” a respeito do assunto, na cidade de Vitória de Santo Antão, lugar onde quase ninguém ouviu falar de aguardente. Ele foi entrevistado sobre cerveja. O locutor perguntou:

− Senhor Biu, cerveja mata?

− Sim, sobretudo se a pessoa for atingida por uma caixa de cerveja com garrafas cheias, precisamente num ponto equidistante entre a tábua do queixo e o cocuruto, por trás da raiz do chifre esquerdo.

Suando mais do que cerveja de anúncio, o locutor acochou outra pergunta:

− Senhor Biu, a cerveja causa dependência psicológica?

− Não, porque 89,7% dos psicólogos e psiquiatras entrevistados preferem uísque.

− Cerveja engorda?

−Não. Quem engorda é você.

− A cerveja causa diminuição da memória?

− Lembro não, ó!

Depois ele passou a dar pitaco em todo assunto da atualidade. Grande amigo e puxa-saco dos vereadores de Itabaiana, garantiu que “a Paraíba tem três senadores, mas se bater os três num liquidificador, não dá um copo de vereador itabaianense”.

− Tá decidido: eu, Severino Penca, enquanto pessoa, a nível de ser humano, não vou mais votar nessa mundiça. Só voto pra vereador de Itabaiana, que é tudo gente boa.

Garantiu que Obama disse a Zé Cobal: “esse cara é um cara do caralho!”. Foi na reunião da Cópula das Américas.

Na sequência, passou a falar mal de quase todo mundo, despejando sua ira santa e avinhada sobre um monte de coisas. Depois que Biu se espalha, pra juntar fica difícil. Só não fala de um tal de Som, que é seu patrão. Contou que tem uma delicada cidade aqui perto que obteve surpreendente marca, informada através de pesquisa do IBGE. Estima-se, com grande porcentagem de acerto, que veado nesse lugar é que nem bujão de gás: na casa que não tem um, tem dois.

Sobre a crise mundial, Biu disse que tá com a gota serena. Até os pais-de-santo estão tendo que se adaptar a esses novos e difíceis tempos. Segundo ele, pesquisa realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Gaia e Estatística) revelou um aumento de 15% no preço do kit-despacho no último mês. Por causa disso, os babalorixás estão cortando drasticamente os custos. “Pra se ter uma idéia da situação, no seu último despacho, Pai Sandu, que tem um terreiro no Açude das Pedras, só usou meia galinha preta, um quartinho de Pitu e velinhas de festas de aniversário. Ele já adiantou: se a coisa piorar, vai ter que usar só dois dedos de Pitu e trocar a meia galinha por um tablete de Caldo Knorr”.

No fim, Biu contou sobre um amigo dele que é muito enjoado. Falando de mulher, o bicho saiu-se com essa:

− Compadre Biu, mulher é troço esquisito: não gosta de pescar, não gosta de futebol, não sabe contar piada, não toma uma cachacinha... Olhe, se não tivesse xoxota eu nem cumprimentava!

Piadas do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça...

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Versos fesceninos



Poeta Heleno Alexandre

Registro em ata minha admiração pelos poetas repentistas. A sabedoria cósmica e humor arretado desses caras os tornam artistas excepcionais. Hoje quero falar de dois poetas desse naipe, Heleno Alexandre e Antonio Xexéu. Heleno é de Sapé, tem 36 anos, diretor de programação da Rádio Comunitária Sapé, produtor e apresentador do programa “Violas e Violeiros”. Já cantou até no Ceará, na TV Diário, no programa “Ao Som da Viola”. Na Paraíba, de vez em quando aparece no “Cantos e Contos” da TV O Norte. Mas o que gosta de fazer é apresentar-se em escolas públicas e comunidades carentes, levando a cultura popular para as novas gerações.

Antonio Xexéu é de Itabaiana, tem 53 anos, poeta de rua, como gosta de dizer. Pega a viola e sai cantando pelas feiras do Nordeste, com ou sem parceiro, com público ou sem, com dinheiro ou sem nenhuma grana. Admirador do grande Manoel Xudu, Xexéu um dia encontrou-se com Heleno em uma venda, na fazenda Taumatá. Depois de engolidas algumas lapadas de mel de abelha com cachaça de cabeça, os dois vates começaram a cantar safadeza, aqueles versos fesceninos, um bocado licenciosos. Heleno Alexandre é um sujeito erudito, escolado, longe do padrão dos poetas repentistas analfabetos do Nordeste. Ele faz questão de esclarecer que na Roma antiga que falava latim, os versos fesceninos eram populares, porque se acreditava que a obscenidade tinha o poder de afastar o mau-olhado.

Antonio Xexéu é também cantor da trova libidinosa, mas sem a erudição do companheiro. Afinal, “só terminou a cartilha do ABC e a tabuada”. Começaram a cantar um “trocado”, quando Heleno falou de suas façanhas masturbatórias:

Eu trabalho atualmente
Na Fazenda Santa Esther
Meu patrão tem uma mulher
Que é o satanás em gente
Quando ele está ausente
Ela chega no terreiro
Passa a mão no corpo inteiro
Aumentando o meu tesão
Eu vou me acabar na mão
Feito colher de pedreiro.

Xexéu aproveitou a passagem de um casal de caprinos para cantar:

A cabra ensinou ao bode
A demonstrar compostura
Acabar com essa frescura
De comer cu, que não pode!
Eu faço barba e bigode
Disse o bodinho tarado
Já ficando aperreado
Com o cacetinho duro
Encostou no pé do muro
Dizendo: fode ou não fode?

Heleno tem dez anos que canta repente. Até escreveu um livro por nome “De repente...Dez anos”, que pretende lançar em breve. Antonio Xexéu publica folhetos de cordel com temas atuais e estórias que ele inventa. O último folheto ele escreveu em homenagem à prefeita de Itabaiana, dona Dida. Foi na última campanha política. O folheto começava assim:

Até quem não é daqui
Conhece a nossa prefeita
Uma mulher competente
Honesta e muito direita
Que plantou dignidade
E agora faz colheita.

Assim o poeta canta
Nessa nossa louvação
O mister de dona Dida
Na sua administração
Chamada “Um Novo Tempo”
De competência e ação.

Mas porém todavia, a prefeita não honrou o compromisso de pagar ao poeta, que por vingança espalhou uns versinhos maldosos:

Dona Dida e Antonio Carlos
Protagonizam novela
Ela falando mal dele
Chamando moça donzela
Ele esculhamba a prefeita
Não presta ele nem ela.

sábado, 15 de agosto de 2009

Viva Adeildo Vieira!


O ritmo alucinante da grande rede, com seus sites, blogs e milhares de fóruns de discussões virtuais, nos torna um grão de areia na praia. Isso me leva a escrever quase que só para minha tribo, um grupo restrito de pessoas. Conheço pessoalmente quase todos os que acessam meu blog. Tenho uma única premissa: compromisso total com o universo do meu leitor, que é o meu também. Vamos direto ao que nos interessa: uma visão pessoal das coisas de nossas províncias, principalmente Mari e Itabaiana, cidades onde passei a maior parte de minha vida, praticamente minhas fronteiras sentimentais.

Meu blog não tem contador de visitas, talvez seja lido por cinco ou seis pessoas diariamente. Em um site de literatura (www.recantodasletras.com.br) publico meus humildes trabalhos. Lá já fui lido por mais de duas mil pessoas de todo o Brasil. Mas na Toca do Leão, aqui é sala de reboco sem muito espaço e agitação, onde recebo os amigos do peito, os íntimos.

Entre essa meia dúzia de gatos pingados, tenho o poeta Gilberto Bastos, um artista da palavra que sonha com um mundo sem prepotência, um sujeito que cutuca o cão do sistema com vara curta. Gilberto é “um menino experimental que ateia fogo em santuários para testar a eficiência dos bombeiros”, segundo consta no seu espaço cibernético. (www.twitter.com/notraut)

Neste 16 de agosto, mando um alô para Wellington Costa, radialista de Cabedelo que está disputando eleição para conselheiro tutelar naquela cidade praeira. E um abraço especial para o compositor Adeildo Vieira, cabra bom e talentoso, nascido em Itabaiana, um sujeito que considero meu irmão, já que seu pai foi ferroviário, integrante da família dos trabalhadores na estrada de ferro, entre os quais me incluo. É que Adeildo está festejando aniversário, ele que é um dos maiores nomes de nossa cena musical. Louvemos o talento admirável desse itabaianense ilustre.

No meu livro “História de Itabaiana em versos”, citei Adeildo Vieira nessas sextilhas:

Outro também se destaca
Na lira itabaianense,
É Adeildo Vieira
Que a todo mundo convence,
Com sua arte engajada
Faz com que a gente repense

O jeito de estar no mundo
E pratica com fervor
A idéia do humanismo
Como catalisador
Da poesia mais pura,
Seja cantando o amor

Ou cantando a fé na vida
Com esse dom misterioso
De praticar sua arte
Em formato escrupuloso,
Onde a ética é a mensagem
De um cantar esperançoso.

www.fabiomozart.com
www.fabiomozart.blogspot.com

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A MÃO QUE GOVERNA


A menininha chegou cedo para o primeiro dia de aula. Sentou timidazinha, com sua bolsa nova, roupa nova e medos também novos. Era frágil, e mais pequena ficou diante da professora imensa, de aspecto cruel. Teve uma estranha e arrepiante sensação de que aquela mulher seria catalisadora das piores taras, com sua potente régua, seu olhar duro e perverso.

Foi assim durante a aula e durante o ano: canhota, levava pancadas com a régua para aprender a escrever “direito”. Ao menor descuido na tentativa de usar a mão esquerda, lá vinha a professora por trás, de surpresa. Engolia o choro, transformava a angústia em desenhos, sua paixão. Aprendeu a escrever com a mão direita e a esconder seu sentimento de terror diante da abominável mulher com a régua na mão.

A professora continuou lá, sempre presente ao longo de sua vida. Ainda que às vezes quase imperceptível. Naqueles tempos de verdes começos, escrever com a mão direita envolveu um longo aprendizado, não só de caligrafia. A menininha, por natureza rebelde e criativa, aprendeu a aparentar timidez e conformismo. Deu-se conta de que sua mão direita poderia escrever longas cartas, mas só a canhota seria capaz de criar algo conciso, simples e bem amarrado, como sua personalidade. Em poucas linhas.

A mão esquerda já construía seu mundo por si própria. Escondida da professora, a menininha potencializava suas narrativas visuais, com a força e a energia da esquerda. Ocasionalmente, a pequena fazia malabarismo, escrevendo com as duas mãos simultaneamente. Com a direita, o desafio de escrever os exercícios da escola. Com a esquerda, desenhava estórias em quadrinhos. Essa dobradinha, tarefa mágica, resultava na combinação equilibrada do seu modo de encarar o mundo, entre a resistência ao fascismo e as aquarelas coloridas de sua alma de artista.

Seja como for, a menininha cresceu, saiu da escola opressora, assumindo-se como ambidestra. Em busca de sua identidade, lançou mão da estratégia de driblar as mãos de ferro, persistindo sempre, usando sua mão esquerda ao lidar com a realidade, sem histeria. Como um observador distante, a mão direita, nessas horas, tinha uma postura de contemplação e consentimento. Não podia fazer nada diante da arte de sobrevivência explícita.

O impacto: um dia a mão esquerda fugiu ao controle da menina-moça, como uma espécie de prisioneiro que de repente se vê livre. O mundo, de uma forma geral, foge ao nosso controle nessa etapa da vida. A mão direita flagrou seu par, a canhota, para além dos gestos normais dos movimentos cotidianos. Pela primeira vez, a mão direita da menina-moça sentiu-se isolada num estranho mundo de sensações lúbricas. A mão esquerda acabava de descobrir o “Amor Veneris”, o órgão que governa o prazer nas mulheres. E com a descoberta, veio a reflexão sobre o poder. A mulher se descobrindo sexualmente. Descobrindo o clitóris, a mão esquerda teve, enfim, o controle do gozo da menina-moça. A descoberta foi tão importante que a mão direita quedou-se humilhada e teve um surpreendente movimento retroativo: “Quando por algum motivo preciso escrever com ela, a letrinha é exatamente igual àquela que ficou lá atrás, num período cinzento da minha infância”.

A mão direita gosta de se refugiar no passado e se apoiar em ícones, heróis ordinários e falsos protetores. A esquerda é sua versão mais nobre e corajosa. Elas se combinam, num jogo reiterado entre realidade e ficção, fuga e acomodação. O ponto X da questão passa longe do ponto G. É gozar e fazer gozar com a mão “que afaga e que apedreja”.

Registrando a história dos anônimos


Fábio Mozart entrevista o compadre Castor no seu “habitat”, o barzinho pé-sujo.

O grande poeta português Fernando Pessoa acreditava que, por mais que o homem saiba, sempre tem alguma coisa para aprender com as pessoas, não importa se essas pessoas são cultas ou ignorantes. “É regra da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães e bandidos, há filosofias que nos ministram os estúpidos, há lições de firmeza e de lei que nos vêm no acaso. Tudo está em tudo”, resumiu o imortal Pessoa.
O historiador Peter Burke diz que “a história das pessoas comuns e sua relação intrínseca com a estrutura social é muito importante; a história dos mais esquecidos, dos marginalizados pela história oficial é essencial para a compreensão dos fatos, pois a história deve ser vista de baixo. Isso abre a possibilidade de uma síntese mais rica da compreensão histórica através da experiência cotidiana das pessoas”. Essa é a idéia de um livro que estou lançando na cidade de Mari, falando da história da cidade a partir de depoimentos e perfis das pessoas simples, algumas de excepcional capacidade criativa, homens e mulheres do povo citados na dinâmica do coletivo, na construção de uma identidade mariense.

Compadre Castor, meu assessor para assuntos de botequim, é quem resume essa tese: “lugar de filosofar é em casa de rapariga”. Meu livro não tem orelha, que ele não usa óculos, dispensando, portanto, este acessório anatômico, mas conta com apresentação do ilustre Neneu Batista, galego dedicado aos afazeres culturais de sua terra, diretor de cultura da Prefeitura de Mari. No livreto desfilam os imortais Chapéu do Correio, Caveirinha, Manoel do Bar, Nelson do Bar, Biu da Pedra, poeta Zé Hermínio, a cafetina Maria Pintado, o cantor brega Heleno Boca de Rosa, o locutor Assis Firmino e tantas outras figuras de proa da história não oficial de Mari.

O livrinho recebeu o nome de “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso”, dedicado aos amigos que fiz quando morei por lá, chegando naquela cidade em 1988, ocasião em que o Município comemorou 30 anos de emancipação política. Fiz então um esboço incompleto da história mariense para ser teatralizado, o que realmente foi realizado com o Coletivo Dramático de Mari, conjunto cênico que fundei na ocasião. A direção ficou a cargo do competente Carlos Cartaxo. Foi nosso primeiro trabalho teatral na terra de Adauto Paiva, de quem ouvi falar com as melhores referências pelo seu caráter e espírito de doação à causa do folclore e da cultura em geral, como um intelectual sensível que foi.

Agradeço ao atual prefeito da cidade, Antonio Gomes, por acreditar no projeto, com o compromisso de levar ao público leitor mariense, principalmente à juventude, esta obra que, por seu restrito enfoque local, não animaria um interesse comercial da iniciativa editorial privada.

Para nós, como um país novo, sem muita sedimentação racial ou cultural, a pesquisa e o resgate de nossa história deveriam ser obrigatórios nas escolas. Mari segue em frente, sempre se renovando na sua destinação humana e cultural. Este trabalho pretende ser, em sua simplicidade, uma espécie de ABC dos homens simples que construíram a base do que somos hoje.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

ALCOOLISMO NA HISTÓRIA



Acabei de ler o livro “Hic!stórias – Os maiores porres da história da humanidade”, de Ulisses Tavares, um cara que deve beber seus gorós, mas é um escritor do cabrunco: já escreveu mais de cem livros sobre os mais diversos assuntos. Apenas em poesia, o cara já vendeu mais de oito milhões de exemplares.

Nesse livro sobre os cachaceiros, desde a antiguidade bíblica até o porre de Jânio Quadros que acabou renunciando à presidência do Brasil, Ulisses narra os problemas de alcoolismo dos grandes nomes da história da humanidade. Tem cada caso engraçado e trágico, contado com humor, que a gente não tem vontade de largar o livro. Quando acaba, fica aquela sensação de ter acabado uma boa garrafa de uísque, com gostinho de “quero mais”. Os pinguços sabem do que estou falando.

No fim, o autor lamenta não poder contar casos de muitos brasileiros famosos, por causa da proibição das famílias, ameaças de indenizações e censuras. Ele acha que não há democracia no Brasil, porque a liberdade de expressão é uma lorota.

Sobre o assunto, lembro que o meu jornal Tribuna do Vale foi ameaçado de processo judicial por ter publicado uma crônica humorística falando de uns bebinhos de Itabaiana e Pilar. Coisa engraçada, piada sem nenhuma intenção de macular a honra de ninguém, mas os homenageados não gostaram e partiram para a truculência jurídica. Como nesse blog não tem censura, em homenagem ao livro do Ulisses que acabei de ler, reproduzo a matéria. Antes, levanto um brinde aos meus amigos paus-d’água, os que gostam de um mé, os inestimáveis compadres “pés-de-balcão”.

Na coluna “Bagaceira”, do Tribuna do Vale, saiu uma piada com o fotógrafo Zeca, de Pilar. Diz que Zeca tem como profissão tomar “goró”, e nas horas vagas tira fotos. Escalaram Zeca pra tirar fotos do jogo entre o Santos e o Modena. Com a câmera a tiracolo e uma meiota no bolso, lá foi Zeca documentar o grande jogo. Só que na hora do gol, Zeca estava justamente tomando um gole da “marvada”, não registrando o único gol da partida. O desportista Barbosa pegou ar:

− Mas rapaz, só teve um gol e você não pegou!

E Zeca:

− Mas é de lascar! O goleiro que é goleiro não pegou, avalie eu que sou fotógrafo!

Em Itabaiana eram famosos três amigos, atendendo pelos nomes de “a Tampa”, “a Garrafa” e “o Copo”. O trio tomou todas no dia da eleição e foi preso pelo soldado “Batalhão”, folclórico militar que também gostava de mamar numa garrafa de Pitu. Os meninos, sabendo da queda do militar por uma branquinha, convidaram o soldado para uma saideira. Depois de quatro meiotas, os “prisioneiros” se levantam da mesa:

− Pronto, “Batalhão”, agora pode nos prender.

E “Batalhão”, já mais pra lá do que pra cá:

− Ora, bom basta, se vocês quiserem que se apresentem. Eu não saio daqui do bar nem sendo eleito.

“A Tampa” e “a Garrafa” já foram embora deste mundo. “O Copo” hoje é Testemunha de Jeová e membro dos Alcoólicos Anônimos. “Batalhão” também já foi tocar corneta e beber cachaça no céu.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Casa dos idosos em Mari


A imprensa tem secura por notícia ruim. É o que dá audiência, e todo mundo espalha. Quando ocorre um fato positivo, ninguém aparece para noticiar. Agora, desgraça, epidemia, crise, corrupção, morte e o que tem de ruim merece destaque na mídia. Acho que isso se dá porque somos sádicos por natureza, temos prazer em ver o sofrimento alheio. Tem também aquela nóia: se a vida de fulano ta tão ruim, a minha não é de se reclamar tanto... É a desgraça alheia confortando nossa própria falta de sorte e de competência.

As boas notícias só são atraentes para os que se interessam diretamente por elas. Tipo: “Governo vai dar aumento aos aposentados”. Isso me atrai porque sou aposentado e vivo das migalhas da Previdência. Portanto, digo isso para anunciar uma boa notícia que chega de Mari, trazida por um companheiro de lá. Não sei até onde é verdade, mas acredito que sim, por conta da qualidade moral da pessoa envolvida.

Trata-se de um asilo para velhinhos que está sendo implantado pelo agrônomo Ercílio Delgado. É uma obra mais do que meritória, nesses tempos de tanto desamor. Conheço Ercílio Delgado, um senhor do bem, sempre envolvido com as causas sociais. Foi meu parceiro em aventuras tais como a fundação da rádio comunitária, o sopão das crianças pobres, o incentivo às artes através da Sociedade Cultural Poeta Zé da Luz. Ercílio é uma daquelas pessoas essenciais numa comunidade.

Pois a notícia do asilo para velhos não apareceu em nenhum blog de Mari, comprovando a tese de que notícia boa não circula. Vamos destacar os bons pensamentos em nosso dia-a-dia e aumentar a corrente de positivismo que pode fazer a diferença em nosso ambiente, pessoal! Chega de politicalha, disse-me-disse, denúncias frouxas e fuxicos. Mari tem tanta coisa positiva para se destacar, no lugar das fofocas maliciosas. Não só em Mari, mas em qualquer comunidade.

Minha fonte não soube informar se o asilo de idosos do amigo Ercílio tem apoio dos poderes públicos, se conta com atendimento médico, como sobrevive. De qualquer forma, espero que as entidades como Maçonaria, clubes de serviço, igrejas e associações ajudem o empreendimento. Lembrando que o Brasil caminha para ser um país de velhos e que a nossa sociedade não está preparada para o contingente de idosos que terá de amparar. Os governantes pensam em tudo nos seus programas, menos na questão dos idosos. Esquecem de pensar naqueles que lutaram em prol de uma sociedade produtiva e agora, ao término de suas vidas, sentem-se imprestáveis, vivendo como lixos humanos, sem o mínimo de respeito.

Em tempo: recebo mensagem da professora mariense Ozaneide Vicente, dando conta de que a Casa dos Idosos em Mari não conta com o apoio dos poderes públicos. “Não tem médico à disposição, só esporadicamente o projeto Médico da Família, não temos enfermeiro, psicólogo ou assistente social. Os voluntários são em número insuficiente”.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

PLACA FRIA


A placa da Secretaria das Finanças da Paraíba (foto) está na estrada que liga a encruzilhada de Pilar à cidade de Juripiranga. Sobra pontuação e falta cultura rudimentar à informação oficial. É uma coisa escandalosa o Estado afixar placas com erros grosseiros de português.

Na mesma estrada, uns poucos quilômetros adiante, o Grupo Escolar Municipal Deputado Manoel Ferreira de Andrade está caindo aos pedaços, totalmente em ruínas. Negligência e descaso com a educação. Por isso é que o número de pessoas analfabetas com mais de 10 anos cresce em nosso país, segundo dados da ONU.

Essa nota foi publicada em 2005. Não sei se a situação persiste. Devem ter mudado a placa e reconstruído o grupo escolar. Mas a realidade, no geral, é quase a mesma nesta Paraíba velha de guerra.
Um a cada oito jovens da região Nordeste é analfabeto. A taxa de analfabetismo de jovens de 15 a 29 anos no Nordeste é de 12,5% – nas demais regiões, a média é de 2,6%. Melhor qualidade da educação básica depende da melhora da renda dos profissionais de educação, bem como melhoria da formação. Sem educação não há cidadania. Grande parte das crianças brasileiras que já foram alfabetizadas não consegue compreender textos básicos. A baixa qualidade do ensino no país deve-se a dificuldade de acesso, a má formação dos professores e a infra-estrutura defasada das escolas.
Segundo o Ministério da Educação, mais da metade (14.518) das escolas brasileiras de ensino fundamental não atingiu a média nacional do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que é de 3,8 pontos. A placa com erros de acentuação aponta para o descaso do Estado com relação à educação do povo.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Jessier Quirino e as rádios comunitárias


Conheço Jessier Quirino desde 2004, quando fizemos parte da comissão que organizou as comemorações pelo centenário do poeta Zé da Luz, em Itabaiana. Naquela ocasião, produzimos uma revista, fizemos um espetáculo musical e inauguramos o busto do poeta matuto de Itabaiana. No espetáculo, apresentaram-se os artistas itabaianenses Adeildo Vieira, o forrozeiro Aracílio Araújo e o saxofonista Arnaud Neto, com um detalhe: foi a primeira vez que esses consagrados músicos tiveram a oportunidade de se apresentar em sua terra natal. Sabe por quê? Pelo simples motivos de que a população não conhece as obras desses artistas de tão alto valor. E isso acontece porque as rádios comerciais não tocam suas músicas. Eles não fazem parte do esquema do velho jabaculê, que consiste na prática de uma gravadora pagar dinheiro para a transmissão de músicas em uma rádio ou TV. Por isso, só são divulgados nas verdadeiras rádios comunitárias, aquelas que adotam o princípio de valorizar os artistas da região.
Recebemos mensagem de Nesmar Monteiro, morador da cidade de Ipiuá, uma comunidade pequena no sertão da Bahia. Naquelas paragens, informa o leitor, “o poeta Jessier Quirino retrata o Nordeste como ninguém, entra na alma do nosso povo, fala com uma sabedoria de quem viveu as agruras e alegrias do sertanejo. Aqui em nossa Rádio Comunitária, o Jessier Quirino está invadindo as casas com suas prosas e canções. Mas tem um detalhe: só as rádios comunitárias tocam Jessier, porque as outras se resumem ao forró falsificado das bandas bundinhas”.
Isso indica duas verdades: primeiro: Jessier Quirino hoje é um nome nacional, indiscutivelmente a maior revelação paraibana no campo da poesia e da música regional dos últimos tempos. Segundo, as rádios comunitárias estão resgatando a autêntica cultura de raiz, através das ondas eletromagnéticas de baixa potência, nas pequenas cidades brasileiras.
Corrupção também é cultura: a palavra jabaculê tem origem africana, e seu sentido original é “oferenda para que os maus espíritos não interfiram na harmonia da comunidade”. O jabaculê das rádios comerciais é, portanto, uma “oferenda” para que o esquema do lixo da indústria cultural continue a rolar nas ondas do rádio, em detrimento da música de qualidade. Mas cabe a pergunta: e rádio comunitária também não “come” jabaculê? Pode até ser, mas é um tanto complicado, porque a indústria da música não se interessa por pequenas rádios que só alcançam uma pequena cidade ou um bairro. O negócio deles é macro, no atacado, envolvendo grandes redes de rádio e TV.
Mas voltando ao Jessier Quirino, o fotógrafo Euclydes Villar da microssérie “A Pedra do Reino”, da Rede Globo, o homem tá se tornando “nacioná e internacioná”, mas onde ele reina mesmo é na difusora de pé de poste do interior, e nas pequenas emissoras como a Rádio Comunitária Alto Falante, do Alto José do Pinho, comunidade pobre do Recife. Lá tem um programa chamado “Politicando”, que fala de temas ligados à política, logicamente, em linguagem simples para o povão. No programa eles tocam músicas que falam de política. Rodam Legião Urbana, Raul Seixas, Lobão e outros. Daí apareceu um morador da comunidade que entrou no debate e recitou “Comício de beco estreito”, um poema clássico de Jessier Quirino. Portanto, menino, quando o poeta está na boca do povo, é porque está consagrado pra “seculum seculorum”. Assim falou Zaratustra e Biu Penca Preta...

domingo, 9 de agosto de 2009

A casa de cultura de Pedro Osmar


Recebo em minha casa visita de dois amigos importantes: meu eterno professor Idalmo da Silva e o multimídia Pedro Osmar, que é vizinho meu aqui no bairro do Jaguaribe. Além de visitação de doente, já que ando meio alquebrado, queimando óleo 50 e fora da validade, os meus companheiros vieram em missão de repórteres, cumprindo pauta de um documentário que o irrequieto Pedro Osmar anda filmando sobre Idalmo e outros guerrilheiros de Jaguaribe. Gravei depoimento sobre meu antigo professor, falando de suas proezas teatrais e guerrilhas culturais em Itabaiana na década de 70, quando conseguiu ser expulso do Ginásio Estadual por ter a audácia de falar sobre as coisas da vida, sem arrodeios, para a juventude. Não teve que beber cicuta, feito o filósofo grego Sócrates, mas pegou a estrada de volta para João Pessoa, a fim de dar satisfações às autoridades sobre esse negócio de falar em sexualidade na sala de aula. Como se sabe, Sócrates foi sentenciado a beber veneno por “corromper a juventude de Atenas”.

Pedro Osmar, para os três ou quatro pessoenses que não sabem, é pintor, poeta, músico, instrumentista e agitador cultural. Provocador nato, segundo ele mesmo, Pedro se interessa pela educação do povo, vive metido em tudo que é movimento social, levando sua arte e sua garra no propósito de mudar o mundo. A música de Pedro Osmar já foi gravada por Elba Ramalho, Lenine, Vital Farias, Xangai, Chico Cezar, Zé Ramalho e Zeca Baleiro. Pedro me convidou para dar umas palestras sobre rádio comunitária na Casa de Cultura que ele acaba de montar em sua própria casa, na Rua 12 de Outubro, no Jaguaribe. Lá tem a Sala João Balula, onde ele pretende reunir os caras que ainda se dedicam à arte e cultura, para fazer o povo gostar de participar de experiências solidárias, de fazer comunicação alternativa e construir sua própria cidadania.

Quanto ao documentário, fiquei de entrar em contato com o casal Irene e Zenito, dois professores da nossa época em Itabaiana, que moram no Bessa, para continuar os depoimentos, incluindo sessão de música. Eu vou acompanhar o professor Idalmo ao violão, ele cantando velhas canções que a gente costumava entoar no cabaré de Nevinha pobre, tomando Pitu com feijão verde naqueles tempos de boemia na rua do Carretel.

sábado, 8 de agosto de 2009

Márcia Ribeiro, um exemplo a ser seguido


Márcia Ribeiro (à esquerda) lutava pela causa feminista

A extinta vereadora Márcia Ribeiro, de Itabaiana, cujo desaparecimento trágico provocou profunda consternação no povo do Município, deixou vários exemplos. Um dos mais edificantes legados é de que a democracia, para sobreviver, precisa de pessoas de coragem. A dimensão da postura política de Márcia só aparece intregralmente agora, com seu desaparecimento, quando Itabaiana percebe, atônita, que ficou sem a única voz oposicionista na Câmara de Vereadores. Sem entrar no mérito das suas posições políticas, todos sabem o quanto é difícil exercer a função de oposição numa cidade do interior. As pressões são enormes, o desgaste é grande, as tentações então... Se Márcia conservou sua posição, sinal de que respeitou o desejo coletivo de que seu mandato estivesse a serviço do contraditório, da contestação que produz novas luzes no cenário da democracia.

Sua firmeza escreveu uma bela página do legislativo itabaianense. Cumpriu em vida, com espírito público, uma missão importante, a de bem representar a mulher no parlamento. Ampliou seu raio de ação para todo o Estado, ao ser escolhida para a presidência da secção feminina do seu partido, o PL. Ela não mediu esforços para prestigiar a mulher e as minorias discriminadas. Combateu o bom combate ao postar-se a favor de uma luta institucional contra as drogas, levando o Parlamento a se engajar na batalha contra os entorpecentes, mal que ronda os lares de todos os brasileiros.

Era uma representante ilustre da nova safra de políticos itabaianenses, de mentalidade moderna e progressista. Por onde passou, deixou sua marca de competência. Suas atitudes polêmicas na política de Itabaiana foram gritos de guerra contra a “ordem consensual”, assumindo-se como algo novo na atividade política da província.

Que seu exemplo inspire as novas gerações.

(Crônica publicada em agosto de 2006, no Tribuna do Vale)

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A MEDIOCRIDADE AO ALCANCE DE TODOS

O deputado pastor Nivaldo Manoel propõe projeto de Resolução determinando que antes de começar as sessões na Assembléia Legislativa da Paraíba, os deputados façam a leitura de um trecho da Bíblia e uma reflexão. No Brasil de tantas idiotices legislativas, a Paraiba sai na frente nessa espécie de jeguice religiosa. Nossos deputados são os primeiros a tomar uma decisão desta natureza.

Em muitas câmaras, as sessões começam com a invocação da proteção divina. Algumas colocam a Bíblia permanentemente na mesa e outras iniciam as sessões com a leitura de um versículo. Mas a história da reflexão é novidade. E é antidemocrático, ao menos no que se refere à discussão de projetos que interessem às minorias, sejam religiosas ou qualquer outra. Os deputados e vereadores se pegam com a Bíblia, travam o debate e não deixam aprovar projetos em favor, por exemplo, dos homossexuais. Se o Estado é laico, não há porque privilegiar uma religião.

O primeiro parágrafo do artigo 19 da Constituição diz: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios, estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público".
Portanto, o uso de símbolos e a realização de cultos estabelecem uma aliança entre o Estado e uma religião, que acaba sendo privilegiada em detrimento das demais.

O projeto já é motivo de chacota em todo o país. Um sujeito metido a humorista daqui da Paraíba já descobriu os temas das primeiras reflexões. Os deputados Quinto de Santa Rita, Ranieri Paulino e Gervázio Maia Filho irão refletir sobre Provérbios 4:1, que diz: “O filho sábio ouve a instrução do pai”. Já Nivaldo Manoel e outros semi-alfas da Assembléia deverão explorar o tema de Provérbios 13:13: “O que despreza a instrução perecerá”.

Os vereadores de Caicó, no Rio Grande do Norte, estão às voltas com um dilema mais terrestre. Acusado de ser gay, o vereador Paulo Roque quer ser submetido ao exame de conjunção carnal via reto para provar que não tem nenhuma “prega quebrada”. O vereador Miltão aproveitou para requerer que a medida fosse estendida para todos, incluindo os radialistas que acusaram o vereador. A grita foi geral, todo mundo de costas para a parede, protesto unânime contra o “exame da goma” generalizado.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009


Os poemas de Augusto dos Anjos servem de tema para a peça “O Banquete Final”, a partir de pesquisa na obra do poeta Augusto dos Anjos. É uma coletânea de poemas de Augusto dos Anjos, com trechos da fortuna crítica do “paraibano do século XX”, entremeados aos versos dos livros “Pátria Armada” e “Lira Desvairada”, de minha autoria.

Ao fazer uma composição das duas formas de arte, poesia e teatro, o espetáculo pretende chegar a uma performance teatral simples mas que alcance o objetivo principal: enquanto o teatro se encarrega da ação e dos gestos, a poesia traz em si a carga de dramaticidade, densidade e síntese textual de que o teatro necessita.

Na verdade, teatro e poesia sempre estiveram juntos desde os tempos remotos da história da humanidade. Poetas eram também chamados de dramaturgos na Grécia antiga.
A angústia e opressão sofridos pelo homem são explorados no texto: a poesia de Fábio Mozart, que não contemporiza com a injustiça social, e o universo poético de Augusto dos Anjos, desenvolvendo temas que expressam a aflição e conflitos íntimos da humanidade.

A montagem deste espetáculo pretende ser um contraponto ao teatro prosaico que se pratica atualmente na Paraíba. Não é um simples recital de poesia, é a cenopoesia levada às últimas conseqüências.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

O FANTÁSTICO E SURREAL MUNDO DA IGNORÂNCIA




Otto Cavalcanti, para quem não sabe, é um destacado artista plástico, representante das vanguardas das artes na Espanha, com reflexo em toda a Europa. Atualmente ele vive em Barcelona. Desde os anos 60, circula entre Londres, Paris e Madrid, expondo suas obras na maioria dos museus e instituições do velho continente.

Otto Cavalcanti nasceu em Itabaiana, Estado da Paraíba, em 1930. Depois de muitos anos longe de sua terra natal, Otto resolveu visitar Itabaiana no ano passado. Comovido com a realidade itabaianense, de pobreza material e cultural, Otto procurou a Prefeitura e pessoas influentes da cidade, com a idéia de instalar uma fundação para divulgar sua obra e fomentar a produção artística dos jovens. Sua esposa ficou pasma ao saber que na cidade não existe nenhum museu, biblioteca ou qualquer equipamento público ligado à disseminação da cultura.

Diante da quase absoluta falta de interesse dos seus conterrâneos por suas idéias, Otto desistiu da fundação. O conceito mais próximo de cultura que se tem por aqui é ligado a esses grupos musicais chamados “forró de plástico”, promotores do emburrecimento da população. Cinema de qualidade, bom teatro, acesso a livros é quase uma piada para a juventude. Imagine uma exposição de quadros de Otto Cavalcanti. Pois o pintor trouxe da Espanha alguns quadros, para expor. A obra de Otto Cavalcanti é um mergulho no vasto universo pessoal do artista, um mundo que reflete as personagens e vivências brasileiras, ecos de sua adolescência na próspera Itabaiana dos anos 40. Suas telas apresentam um estilo fantástico e irreal. Pois a atual geração de itabaianenses não deu a mínima bola para as aquarelas de Otto. A obra exposta ficou às moscas. Desiludido pela falta de reconhecimento em sua terra natal, Otto voltou para a Espanha, onde é chamado de “El gran Maestro brasileño”.



Já em Pernambuco, o deputado José Marcos fez um apelo ao Ministério da Cultura, através da Mesa da Assembléia Legislativa, no sentido de estudar uma fórmula “para manter contato com o premiado pintor paraibano Otto Cavalcanti, radicado na Espanha, visando a possibilidade de uma exposição dos quadros daquele artista nordestino nas principais capitais do Brasil, especialmente em João Pessoa (PB)”. Enquanto muitos querem ver a exposição de Otto, ele “veio para os seus que não o reconheceram”, parodiando a frase bíblica sobre o Judeu que foi escorraçado por seus patrícios.



O deputado pernambucano justificou sua propositura afirmando que “é comum valorizarmos o que é importado, deixando muitas vezes ao esquecimento e em segundo plano as pratas da casa". Essa prata, hoje com cabelos prateados e beirando os oitenta anos, recebe elogios dos maiores críticos de arte do mundo, incluindo Josep Maresma, da Associación Internacional de Críticos de Arte. Em Itabaiana, passou por lunático, com idéias absurdas de promover cultura, sem estar comprometido com o partido A ou B, sem dinheiro e sem ligação com os Big Brother da vida.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Félix Cachaça e Zé Dudu



UNIÃO
Em pé: Luiz Locoro, Noel, Edmilson, Zé Arruda, Jorge, Pedrinho e Topada. Agachados: Félix Cachaça, Dino, Everaldo, Peludo e Zé Maria.



Vendo as fotos do meu União de Itabaiana, enviadas pelo professor Edmilson Jurema para o blog Itabaiana Hoje, bate a recordação dos tempos do bom futebol itabaianense, onde a saudável rivalidade entre Vila Nova e União levava multidões ao “Severino Paulino” em tardes domingueiras memoráveis. Meu pai Arnaud Costa foi presidente do União nos bons tempos. O próprio Edmilson foi uma lenda na zaga desse time tão estimado. Jurema era o que se chama de “pau de dar em doido”, foice roçadeira que minava as pernas dos atacantes adversários, cão de guarda valente.

Lembro de todos os atletas das duas fotos, em épocas distintas do querido União Sport Clube, que hoje parece estar hibernando. Aliás, o futebol amador em todo lugar anda decadente. Quem gosta de futebol e hoje tem pelo menos 50 anos, deve recordar com saudade – e uma ponta de frustração – dos bons tempos do futebol itabaianense. Os cartolas eram mais competentes e dedicados. Botavam dinheiro do próprio bolso no clube, sem esperar retorno. Esses abnegados não existem mais. Os times medíocres de hoje são formados por rapazes que mal sabem os rudimentos do futebol, mas se recebem um elogio qualquer, já querem grana pra jogar no time. Nos antigamentes, craque era paparicado, mas não recebia dinheiro. Atleta mediano pagava pra jogar. A evolução decrescente do nosso futebol precisa ser repensada.

Mas hoje quero falar do maior ponta-direita do futebol itabaianense que vi jogar, o incrível Félix Cachaça, cujos dribles lembravam o imortal Garrincha. Nas tardes de domingo, quando jogavam Botafogo da Maloca e União, a torcida delirava com o embate desigual entre o perna-de-pau Zé Dudu e o ponteirinho Félix Cachaça. Rapaz humilde, Félix não humilhava seus marcadores de propósito, mas, igual a Garrincha, fazia questão de dar espetáculo, principalmente tendo um coadjuvante bufão.

Certo dia, Félix Cachaça driblou Zé Dudu umas três vezes e voltou da linha de fundo só para repetir os dribles e ouvir a risadagem da torcida. Cansado do seu papel de touro na arena, Zé Dudu arrancou o pau da bandeira do córner e tascou no lombo de Félix Cachaça. Resultado: o juiz Nivaldo da Praça expulsou Zé Dudu por “jogo violento” e também botou Félix Cachaça pra fora por “desrespeito ao adversário e atitude antidesportiva”. Nivaldo e Dudu já foram para o andar de cima. De Félix Cachaça nunca mais tive notícias.

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